Ion de Andrade
Médico epidemiologista e professor universitário
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O que sustentará a nossa democracia no longo prazo?, por Ion de Andrade

O que sustentará a nossa democracia no longo prazo?

por Ion de Andrade

I. Elementos históricos

Terminada a segunda guerra mundial, o Partido Comunista Italiano, (PCI) sob a liderança de Palmiro Togiatti, posicionou a democracia no centro da sua estratégia.  A ideia era dotar a Itália de um regime democrático estável capaz de ser continuamente aperfeiçoado por meio de uma ação antifascista de longo prazo. O partido entendia que o fascismo não era um fenômeno superficial ou momentâneo na Itália, mas estrutural, razão porque o seu enfrentamento não se resumiria à adoção de um Estado democrático por meio de uma constituinte, mas exigiria uma luta longa para estirpar tudo o quanto pudesse alimentar a possibilidade de retorno. (Ver: Do stalinismo à democracia – Palmiro Togliatti e a construção da via italiana ao socialismo, Marco Mondaini, Ed.Contraponto)

O PCI, é verdade, exauriu-se, consumiu-se como uma vela, na tarefa de democratizar a vida política italiana e desapareceu, possivelmente quando alcançou a missão estratégica que havia dado a si mesmo de estirpar o fascismo da vida política italiana.

Antes de desaparecer, entretanto, o PCI deixou um extraordinário legado de boa formulação teórica sobre a democracia, o socialismo e a vida partidária.

No imediato pós-guerra o PCI enxergava três colunas que poderiam sustentar a democracia italiana, a Democracia Cristã (DC), o Partido Socialista Italiano (PSI) e o PCI.

A guerra fria se encarregaria de demonstrar que a unidade conquistada no processo constituinte e no primeiro governo não sustentaria as pressões primeiro americanas e depois russas de acirramento e polarização entre o campo capitalista e o socialista, fato que alijaria definitivamente o PCI do governo, o que deformou a vida política e a democracia italiana. Pior que isso, a DC se tornaria francamente anticomunista na guerra fria subordinando-se a Washington.

De fato o PCI superestimou a democracia cristã como força nacional interessada na democracia e, apesar da sua incessante busca por alianças, foi continuamente isolado.

A elaboração do PCI tocante à Democracia Progressiva foi importante para o Brasil e certamente inspirou muito dos governos populares.

II. O Brasil

O PCI formulou uma sustentabilidade para a democracia italiana e superestimou o papel e o alcance do Centro democrático e do seu papel histórico e sucumbiu. No nosso caso, que forças poderão sustentar o edifício democrático? Tal como na Itália do pós-guerra, essa é uma questão fundamental para a estabilidade e consolidação da nossa democracia no longo prazo.

Partidos

A formulação do PCI, de boa escola, considerou na análise das colunas sustentadoras da democracia italiana apenas os partidos políticos. A decepção do PCI com a DC e a nossa com o PMDB, partido aliás historicamente egresso das lutas pela redemocratização, deve nos ensinar que não podemos depositar esperanças no Centro como esteio da democracia. São forças voláteis prontas a leiloar sua adesão à democracia à primeira circunstância.

Portanto, se não podemos ser sectários no que toca ao compartilhamento de uma governabilidade, que pode nos colocar novamente em aliança com esses setores, tanto na condição de forças coadjuvantes como na de forças protagonistas, o presente golpe deve selar o fim da nossa ingenuidade sobre qualquer expectativa estratégica quanto a eles.

Sobram no espectro partidário brasileiro como partidos que podem desempenhar papel na estabilidade democrática, o PDT, o PT e o PC do B. Afora esses partidos outros nos quais a esquerda desempenha algum papel, ou são menores, poderão desenvolver algum protagonismo, como o PSB ou o PSOL, tudo até que a cláusula de barreira aponte os sobreviventes.

É importante  que esses partidos se enxerguem sob esse prisma, na medida em que isso pode maturar a percepção da aliança de longo prazo e da complementaridade orgânica e deveria cimentar convivência civilizada.

Movimentos Sociais

A outra vertente de sustentabilidade da democracia são os movimentos sociais, um tanto ausentes da formulação dos italianos. Os movimentos sociais sustentam efetivamente a democracia e é da sua organização e capilaridade que depende a estabilidade do sistema. Os movimentos sociais ocupam os espaços democráticos  produzindo uma sustentabilidade “física” ao edifício democrático e consolidam outro elemento extremamente importante: a expressão de uma vontade coletiva que se caracteriza por ser normalmente temática. A representação partidária nos Poderes constituídos não deixa de ser, em certa medida, um eco da presença ou ausência dessa organização capilar na sociedade. Quanto mais robustos os movimentos sociais, mais forte a representação democrática. Se funcionassem como deveriam os partidos devolveriam aos movimentos sociais a compreensão mais geral, a visão de conjunto ou o projeto de sociedade incorporador dos interesses e propostas dos movimentos sociais como singularidades ativas, tornando-os parte de um projeto integrado.

A emancipação do povo como sustentáculo da democracia

E aí entramos na microscopia, o Homem (homem e mulher). Quem é o protagonista de que precisamos para que os movimentos sociais sejam robustos e possam, como devem, com base na vontade coletiva que é da sua natureza construir, sustentar o edifício democrático? Qual é, sob esse enfoque, o projeto de emancipação dos sujeitos dos que enxergam a democracia como caminho para a transformação social?

Embora a vida material tenha melhorado na década petista para a imensa maioria do povo brasileiro, essa emancipação dos sujeitos, como protagonistas estratégicos do processo de sustentação do Estado de direito, não foi incorporada como uma necessidade prioritária e transcendente à agenda da esquerda brasileira. Classicamente, nesse tópico, estamos diante da ideia da conversão da “classe em si” em “classe para si”, categorias que naturalmente estão historicamente condicionadas. A classe para si é que é protagonista dos avanços sociais e é quem faz história.

Podemos enxergar a emancipação como sustentada por quatro pilares:

  1. A vida material
  2. A vida espiritual
  3. A vida política
  4. A felicidade

Como fazem parte de um todo, cada elemento da emancipação é relativamente autônomo em relação aos demais, assim como pode ser retroalimentado e potencializado pela resolução do nível que o precede ou que o sucede. Não se trata, portanto, de uma evolução linear. Ao contrário as categorias estabelecem uma relação dialética entre si.

A década petista se concentrou essencialmente no primeiro nível da emancipação, a vida material com o incremento de medidas na área da sobrevivência. Renda, alimentação, moradia, saneamento, água encanada, luz para todos e educação fizeram o âmago dessa iniciativa, que teve papel civilizatório. Sobre essa base, aliás é que se assentam as demais.

Inciativas esparsas nos outros níveis existiram mas nunca foram prioritárias. Houve também por efeito de arrasto, uma melhoria geral dos níveis de politização do povo, o que explica a resiliência popular à tentativa de demolição político-moral de Lula.

Porém não houve, concomitantemente aos avanços no primeiro nível, um esforço para dotar o povo de uma maior capacidade de leitura e interpretação política do significado dos anos de governo popular.

A vida espiritual não toca à melhoria de acesso a eventos culturais ou aos shows de artistas renomados, embora isso possa até compor a iniciativa. A emancipação no que toca à “vida espiritual” diz respeito, em nível populacional maciço, a permitir ao povo o acesso ao desenvolvimento de novas aptidões, que podem ser o domínio de um instrumento musical, de uma língua estrangeira, da filosofia, das artes ou do esporte. A emancipação nessa esfera permite ao povo dimensionar o esforço e a tenacidade necessárias para o desenvolvimento de uma nova capacidade em nível de excelência. O acesso a isso contribui para o desenvolvimento da autoconfiança e de uma identidade, ferramentas fundamentais para a afirmação do Homem perante o Mundo, que é um pressuposto para a emancipação política. As iniciativas capazes de materializar tudo isso devem provir do Poder Público e são a continuidade do processo emancipatório iniciado com as iniciativas relacionadas à vida material.

Os outros dois itens da agenda, a vida política e a felicidade, conduzem o primeiro à participação política, seja nos movimentos sociais, seja nos partidos e o segundo a uma vida relacional rica e recíproca entre os sujeitos, em linha com o que os dinamarqueses denominam de Hygge, que tem a ver com tempo para a convivência  e calor humano em quantidades generosas.

Enquanto a construção da vida política obriga os partidos e os Movimentos Sociais e a vida material e espiritual obrigam o Poder Público; a felicidade será o coroamento do processo emancipatório que sustenta a vida democrática, será um ganho de conjunto, tanto mais proposital quanto mais clareza tivermos da sua necessidade.

Conclusões

Processo de longo prazo, o que deverá sustentar a democracia é: (a) no nível partidário a esquerda política, unida num projeto estratégico, capaz de dialogar com o Centro mas dele não esperar nada, (b) os movimentos sociais capazes de conjugar a sua singularidade temática a um projeto de sociedade e (c) um povo emancipado do ponto de vista da sua vida material e espiritual por ações do Estado, da sua vida política pela ação dos movimentos sociais e dos partidos políticos e que vá desenvolvendo a sua capacidade inata de ser feliz através dessa dinâmica vital pela qual quanto maior a emancipação mais profunda a democracia.

Ion de Andrade

Médico epidemiologista e professor universitário

8 Comentários

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  1. Não Passa

    A recuperação da união social, do orgulho brasileiro, da representação dos valores pessoais e sociais, mas sobre tudo o projeto de Brasil não passa pela mão dos politicos hoje presentes na sociedade brasileira.

     

    O Brasil precisa procurar uma solução fora da politicagem, muito longe do militarismo ou qualquer outra forma de ditadura eletista ou populista.

     

    O Brasil precisa se encontrar, chega de divisão de classes e principalmente chega de divisão de valores 

  2. A democracia é um meio, não um fim em si mesma

    É o que demonstra Lenin em Estado e Revolução:

    “A democracia para a imensa maioria do povo, e a repressão, pela força, da atividade dos exploradores e dos opressores do povo, por outras palavras, a sua exclusão da democracia – eis a transformação que sofre a democracia no período de transição do capitalismo ao comunismo.

    Só na sociedade comunista, quando a resistência dos capitalistas estiver perfeitamente quebrada, quando os capitalistas tiverem desaparecido e já não houver classes, isto é, quando não houver mais distinções entre os membros da sociedade em relação à produção, só então é que “o Estado deixará de existir e se poderá falar de liberdade”. Só então se tornará possível e será realizada uma democracia verdadeiramente completa e cuja regra não sofrerá exceção alguma. Só então a democracia começará a definhar – pela simples circunstância de que, desembaraçados da escravidão capitalista, dos horrores, da selvajeria, da insânia, da ignomínia sem-nome da exploração capitalista, os indivíduos se habituarão pouco a pouco a observar as regras elementares da vida social, de todos conhecidas e repetidas, desde milênios, em todos os mandamentos, a observá-las sem violência, sem constrangimento, sem subordinação, sem esse aparelho especial de coação que se chama o Estado”.

     

    Em vez de posicionarem a democracia no centro de sua estratégia, os Anti-Capitalistas Italianos deveriam ter posicionado a ditadura do proletariado, pois a democracia burguesa é a ditadura da minoria parasitária sobre a imensa maioria trabalhadora. Foi o que constatou Lenin:

    A democracia para uma ínfima minoria, a democracia para os ricos – tal é a democracia da sociedade capitalista. Se observarmos mais de perto o seu mecanismo, só veremos, sempre e por toda parte, nos “menores” (presentemente os menores) detalhes da legislação eleitoral (censo domiciliário, exclusão das mulheres, etc.), assim como no funcionamento das assembléias representativas, nos obstáculos de fato ao direito de reunião (os edifícios públicos não são para os “maltrapilhos”), na estrutura puramente capitalista da imprensa diária, etc., etc., só veremos restrições ao princípio democrático. Essas. limitações, exceções, exclusões e obstáculos para os pobres, parecem insignificantes, principalmente para aqueles que nunca conheceram a necessidade e que nunca conviveram com as classes oprimidas nem .conheceram de perto a sua vida (e nesse caso estão os nove décimos, senão os noventa e nove centésimos dos publicistas e dos políticos burgueses); mas, totalizadas, essas restrições eliminam os pobres da política e da participação ativa na, democracia. Marx percebeu perfeitamente esse traço essencial da democracia capitalista, ao dizer, na sua análise da experiência da Comuna: Os oprimidos são autorizados, uma vez cada três ou seis anos, a decidir qual, entre os membros da classe dominante, será o que, no parlamento, os representará e esmagará!

    Mas, a passagem dessa democracia capitalista, inevitavelmente mesquinha, que exclui sorrateiramente os pobres e, por conseqüência, é hipócrita e mentirosa, “para uma democracia cada vez mais perfeita”, não se opera tão simples nem tão comodamente como o imaginam os professores liberais e os oportunistas pequeno-burgueses. Não; o progresso, isto é, a evolução para o comunismo, se opera através da ditadura do proletariado, e não pode ser de outro modo, pois não há outro meio que a ditadura, outro agente que o proletariado para quebrar a resistência dos capitalistas exploradores.

    Mas a ditadura do proletariado, isto é, a organização de vanguarda dos oprimidos em classe dominante para o esmagamento dos opressores, não pode limitar-se, pura e simplesmente, a um alargamento da democracia. Ao mesmo tempo que produz uma considerável ampliação da democracia, que se torna pela primeira vez a democracia dos pobres, a do povo e não mais apenas a da gente rica, a ditadura do proletariado traz uma série de restrições à liberdade dos opressores, dos exploradores, dos capitalistas. Devemos reprimir-lhes a atividade para libertar a humanidade da escravidão assalariada, devemos quebrar a sua resistência pela força; ora, é claro que onde há esmagamento, onde há violência, não há liberdade, não há democracia”.

  3. o que….

    Primeiramente não entendo o porque de exemplificar com a Italia, para a demonstração de futuro ou algo superior nas relações políticas. A Italia é uma zona. É o Brasil na Europa. Teve alguma ordem porque os americanos impuseram isto depois da 2.a Guerra. E apesar de ter influenciado em sobremaneira nosso país com sua Imigração, é uma realidade milenar e histórica, totalmente diferente da nossa. Mas nossa Elite tem uma Sindrome de Cachorro Vira Latas que não consegue curar. Tudo precisa ter aprovação de opinião de estrangeiros. Eita Complexo de Inferioridade que não desaparece !!!! E depois quando tivemos DEMOCRACIA? O que o sr. chama de Democracia? Isto que vivemos depois da Anistia de 1997, com esta farsante Constituição Cidadã? Explica totalmente o porque buscamos em pleno 2017 um novo Caudilho e a ilusão da felicidade eterna com a sua volta. O Estado Brasileiro a depender de um Messias? Pobre Brasil limitado. Mas explica de forma escancarada nossa situação medíocre  

    1. Então os EUA deveriam também impor ordem nessa zona Brasil

      Se a Itália é uma zona, tal qual o Brasil; se ela só teve ordem porque os EUA lhe impuseram tal ordem, então os EUA devem também impor ordem na zona chamada Brasil.

       

      Au au au au

      Um vira-lata latindo para outros vira-latas.

  4. Socialismo e ecologia

    Prezado Ion, achei muito boa a direção do seu artigo, principalmente porque é um dos raros que inclui a dimensão espiritual e a busca pela felicidade (que prefiro chamar de bem estar) nas argumentações. Ora, apenas o materialismo histórico e a esfera política não são capazes de nos trazer o bem estar, e é exatamente esse ponto que nos é incutido pela grande mídia brasileira para explicar a crise do país, como se ela fosse apenas uma crise política, e como se estivesse na mão dos políticos a solução de todos os nossos problemas.

    Nesse sentido, concordo totalmente que os movimentos sociais podem se transformar num dos principais sustentáculos de nossa democracia.  Boa parte deles já o faz, como por exemplo, aqueles localizados no Pará e na região amazônica, e, sobretudo aqueles que desenvolvem a agricultura familiar e discutem a questão da terra no Brasil. Enquanto não resolvermos a questão da terra, não alcançaremos o autoconhecimento enquanto povo e o conhecimento dos processos históricos que nos fizeram ser o que somos e chegar onde estamos.

    Com certeza faltou, como você diz, nos governos Lula e Dilma, a conscientização política, cultural e espiritual do processo vivido durante esse período. Mas na verdade, ela falta sobre quase todos os períodos e processos históricos brasileiros. Nós somos presas muito fáceis desses golpes porque aqueles que o praticaram provavelmente estudaram muito mais sobre o Brasil e seu povo do que nós mesmos o fizemos, e têm acesso a informações que muitos de nós, para consegui-las temos que cavucar muito. Penso que devemos procurar a aproximação entre as questões ambientais com as demandas sociais, a exemplo da direção apontada em http://outraspalavras.net/destaques/marxismo-e-ecologia-reencontro-necessario/

    Isso porque, mais do que nos basearmos no Partido Comunista Italiano como exemplo, precisamos ter consciência de que o que mais causou impacto no Brasil, além das óbvias interferências dos EUA nas áreas da política, da educação e das forças armadas, foi a tal Revolução Verde do pós-guerra, a que disseminou entre nós a cultura da produção extensiva de grãos para exportação, e que hoje vem de novo com mais força, vendendo máquinas e comprando terras, águas e hidrelétricas, para que com isso se garanta mais cem ou duzentos anos de colonização.

    Concluindo, penso que devemos aproximar as lutas políticas e sociais passando necessariamente pela questão climática e ecológica, pela agricultura familiar, pela questão das águas e das terras, pois por esse caminho é possível chegar a uma grande conscientização histórica, cultural, material e espiritual sobre a realidade brasileira.

  5. O tema aqui não é a Itália e

    O tema aqui não é a Itália e sua congênita instabilidade parlamentar, ou o pós-guerra, ou mesmo o PCI, o tema aqui é a democracia, e essa nossa, franzina e severina, o PT e o Golpe de Estado. Penso que antes de analisar a questão da convivência civilizada, da estabilidade e da consolidação da nossa democracia no “longo prazo”, é preciso pensar já na maneira como vamos e de que modo é possível restaurar a convivência civilizada e a ordem democrática no nosso urgente e “curtíssimo prazo”, sem o qual não chegaremos a nenhum longo e incerto futuro. A segunda ressalva que gostaria de fazer é em relação a afirmação de que sobram partidos políticos fiadores da estabilidade democrática. Isso é absolutamente incorrecto mesmo porque se de fato eles existissem o Golpe de Estado nunca teria sido possível. E pior, não só faltam partidos políticos, faltam instituições e uma sociedade que garantam a convivência  e a estabilidade democrática e evitem os riscos de novas aventuras autoritárias.

    Não fomos ingênuos mas sim muito autoconfiantes e pouco precavidos com as alianças com os PMDBs, uma aliança em que basicamente, trocávamos minutos na televisão e facilidades no Congresso e por cargos e posições na administração (que tinham que ser negociadas e renegociadas, com alto custo, desde o principio, como atesta Roberto Jeferson) . A Democracia Cristã durante muitos anos (mais de 30 pelo menos) ajudou a construir um Estado de Bem Estar Social e a equilibrar as enormes diferenças regionais entre o Norte e o Sul da Itália, teve um compromisso não apenas “tático” ou interessado mas um compromisso real com as mudanças. Um lado foi derrotado (os fascistas) o outro saiu vitorioso, em uma luta aberta. O PMDB e sua Eva, o PSDB, antes mesmo que aquelas as lutas democráticas chegassem a termo já estavam mais que assimiladas e incorporadas a grande transação ideado pelo projeto da longa e incompleta transição (onde os derrotados saíram ilesos e os vitoriosos saíram de mãos abanando). O PMDB nem de longe se parecia com um partido egresso das lutas pela redemocratização e preocupado com as condições de desenvolvimento do país, parece bem mais o que foi um dia seu contrário, a antiga Arena.

    Antes de 2002 o que presidia a relação entre os partidos de esquerda no Brasil e os movimentos sociais era a independência e ao mesmo tempo a aderência desses movimentos aos partidos e, ao mesmo tempo, dos partidos aos movimentos sociais, com vantagens evidentes para os dois lados pela convergência de objetivos e interesses, o que nossos adversários sabiam e temiam, com claros resultados e efeitos positivos para a representação política. Não creio que essa relação deveria ser diferente, mas sabemos que depois de 2002 essas relações ficaram como era natural mais difíceis. E aqui o bom senso deveria ter prevalecido, quando um dos lados dessa relação perde, perde os dois, a negociação tinha que subido um degrau acima. Isso não aconteceu. Continuo achando que a independência e a interdependência e o bom senso deve continuar. Em que pese a enorme incorporação de novos simpatizantes, principalmente nos estratos mais desfavorecidos de nossa sociedade, ao projeto democrático e popular das esquerdas no Brasil, perderam os movimentos sociais (menos) e o próprio partido (mais). Se o tempo no poder deu solução para o udenismo histérico no petismo (que foi muito bem vindo) como partido político e como formação de novos militantes e novas lideranças sofreu enorme abalo a força do PT. Ou seja, os compromissos de governo não devem ser óbices para o fortalecimento do partido e dos movimentos.

    Antes de emancipação humana penso que temos muito trabalho ainda pela frente, mesmo porque nosso Estado de Direito (o tema da segurança pública e de nosso medieval sistema carcerário e da fragilidade de nosso sistema legal) e nosso Estado de Bem Estar Social ainda é uma promessa bastante incompleta. Penso que temos tanto trabalho ainda pela frente que não me sinto ainda preparado para a tal emancipação humana, talvez depois.

    Perdoar-me sempre por meus traços confusos e minhas rabugices.

    Um grande abraço 

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