Gilberto Maringoni
Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.
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Acordo militar com os EUA é volta ao passado, por Gilberto Maringoni

A incorporação de um general brasileiro ao Comando Militar Sul dos Estados Unidos representa uma perigosa volta ao passado

Foto Brasil de Fato

Acordo militar com os EUA é volta ao passado

por Gilberto Maringoni

A incorporação de um general brasileiro ao Comando Militar Sul dos Estados Unidos representa uma perigosa volta ao passado. Negociações desse tipo entre países periféricos e potência imperial nunca são vantajosas para os primeiros

O Brasil já teve um acordo militar firmado com os Estados Unidos. Durou 25 anos e não fez falta alguma depois de rompido. 

Em 15 de março de 1952, Getúlio Vargas foi pressionado fortemente pela Casa Branca, no auge da Guerra Fria, a assinar um tratado “em defesa do Hemisfério Ocidental”. Na verdade, o “Acordo de Assistência Militar entre a República dos Estados Unidos do Brasil e os Estados Unidos da América” visava garantir, antes de mais nada, mercado cativo para a indústria bélica do grande irmão do Norte.

INGLATERRA E FRANÇA
Até a II Guerra Mundial, o Brasil comprava preferencialmente equipamentos navais da Inglaterra e aviões da França. Assim, em 1910, a Marinha reequipou e modernizou todo o seu arsenal com a compra de dois dreadnoughts (cruzadores), dois scouts (navios de patrulha leves) e dez destroyers (contratorpedeiros leves), entregues ao Brasil a partir de 1908. A política de pessoal seguiu na lógica escravocrata do século XIX e desembocou na Revolta da Chibata, dois anos depois. Mas essa é outra história.

Na formação da aviação militar e naval – a FAB só seria criada em 1941 – a preferência era por artefatos franceses, até a segunda década do século. Não havia exclusividade de fornecedores, mas o Brasil buscava sempre melhores oportunidades de compra.

GRANDE NEGÓCIO
A campanha da Itália, conduzida pela Força Expedicionária Brasileira, revelou-se um grande negócio para os norteamericanos. A ação conjunta, definida em convenção de 1942, estabelecia troca de informações e fornecimento de equipamentos, além do estabelecimento de cinco bases militares no Norte-Nordeste. De uniformes a aviões, passando por veículos leves e blindados, tudo foi vendido por nossos desinteressados aliados de Washington.

O intercâmbio entre as Forças Armadas se estreitou após o conflito, em especial depois da fundação da Escola das Américas, em 1946, instituição do Departamento de Defesa dos EUA. Seu objetivo era treinar e educar oficiais latinoamericanos, o que chegou a incluir aulas de tortura. A base de seu projeto pedagógico era a Doutrina de Segurança Nacional e havia um acordo tácito de que os aparatos de defesa de cada país deveriam voltar-se para a fiscalização de fronteiras e contra o “inimigo interno”. A fundação da Escola Superior de Guerra, no Brasil, em 1949, se deu em linha com o ideário da Escola das Américas e preparou ideologicamente o setor mais direitista das FFAA brasileiras para o golpe de 1964.

POLÍCIA CONTINENTAL
A ideia de que forças locais resolveriam problemas locais e a defesa continental seria feita pelos EUA não era nova. Vinha do “Corolário Roosevelt”, conjunto de iniciativas do presidente Theodore Roosevelt (1901-09), através do qual os EUA decidiriam unilateralmente intervenções diretas em países do continente que apresentassem distúrbios para a ordem regional. O Barão do Rio Branco, ministro das Relações Internacionais (1902-12), e o então embaixador em Washington, Joaquim Nabuco, eram decididos apoiadores desses postulados.

Assim, o acordo de 1952 era etapa lógica de um alinhamento quase automático da política militar brasileira com a linha ferrenhamente anticomunista do governo Harry Truman (1945-53). O país tentava forçar o Brasil a enviar tropas para a Guerra da Coréia (1950-53), uma das mais cruéis investidas imperiais no leste asiático. A moeda de troca proposta pelos EUA era o acesso a metais estratégicos, como urânio, nióbio e manganês e financiamentos para a modernização das forças armadas locais. Vargas aceitou a troca, mas não enviou soldado algum ao Oriente.

O ROMPIMENTO
O acordo era lesivo aos interesses nacionais, mas atravessou governos civis e militares, até ser rompido unilateralmente em 11 de março de 1977. O fato se deu no governo Ernesto Geisel (1974-79), num surto nacionalista e desenvolvimentista que se contrapunha aos interesses da Casa Branca. Vale ressaltar: quem rompeu o acordo foi um general da ditadura (1964-85)!

Entre os motivos do descontentamento brasileiro estava a política do governo Jimmy Carter (1976-80) de pressionar o Brasil pelo desrespeito aos direitos humanos. O país que patrocinara o golpe na década anterior valia-se de uma causa justa para seguir com seu pesado jogo de forças.

OS RECUOS
Por 38 anos, não houve parcerias formais de conjunto entre os dois países no campo militar, apesar de existirem articulações pontuais.

Em junho de 2015, o Ministério da Defesa anunciou em seu site que “Foram promulgados hoje (26), os dois acordos assinados entre Brasil e Estados Unidos relativos à cooperação em matéria de defesa (chamado acordo guarda chuva) e as medidas de segurança para a proteção de informações militares sigilosas. O assunto será anunciado pela presidenta Dilma Rousseff em audiência com o presidente Barack Obama, na próxima terça-feira (30), em Washington (EUA)”.

Era um recuo. Mas nada comparável à posição abertamente sabuja que Michel Temer e Jair Bolsonaro articularam: a volta a uma realidade de submissão que não se via desde o início dos anos 1940, quando a importância do Brasil no cenário internacional era infinitamente menor que a atual.

Gilberto Maringoni

Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.

5 Comentários

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  1. O governo Bolsonaro é útil para o Imperialismo Internacional?
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    A pergunta que os blogs de esquerda, manipulados pelos diversos bandos do governo Bolsonaro, não entendem o principal que está ocorrendo, a serventia ou não para o grande capital internacional de um governo gerido por gangues diversas em que os conflitos são diários.
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    Não interessa para a verdadeira grande burguesia internacional, que um capitalista de terceira linha em dinheiro e em poder, como o dono da Havan apoia ou não o governo Bolsonaro.
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    Não interessa também se um dos grupos de pressão qual será o que realmente manda no governo Bolsonaro, o que interessa é a estabilidade dos interlocutores.
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    O Imperialismo Internacional adorava o governo Macron, porém quando o mesmo começou a se enrolar no affaire Benalla, um guarda costas que se tornou quase uma figura intocável na Republica Francesa, e a cada dia se torna mais difícil a sua defesa.
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    Além de Benalla com a crise constante dos coletes amarelos, que utilizando um trocadilho atroz, estes sim amarelam a vida de Macron. Nota-se pela imprensa francesa, dominada pelo grande capital, a presença de Macron começa a se tornar desagradável.
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    Pois bem, o chuchu da política europeia está virando um pepino para aqueles que dominam a política do velho continente, agora imaginem o que estes grandes senhores do mundo estão pensando do governo Bolsonaro?
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    Certamente para o Imperialismo Internacional já ficou claro que Bolsonaro deverá ser neutralizado, porém como este Imperialismo não forma um bloco totalmente homogêneo, eles só atuam num grupo único quando o risco é maior do que o benefício.
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    E fica cada vez mais claro que um governo dominado por um bando de desqualificados, chefiados por um economista de segunda linha, um presidente que é a deficiência política encarnada, uma clã de descendentes deste presidente que tem o seu projeto próprio e que pode estar vinculado ao baixo crime, um outro bando de ministros alucinados que em outros países estariam fazendo tratamento psiquiátrico e mais uma série de generais que pertencem a diversas tendências de direita.
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    Se além de todas estas confusões domésticas poderemos ter problemas internacionais. Se for agregado os ruralistas, que no andar da carroça, tudo indica que causarão não só ecocídios mas também genocídios de populações indígenas, ou também um ministro de relações exteriores que desrespeita o mínimo de civilidade e dá passos à frente do que ele pensa que o governo Trump deseja, sem entender em nada a geopolítica envolvida nos avanços e recuos deste.
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    Em resumo, o governo de Bolsonaro poderia ser assemelhado a um Bordel sem a Madame para controlar os clientes e as meninas. Ou seja, nada indica que haja a possibilidade de haver estabilização neste governo, ou pior, tudo indica que a situação vai se deteriorar mais rápido do que se pensa.
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    Porém o impasse é como fazer a substituição do governo Bolsonaro, principalmente no meio da crise com a Venezuela. Ninguém sabe pelo Bolsonaro e a sua trupe o que foi negociado com os Estados Unidos, talvez somente os militares o saibam, entretanto vem a pergunta: O que foi negociado está de acordo com a vontade da maior parte das Forças Armadas? Pois se os acordos não satisfazem a imensa maioria, eles não valem.
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    Alguém pode pensar. Retira-se Bolsonaro e coloca-se Mourão. Porém vem outra pergunta. Sucedendo Mourão ele terá apoio de setores das polícias militares que se encontram enrolados com as milícias, que por sua vez estão aparente mancomunados com algumas partes do esquema Bolsonaro.
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    Há mais de quatro anos escrevi que os golpistas eram amadores, ou seja, não seguiram o manual básico dos golpes, e pior os golpes modernos patrocinados pelos Estados Unidos, praticamente todos não criaram condições estáveis nos países, onde simulacros da democracia burguesa poderia ser estabelecido, e pior o Brasil não é um país da América Central, que dado um golpe se estabelece o domínio de milícias armadas e a economia e a sociedade destes países colapsam, o colapso do Brasil, pode induzir ao despertar de forças tão fortes que nem uma frota norte-americana conseguiria intervir.
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  2. Como sempre, nos acordos entre EUA e Brasil, os EUA entram com o pé e o Brasil entra com a bunda.
    Só o Bozo não sabe disso.
    Ou sabe e é essa a intenção?

  3. Felizmente nem todos alheios…
    a violência que acordos desse tipo implicam

    com a aceitação das forças armadas a colonização instrumental ou operacional torna-se absoluta

    no popular : o visto como último, colonizado, será o primeiro a morrer no campo de batalha

  4. Nassif: parece que a sabujice não é do daBala. São os VerdeSauvas, sedentos que estão do estrelato. Antes, até denunciaram o acordo. Mas sentiram que assim não poderiam mais receber as quinquilharias do Pentágono, à troco de minério, petróleo e produtos agrícolas. Inclusive, já haviam recebido uns tanquinhos enferrujados. Estão contentes. Parecem aqueles índios trocando pau-brasil por espelhos e miçangas. Cada povo tem os milicos que merece. Foi o que Deus mandou pra Pindorama, agora acompanhado do Messias.

  5. :
    : * * * * 04:13 * * * * * : Eles (Ou Mal lutar é lutar mal)

    Nunca se viu povo tão idiota
    militando contra a própria sorte!…
    Mesmo toda paciência se esgota
    quando os “fracos” idolatram o “forte”.

    E ainda esperam alguma cota…
    Coitados! Que o tempo não lhes corte
    a memória em meio à tal rota
    da vida indo ainda mais para a morte…

    ……………………………. Cláudio Carvalho Fernandes
    ……………………………. (Poeta (anarcoexistencialista))

    Poema dedicado ao eleiTORADO brasileño, no pós-eleições de 2018…
    (Se é que não houve participação ativa da maquininha caixa-preta do TSE nos resultados de 2018…)

    :.:

    Poema “Z”

    Para Dilma, Lula e o PT e todos/as os/as progressistas do mundo inteiro. Sinta-se homenageado/a, também.

    Penso

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    :.:

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