Andre Motta Araujo
Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo
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Perfil de grandes ministros da Fazenda, por Andre Motta Araujo

Esses grandes Ministros tinham estatura, espírito público, visão de Pais, com todos esses o Brasil teve políticas econômicas de crescimento e incorporação de populações pobres ao sistema de circulação de riquezas

Perfil de grandes ministros da Fazenda

por Andre Motta Araujo

O Brasil na sua turbulenta história econômica teve grandes ministros da Fazenda. Relaciono abaixo alguns que reputo especiais por seu papel histórico.

OSWALDO ARANHA

Político, parlamentar, grande orador, foi Ministro da Fazenda em dois ciclos completamente diferentes, 1931 a 1934, no rescaldo da Revolução de 30 que ele, então Governador do Rio Grande do Sul, ajudou a promover e vinte anos depois, entre 1953 e 1954. Foi um grande Ministro nos dois ciclos. Curiosamente, em épocas tão distintas, coube a ele enfrentar o problema da dívida pública, QUE ELE REDUZIU RENEGOCIANDO COM OS CREDORES, não tinha medo e nem vergonha de enfrentar banqueiros internacionais.

A descrição de sua impressionante atividade na área econômica está bem descrita em uma biografia escrita por ninguém menos que Mario Henrique Simonsen, economista ortodoxo e que foi Ministro da Fazenda.

No ciclo dos anos 50 foi um ás na MANIPULAÇÃO DO CÂMBIO em benefício do País criando mecanismos heterodoxos, como o leilão de ágios por cinco categorias de dólar, da mais essencial à menos essencial. O BRASIL CRESCEU NESSE PERÍODO, toda sua ação nos dois ciclos foi na contramão do liberalismo de mercado, era intervencionista esclarecido.

Esse grande homem não foi só Ministro econômico, foi também Ministro das Relações Exteriores, entre 1938 e 1944, um período crucial na História das relações internacionais do Brasil, até 1938 parceiro comercial número 1 da Alemanha nazista e depois um dos oito Aliados originais na luta contra o Eixos, reversão que foi comandada por Aranha nas cruciais Conferências de Havana e do Rio de Janeiro, ambas em 1942.

De 1947 a 1948 foi Presidente da Assembleia Geral da ONU e, no último Governo Vargas, era Ministro da Justiça quando Getúlio se matou. Sua relação com Vargas sempre foi turbulenta, com grandes períodos de ruptura, mas foi ele quem dedicou a Vargas o último e belo discurso à beira do caixão em 1954.

Gaúcho de raízes paulistas, da família Souza Aranha de Campinas, um grande tronco onde se ligam o ex-Governador Paulo Egydio, o ex-Prefeito de São Paulo e Ministro das Relações Exteriores Olavo Setubal, Aranha nunca estudou economia, era advogado, como a maioria dos Ministros da Fazenda do Brasil republicano, ver o resumo biográfico dos 84 Ministros desde o começo da Republica até 2004, em meu livro MOEDA E PROSPERIDADE.

LUCAS LOPES

Ministro da Fazenda de JK entre 1958 e 1959, anos de crescimento do ciclo de “50 ANOS EM 5”, antes tinha sido Ministro dos Transportes desde o início do Governo Juscelino, depois entre 1956 e 1958 foi presidente do BNDE. Nas várias funções foi um dos principais responsáveis pela instalação da indústria automobilística no Brasil. Mineiro de Ouro Preto, foi um dos grandes companheiros e conselheiros de JK e operador de seu plano econômico.

Modesto, corajoso, inventivo, manejou graves crises cambiais, inflação e déficit fiscal, MAS com grande crescimento e pleno emprego. Foi um grande ministro de um grande governo.

Lucas Lopes era engenheiro civil formado pela Universidade de Minas Gerais, operava a economia como político e não como técnico.

A sua modéstia obliterou o registro histórico de sua importância para, atrás do pano, dar suporte ao brilhante Governo JK, do qual foi o cérebro econômico mesmo durante a gestão anterior de Jose Maria Alkmin. Lopes era muito próximo de Juscelino e formulador de sua política de desenvolvimento.

WALTHER MOREIRA SALLES

Um personagem raro por combinar, na mesma pessoa, o grande empresário e o homem público. Embaixador em Washington na Presidência Vargas, de 1950-1954, já assessorava informalmente Getulio. Emissário discreto junto ao mercado financeiro internacional, negociador de dívida externa, então o maior problema econômico brasileiro, Moreira Salles foi Ministro da Fazenda no Gabinete Parlamentarista do governo Jango. Sempre muito educado, vencia pelo convencimento. Manteve a economia brasileira funcionando no turbulento período entre o governo Janio Quadros e o regime militar de 1964, quando sofreu tentativa de perseguição da qual se livrou por pouco. Tinha gosto pela cultura e pela vida pública, gostava de servir ao País, um enorme contraste com a selvageria dos neoliberais ideológicos de hoje, secos, ácidos, egoístas, não solidários, desconhecedores do País e de seu povo.

Ponto alto de sua vida foi o casamento com a intelectual Elisinha Gonçalves, mulher brilhante e elegante que transmitiu aos filhos o gosto pelo humanismo e pela cultura que compartilhava e mesmo influenciava o marido.

ROBERTO CAMPOS

Não foi Ministro da Fazenda e sim do Planejamento, mas desse cargo comandou a política econômica do Governo Castelo Branco. Era ele o cabeça do plano econômico do Governo Militar, cabendo ao Ministro da Fazenda, Octavio Gouveia de Bulhões, a execução. Campos, nessa época, já era um homem do mundo, diplomata de carreira, depois de ter sido seminarista, era um pensador e não um burocrata. De sua cabeça saíram grandes ideias como o FGTS, o plano de moradia popular através do Banco Nacional de Habitação, o Estatuto da Terra, o Banco Central e grandes reformas econômicas.

Campos foi assessor econômico do Presidente Vargas (1950-1954), durante o qual foi o formulador da criação do BNDE e da PETROBRAS, tendo sido depois presidente do BNDES no Governo JK. Era um conservador esclarecido, mas sabia operar dentro da lógica de um País emergente.

Foi também Embaixador em Londres e Washington, Senador e Deputado Federal. Como diplomata participou da Conferência de Bretton Woods, onde foram criados o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, além do GATT, hoje Organização Mundial do Comércio. Tive o prazer de conhecê-lo bem na etapa final da vida, presidiu uma conferência de partidos políticos latino-americanos organizada por mim sob o patrocínio do Partido Republicano dos EUA na Confederação Nacional do Comércio em Brasília, depois disso o via todo mês em nome de uma fundação de estudos políticos dos EUA, da qual ele participava.

Não há a mais remota semelhança entre Campos e os toscos neoliberais de hoje, incultos, limitados, grotescos, insensíveis. Campos tinha a sensibilidade necessária para se preocupar com a reforma agrária e com a moradia para pobres, algo a que os neoliberais de hoje têm horror.

DELFIM NETO

Um dos grandes cérebros econômicos do Brasil republicano, teve duas fases de poder, Ministro da Fazenda entre 1967 e 1974 e Ministro do Planejamento entre 1979-1985. Delfim combina duas vertentes raras, pensador/formulador e, também, excelente executor/gestor, sua cultura econômica não tem paralelo na história recente do Brasil, uma biblioteca de economia formidável, a maior do Brasil. Com Delfim, o Brasil cresceu as maiores taxas de sua História. Podia ser ortodoxo ou heterodoxo, de acordo com as circunstâncias, seguindo a genial resposta de Keynes a Lady Astor: ” O senhor é um inconstante, muda de ideia a toda hora”, ao que Keynes respondeu: “Eu não mudo, o que muda são as circunstâncias”.

Delfim, em certo momento, tabelou o câmbio, os juros e a correção monetária, na primeira fase todos os preços da economia eram controlados pelo CIP-Conselho Interministerial de Preços, tudo heterodoxo. Mas, em outras fases, Delfim era ortodoxo, dependia do ciclo, algo que só inteligências excepcionais sabem praticar, os burros só conhecem um caminho, como os neoliberais de hoje.

Delfim começava a trabalhar as 6 horas da manhã, operava mais do Rio do que de Brasília. No Rio, o Ministério tinha ainda uma imensa estrutura, falava diariamente com os empresários nas associações de classe para tomar o pulso da economia real, da produção e dos empregos, não se fiava em indicadores como os toupeiras de hoje, às 6,15 da manhã sabia o preço do tomate no CEASA de São Paulo, um estilo que teve similaridade ao de Alan Greenspan no Fed dos EUA. Os economistas do poder de hoje só conhecem ó boletim FOCUS e nada mais.

Delfim foi um grande Ministro da Fazenda como gestor/operador e como político e partícipe fundamental dos governos que integrou. Um dos segredos de sua boa gestão era estreita ligação que tinha com os empresários da produção, então muito próximos do governo, ao contrário de hoje onde o total da economia para o Governo está no mercado financeiro, como se a economia se esgotasse no índice da Bolsa.

Na longa carreira de Delfim, servindo a vários Presidentes, ao lado do técnico havia o homem do Poder, algo que não era nada fácil durante o Governo Militar, havia inimigos por todo lado. Delfim indicava os Secretários da Fazenda dos Estados e os Secretários de Finanças das grandes cidades, era uma rede nacional interconectada, os “Delfim boys”.

MARIO HENRIQUE SIMONSEN

Grande economista, mas também homem de cultura, de livros, biógrafo de Oswaldo Aranha, criador de cursos de economia do mais alto nível na FGV, era de uma linha de pensamento econômico oposta a de Delfim. Simonsen seria um monetarista antes do monetarismo, mas também sabia operar em fórmulas de circunstância, como no episódio das “simonetas”, cupons de gasolina que não deram certo. Foi escolhido pelo Presidente Geisel para Ministro da Fazenda no período 1974-1979, Geisel não gostava de Delfim e quis um anti-Delfim no posto.

Sua gestão no Governo Geisel foi boa, o País cresceu, depois teve um curto período como Ministro de Planejamento no governo Figueiredo, com o qual não combinou.

Lembro de Mario Simonsen como um homem afável, solícito, paciente em responder a perguntas nos almoços com lideranças empresariais que fazia todo mês em São Paulo, geralmente no Nacional Club no Pacaembu, tinha uma qualidade humana, adorava whisky.  Fora da economia era um exímio enxadrista e cultor de ópera, conhecia muito do mundo operístico e também cantava, meio relaxado no vestir, não se dava importância.

xxx

Esses grandes Ministros tinham estatura, espírito público, visão de Pais, com todos esses o Brasil teve políticas econômicas de crescimento e incorporação de populações pobres ao sistema de circulação de riquezas, os filhos dos pobres das décadas de 30, 40, 50 e 60, no geral, subiram na escala socioeconômica, havia um real progresso geral no País, beneficiando a todos, pobres, classe média e ricos. Essa era a grande qualidade desses Ministros, homens do mundo, de visão social, de cultura e humanismo. O Brasil tem uma História econômica virtuosa da qual pode se orgulhar. Nossa regressão é impressionante, mas países são construções geralmente perenes, sobrevivem a cataclismas, conflitos e guerras, a História é dinâmica mesmo dentro do caos.

AMA

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

18 Comentários

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  1. Salvo engano, o Ministro da Justiça por ocasião do suicídio do Presidente Vargas era Tancredo Neves.
    Esse pequeno lapso não tira o mérito do André Araújo em mais uma bela contribuição para este blog.

  2. Delfim Neto, entre Keynes e Greenspan. “E Conheceis a a Verdade. E a Verdade Vos Libertará”. E a Verdade é Libertadora. Pobre país que não conhece nem mesmo sua história. O Professor com acesso ao telefone do Presidente Lula, durante seus mandatos. Caducos, aloprados, ignorantes ideologizados ou apenas ignorantes, mas sabem o tamanho que o ‘Conhecimento’ tem. (P.S. Parabéns, outra aula)

    1. A inflação começou no fim dos anos 40 e não impediu o crescimento do Brasil com altas taxas entre
      1950 e 1980. A inflação não é um pecado por si só e nem a estabilidade é uma virtude neutra.

  3. Sobre Delfin, Simonsen e Campos há um fato que, pra mim, joga uma mancha em seus méritos ( que tornaram o Brasil o que a China é hoje em termos de alto crescimento econômico anual ) = o período de pleno poderes desses 3 foi durante uma ditadura, o que “facilita” as coisas, pois uma coisa é um ministro da economia num governo democrático tomar uma decisão que pode acarretar uma revolta popular e aí o governo tem que negociar. Outra é um ministro tomar uma decisão econômica dura sabendo que um governo ditatorial não permitirá que a insatisfação do povo seja levada em conta, pois tudo era enquadrado como coisa de comunista, subversivo e, portanto, tratado como caso de polícia. A pergunta que nunca será respondida é de como esses 3 brilhantes nomes ( isso nem os mais ferrenhos inimigos deles podem negar ) se sairiam se tivessem atuado em um período democrático.

    1. Eles foram grandes pela capacidade e estatura DENTRO DAS CIRCUNSTANCIAS DADAS> Guedes é
      pequeno e mediocre DENTRO DAS CIRCUNSTANCIAS DE HOJE, um Ministro de Economia que diz que “o dolar está alto e vai ficar alto, é preciso voces se acostumarem” está dando a entender que o cambio está sendo manipulado, Trump usou isso para elevar as tarifas sobre o aço brasileiro.
      Se o regime é de cambio flutuante seria impossivel dizer isso, a flutuação é por natureza imprevisivel.

    1. Perto da ultra direita neoliberal de hoje Campos seria comunista. Ele era muito mais aberto, civilizado
      e conhecedor do Pais do que os “economistas de mercado” de hoje, foi autor do Estatuto da Terra, que é na essencia uma lei de reforma agraria e do programa de casas populares, que é o berço do
      Minha Casa Minha Vida da Era Lula. Não ganhou dinheiro com o governo, seu apartamento no Arpoador era o mesmo que ele tinha antes de ser Ministro, um prédio de tres andares, sem elevador.

  4. Os ministros citados estiveram no poder durante grande parte do século vinte e são taxados de brilhantes no posto.
    Pergunta: porque o Brasil está nesta MERDA se durante a maior parte do século passado tivemos ministros da economia “brilhantes”?

    1. Porque, em grande parte graças às nossas elites e ao “iluminado” D Pedro II, saímos do século XIX sendo um país lamentável até em comparação aos vizinhos latino-americanos.

    2. Esses indivíduos se destacaram em uma fase histórica distinta da atual, a época do modelo nacional-estatista, que se esgotou nos anos 80 do século passado. É apenas exercício de imaginação especular como teriam se saído se hoje fossem ministros, mas com certeza nada do que fizeram naquela época funcionaria hoje.

      Em tempo: dom Pedro II pegou um país que saía perdendo de longe de nossos vizinhos sul-americanos em quase todos os aspectos. Deixou um país que era a maior potência sul-americana, com território intacto e economia estável, enquanto nossos vizinhos se estilhaçaram em vários países governados por caudilhos com economia em frangalhos.

  5. O título correto do texto deveria ser “Os responsáveis pelo desastre econômico do Brasil”. Tudo o que o autor considera como grande feito desses ministros foram a origem de cada um dos grandes problemas econômicos do Brasil atual, como alta dívida externa, oligopólio de multinacionais, inflação alta, alta concentração de renda e por aí vai. Fico pasmo com a adoração que certos indivíduos tem pelo repugnante Delfim Neto, defensor ferrenho da Ditadura e um dos maiores contribuidores da desastre social do Brasil dos últimos 60 anos.

    1. O Brasil cresceu bem nesse periodo, foram bons ministros NAS CIRCUNSTANCIAS HISTORICAS que eles encontraram e que não poderiam mudar, sendo que Oswaldo Aranha, Lucas Lopes e Walther Moreira Salles operaam na Democracia.

    1. Celso Furtado foi um dos grandes pensadores economicos do Brasil mas sua atuação como Ministro do Planejamento do governo Jango foi curta e apagada pelas circunstancias pre-regime militar da época, foi Ministro de outubro de 62 a março de 64, com pouco poder e ambiente tumultuado.

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