Qual a medida do nosso esquerdismo? Uma discussão contraproducente, por Eduardo Borges

Muita reflexão tem sido produzida por intelectuais vinculados aos mais diversos segmentos do campo de esquerda no país. Não existe uma unanimidade em termos de caminhos a seguir no sentido de desconstruir e superar o bolsonarismo.

Qual a medida do nosso esquerdismo? Uma discussão contraproducente

por Eduardo Borges

Não é só o governo Bolsonaro e sua equipe de auxiliares trapalhões que criam polêmicas gratuitas e que nos ofertam diariamente com debates que se aproximam do escatológico. Às vezes esse tipo de atitude vem também da oposição, me refiro à oposição de esquerda, aquela responsável por pensar alternativas reais para sairmos do labirinto em que se encontra a sociedade brasileira após a vitória do capitão.

É incontestável que a eleição de um político com o perfil de Jair Bolsonaro deixou a esquerda brasileira em polvorosa. Vivenciamos uma conjuntura cujo nível de obscurantismo e retrocesso não foi previsto pelo mais pessimista esquerdista brasileiro. Portanto, desde a crise do chamado Mensalão e das diversas investigações da Operação Lava Jato, o PT de maneira específica e a esquerda de maneira geral estão sendo diariamente instados e fazer mea culpa público e, ao mesmo tempo, discutir profundamente o significado real do que é ser efetivamente de esquerda no Brasil.

Muita reflexão tem sido produzida por intelectuais vinculados aos mais diversos segmentos do campo de esquerda no país. Não existe uma unanimidade em termos de caminhos a seguir no sentido de desconstruir e superar o bolsonarismo. Entretanto, vem sendo produzido uma discreta dicotomia entre os que defendem uma radicalização que aparenta certo purismo (aqui não faço juízo de valor) e um segmento que trabalha com a ideia de certo pragmatismo que possibilite estrategicamente se construir uma frente mais ampla do escopo político, incorporando até mesmo uma centro esquerda cujo objetivo final é a construção de um ambiente político desinfetado do  bolsonarismo.

Como em se tratando da esquerda nada se resolve com facilidade, durante essa semana uma pequena “polêmica” envolvendo o historiador Jones Manoel e o site The Intercept serviu como ótimo exemplo de que a discussão em torno  da medida do esquerdismo alheio se mostra algo profundamente contraproducente no atual cenário político brasileiro.

Não farei um juízo de valor sobre o mérito da polêmica entre o professor e o site jornalístico, mas usarei alguns elementos da discussão entre eles para opinar sobre o quanto desafiante é para a esquerda brasileira pensar estrategicamente o que fazer. Não enxergo vencedores no “conflito” entre historiador e TIB, mas apenas um perdedor: a construção de um projeto progressista para o país. Antecipo que tenho críticas (ainda que isso não signifique completa discordância) aos argumentos dos dois envolvidos, mas lutarei até o fim para que eles tenham sempre o direito de apresentá-los.

O artigo do TIB, escrito por Tatiana Dias e Rafael Moro Martins, já se equivoca no próprio título: “Elogiar ditadores é a melhor maneira de a esquerda continuar perdendo”. O título é assertivo, e exclui qualquer possibilidade de relativismo, entendo isso como muito perigoso. Mas sigamos. No primeiro parágrafo, os autores fazem uma tentativa de aproximação entre a fala grotesca do ex-ministro da Cultura Roberto Alvim, que remete ao nazista Joseph Goebbels, com elogios, do que eles identificam como uma parte da esquerda brasileira, em relação a regimes totalitários identificados como de esquerda.

Isso é apenas um pretexto para incluir o professor Jones Manoel na conversa. Os autores citam uma parte de um twitte do historiador em que o mesmo se refere a possíveis mortes em um processo revolucionário como uma “contingencia que acontece”. Em seguida, e aqui o TIB comete outro equivoco, faz um silogismo simplório ao dizer que “fuzilar uma família aqui, matar outros tantos milhões de fome ali, torturar e assassinar indiscriminadamente e promover o terror entre os dissidentes. Assim mesmo. É normal, efeito colateral”. O professor não pretendeu ser tão frio e calculista e não se tem o direito de reduzir o pensamento alheio a tão infantil raciocínio.

Segue, na íntegra, o tuíte do professor Jones: “Eu defendo a ditadura revolucionária do proletariado, tal qual Marx, Engels, Lênin. Matar pessoas, em uma revolução, é uma contingência que acontece. os bolcheviques não venceram o exército branco com flores. Essa abordagem personalista de Stálin é ceder ao liberalismo”.

Em texto em que solicitou ao TIB direito de resposta, Jones Manoel se refere criticamente a essa atitude dos autores do artigo. Escreveu ele: “Destacaram o trecho de um twitte onde eu falo que numa revolução pessoas morrem, é uma contingência (um simples truísmo histórico), mas excluíram, é claro, a afirmação seguinte onde eu digo que os bolcheviques não venceram a guerra civil com flores.

Concordo e discordo do professor. Concordo de que o twitte deveria ser citado na íntegra, mas não enxergo mudança na mensagem por trás do conteúdo mesmo quando ele é mostrado na íntegra. Se houve alguma intenção espúria do TIB em omitir a segunda parte do texto, foi um ato completamente desnecessário. O que está na raiz do post de Jones Manoel é a concordância ou não de que pessoas devem morrer ou não, não importa em que circunstância. É a velha história de que os fins justificam os meios. O fato do professor Jones identificar a morte de pessoas como um “simples truísmo histórico” em nada muda o fato de que seres humanos vão morrer. Esse é o busílis da questão.   

Acredito que diante da inelutável necessidade de haver mortes no processo revolucionário, cabem algumas perguntas que parecem ser ingênuas, mas são reais: Quem tem o poder de decidir sobre quem morre ou não? Quais os critérios utilizados para essa decisão? Mulheres, crianças e idosos serão poupados? O que acontece com quem é de esquerda, mas não concorda com o uso da força, serão considerados traidores e também perecerão junto com os inimigos burgueses?

Faço questão de lembrar que eu e o professor Jones Manoel somos de esquerda, sem medição ou hierarquia. Acredito que temos como utopia a mesma sociedade igualitária. O que nos diferencia é o caminho a ser tomado e o quanto nos sentimos saciados com as pequenas conquistas vindas pelo trajeto. Contudo, diante da profunda transformação sofrida pelo capitalismo desde o século XIX até hoje, não concordo mais com o processo revolucionário sangrento. Ele não só é inumano, como contraproducente (aqui possivelmente eu serei chamado de pequeno-burguês ou liberal), pois irreal.

Em palestra pronunciada ano passado, o economista Marcio Pochmann, profundo conhecedor das entranhas do capitalismo brasileiro, apresentou dados da vida real necessários a quem se propõe a pensar o futuro da sociedade brasileira. Segundo Pochmann, o Brasil de hoje está vivendo uma transição de uma sociedade industrial para uma sociedade de serviços. Disse também que na década de oitenta tínhamos uma burguesia industrial, mas hoje a indústria brasileira representa menos de 10% do PIB. O que predomina é uma burguesia comercial e uma classe média que vem deixando de ser assalariada para transformar-se em “empreendedores” ou pessoas jurídicas, aquilo que tem sido chamado de uberização. Onde fica a unidade de luta da classe trabalhadora em um contexto como esse? Qual o papel dos sindicatos diante dessa enorme fragmentação  e individualização do mundo do trabalho. Esse é o tipo de reflexão que eu espero de pessoas inteligentes como o professor Jones Manoel.

Talvez seja o momento de aprendermos com os evangélicos, que nos últimos anos vêm fazendo uma “revolução silenciosa”, mudando e ressignificando valores e costumes e conquistando corações e mentes. Eles estão nos rincões antes ocupados pela esquerda militante. Hoje, conseguem ditar a dinâmica social e econômica ao controlar hegemonicamente determinados segmentos sociais. O homem comum, como todos somos, precisa de respostas concretas para seus problemas concretos. Se gastarmos todas as nossas energias esperando as condições subjetivas e objetivas para a instauração do processo revolucionário, ate lá, quem gera emprego, renda e bem estar social para a gente tão sofrida? O Capitalismo continua sendo, no século XXI, um moedor de pessoas. Mas se temos ao menos a possibilidade de fazer a máquina emperrar por algum tempo, e salvarmos algumas vidas, sempre valerá a pena, nunca será uma simples capitulação, pensar assim é realmente contraproducente.

O historiador Jones Manoel é filiado ao PCB e esse é o seu legítimo lugar de fala. Seus argumentos correspondem a ideias e sujeitos caros a esse lugar de fala. Ele precisa adaptar seu discurso contemporâneo a um conjunto de ideias do pensamento marxista que em determinadas circunstâncias complexas tem se tornado extemporâneo. Em entrevista ao cantor Caetano Veloso,  o professor Jones fez uma referência crítica ao livro “ A Sociedade Aberta e os seus Inimigos” do extraordinário pensador austro-britânico Karl Popper. Gostar de Popper não me faz menos esquerdista do que Jones Manoel. O livro, desdenhado por Jones, é considerado uma das obras mais influentes do século XX. Contudo, sua leitura pressupõe do leitor um espírito menos defensivo em termos de instrumental ideológico.

Não é impossível criticar algumas das ideias de Marx e do marxismo e ainda continuar sendo um indivíduo de esquerda ou um socialista. Popper era um liberal, mas antes de tudo um libertário. Em seu livro ele reconhece o projeto humanitário subjacente ao pensamento de Karl Marx. Mas entende que houve certa “traição” de Marx, ou seria dos marxistas, ao transformar o humanitarismo de suas ideias em uma doutrina dogmática. Não é preciso romper com Marx para compreender que por trás do discurso de Popper estava sua ideia de sociedade aberta em contraposição aos regimes totalitários de sua época.

O livro foi escrito entre 1938 e 1943, esse era o lugar de fala de Karl Popper, e isso tem que ser levado em conta quando fazemos o julgamento de sua obra. Concordo com Jones Manoel em sua crítica em relação à narrativa de que a democracia liberal “é linda e maravilhosa” e vieram os dois “monstros” o nazi-fascismo e o stalinismo e a “linda” democracia liberal conseguiu derrotar os dois e passamos a viver eternamente no paraíso na terra. Mas discordo quando ele deixa latente a ideia de que ao criticarmos o totalitarismo stalinista estamos indiretamente fazendo o trabalho sujo para a “linda” democracia liberal. Qual o problema em criticar os dois? Quanto a Karl Popper, mesmo não sendo a nossa democracia a democracia dos nossos sonhos, prefiro defendê-la como valor universal em contraposição a qualquer tipo de totalitarismo ou ditadura, mesmo que esta seja proposta em nome de um suposto proletariado.

Tenho em minha biblioteca uma quantidade considerável das obras de Marx e Engels, além das dos principais clássicos do marxismo. Tenho respeito pelas contribuições de todos eles ao pensamento de esquerda. De cada um deles retirei ensinamentos que me ajudaram a construir minhas atuais bases ideológicas. Mas isso não me retira o direito de criticá-los sem que com isso eu me transforme em um inocente útil nas mãos da burguesia liberal. Não tenho escrúpulo em afirmar que um certo italiano, que sofreu nas mãos do totalitário estado fascista de Mussolini, tenha feito minha cabeça mais do que qualquer outro. O fato de ser odiado por Olavo de Carvalho diz muito sobre como ele continua bastante atual.

Sem nenhuma nostalgia ou arrogância, eu sou da geração formada no contexto das Diretas-Já e do “Fora Collor”. Vivenciei de perto talvez um dos mais belos momentos da história política brasileira, as eleições de 1989. Nessa época, também cheguei a pensar como Jones Manoel. O tempo, entretanto, me fez ver que ou eu atualizava minha forma de luta, ou o futuro seria uma eterna repetição de um sempre péssimo presente. Passados trinta anos, o bolsonarismo veio mostrar que eu até fui menos realista do que o rei.

O historiador Jones Manoel talvez não mude seu pensamento nos próximos trinta anos (é um direito legítimo dele), mas é sempre necessário respeitar quem mudou. Sempre enxerguei em um setor da esquerda duas arrogâncias: o patrulhamento contra quem pensa diferente no campo da própria esquerda, e a empáfia de se sentir o dono do monopólio da honestidade, da moralidade e da verdade. Nesse caso, entendo que têm certa razão os autores do TIB quando criticam os elogios públicos de setores da esquerda ao aniversário de Vladímir Lenin, líder da Revolução Russa de 1917 que resultou na instauração de um regime fechado nesse país. Escreveu eles: “O que criticamos é a postura muitas vezes ingênua de parte da esquerda que, imersa em conceitos teóricos e na busca pela pureza ideológica, acaba escorregando nas cascas de banana que a direita joga no caminho. Essa foi uma delas.”

O argumento encontrado por Jones Manoel em resposta a essa linha de pensamento dos autores do TIB diz muito sobre o que chamei aqui de certa arrogância e patrulhamento, escreveu: “a ilusão de certos liberais de salvar-se do neofascismo entregando a cabeça dos comunistas é, dentre outras coisas, engraçada. No fim, não se preocupem, não esperamos nada diferente de vocês.” Antigamente se chamava de “pequeno-burguês” ao companheiro que “capitulava” diante da burguesia e do sistema. Hoje, pelo visto, se chama de “liberal”, algo com o mesmo teor ofensivo e excludente.

Caminhando para a conclusão, retorno ao artigo do TIB. A ideia central do texto é apresentar uma alternativa de ação, para o conjunto da esquerda brasileira, na luta contra o bolsonarismo. Aqui eles batem de frente com o setor da esquerda representado por ideias semelhantes ao do historiador Jones Manoel. Os jornalistas do TIB propõem uma frente ampla e pragmática que inclua até mesmo setores do PSDB. Contudo, escrevem eles: para isso, é preciso que exista gente disposta a abrir mão de certos valores e divergências irreconciliáveis em favor de (muitos) pontos em comum”. Interessante é que tanto o TIB como Jones Manoel têm a mesma premissa. Para ambos, não fazer o que eles propõem significa dar armas ao inimigo, no caso a extrema direita ou a direita liberal.

Cabem também algumas perguntas “ingênuas” aos jornalistas do TIB: Qual o tamanho do arco de alianças e quais os critérios de escolha? Como negociar o nível de comprometimento de cada membro da aliança com um projeto em comum? Vencido o bolsonarismo, o que fazer com tamanho pragmatismo?

O que precisa ficar claro ao leitor e à sociedade brasileira é que a esquerda não tem a resposta mais fácil para os problemas brasileiros, mas tem o pressuposto básico para iniciar o processo, sua história de luta ao lado dos menos favorecidos e dos excluídos socialmente. Sua utopia por uma sociedade mais justa e menos excludente.

Quanto às ideias do professor Jones Manoel e os artigos do TIB, são importantes para manter vivos os neurônios da esquerda brasileira. Mas não é medindo hierarquicamente nossa quantidade de esquerdismo que vamos construir uma narrativa alternativa ao bolsonarismo. A conjuntura não permite esse tipo de preciosismo intelectual. Se as ideias não se transformarem em ações imediatas, ficaremos cada vez mais longe de construirmos os pequenos benefícios que a longa caminhada pode nos proporcionar.

Eduardo Borges – Doutor em História

Redação

3 Comentários

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  1. Perfeito. Com um adendo: a esquerda, historicamente, vale-se da dialética como praxe. Faz parte da história da esquerda o debate interno, o choque de visões distintas sobre o mesmo tema, seja no terreno do concreto, da ação, seja no plano intelectual. Essa é sua grande virtude e seu maior defeito.
    Verte do inconformismo, pela necessidade de debater e de contrapor-se, indo até, no extremo, a uma certa dose de irracionalidade. Reveste-se, então, da ideologia no sentido mais puro, aquela que não observa a distinção entre o querer fazer e o poder fazer, portanto, mostra-se deslocada face à reais possibilidades práticas.
    Se, de um lado é transformadora por rebeldia e inovadora por consequência é, ao mesmo tempo conflituosa. Não somente como o seu oposto, mas, na essência da discórdia debate incessantemente consigo mesma. Frutuosa no debate, frustra-se em se por em marcha no plano das medidas efetivas, reais e concretas.
    Não nasceu à toa a frase brincalhona de que a esquerda só se une na cadeia.
    Em que pese o fato é irrefutável que à esquerda, no momento histórico presente, é apresentado o desafio de derrotar e superar um modelo opressor, injusto e exclusivo, cujos efeitos serão devastadores para o bem estar e até para a sobrevivência das gerações no porvir.

  2. Um texto muito realista e preciso na análise. Para começo de conversa, no meu ponto de vista, e respeitando todas as opiniões contrárias, a esquerda necessita trabalhar conjuntamente, da maneira mais unitária possível, e se for viável, integrando Rede, PDT e PSB, como quando elaborou e divulgou a ótima proposta de Reforma Tributária no Congresso Nacional. Em Porto Alegre, estamos vivendo uma experiência interessante: somos mais de 2 mil integrantes em um coletivo no Facebook defendendo que se unam PSOL, PT e PC do B já no primeiro turno das eleições na capital gaúcha. E mesmo que não aconteça – o que é muito mais provável -, formamos um fórum para que independentes progressistas e gente da base dos três partidos troquem ideias, concordando, discordando (às vezes passando um pouco do ponto meio na toada que o articulista explica), mas, sim, se integrando, tentando pensar planos de ação para além das frentes eleitorais. As coisas não andam fáceis. O governo tucano do Rio Grande do Sul está aprovando facilmente no parlamento gaúcho medidas contra o funcionalismo público. Entretanto, a problemática dos estados não pode ser pensada fora de um novo projeto para o país. Esta e outras questões exigem profundas reflexões, revisão de conceitos e coragem da esquerda.

  3. Todas as análises críticas contra o governo atual, todas as corretas interpretações das conjunturas política, social e econômica do país, todas as denúncias sobre a incapacidade operacional do governo para resolver os problemas do país; sobre os absurdos desmandos aprovados institucionalmente e constitucionalmente, sobre os casos de corrupção financeira e intelectual do estado brasileiro, todas as análises e projeções de possíveis estratégias a serem adotadas pela oposição, desenvolvidas aqui no GGN e em outros veículos de pensamento e crítica livres (sejam midiáticos, partidários, não institucionais, etc) tem como resposta do governo e do poder instituídos no país, um sonoro e debochado riso de escárnio. Eles (os que estão no poder) tem a clara consciência de que contam com o apoio da maior parte da população (não se enganem, eles tem sim esse apoio), seja pelo fato de parte desta população reconhecer neles a figuração ideológica de seus desejos, aspirações e preconceitos, como é o caso da elite sócio-econômica e da classe média do país; seja pela apatia, indiferença, alienação e analfabetismo político (que simplesmente deixam as “coisas” correrem), como é o caso da grande camada de pobres da população brasileira que votou neste presidente sem sequer saber o significado da legenda pela qual ele se elegeu, ou porque sendo grande parcela dela constituída de evangélicos, seguiram as instruções de muitos pastores que orientaram seus adeptos a não votarem no PT porque o mesmo instalaria o comunismo no país, mesmo a maioria desses adeptos não sabendo a diferença entre capitalismo e socialismo ou entre direita e esquerda políticas (o que é muito mais preocupante e perigoso do que o voto consciente de uma classe média reacionária). Eles, os donos do poder, também tem clara consciência da desunião, histórica, da esquerda no brasil e da sua incapacidade de formar uma verdadeira e ampla frente nacional de oposição contra tudo o que aí está, e mais, mesmo contra os seus próprios interesses partidários eleitorais e as suas absolutas convicções doutrinais (fontes perenes de separatismo inter e intrapartidário), exemplo maior é a incapacidade que toda a esquerda institucionalizada teve de se identificar, se aproximar e mobilizar a população pobre deste país, mesmo contando para isso com os anos de governo PT e com todo um clima favorável para tanto).
    Toda essa atividade crítica de oposição ao governo, existente hoje no país, na verdade parece uma segura conversa de compadres, de senhores sabedores da realidade: a de que críticas e análises e interpretações intelectuais não vão mudar o andamento das coisas (este governo é imune a críticas porque ele rejeita a inteligência ou a razoabilidade; porque a elite e a classe média que o sustentam não se alimentam de idéias, mas de ódio; porque os pobres que o apoiam, simplesmente o apoiam), mas garantem o mínimo de satisfação intelectual, o mínimo de postura digna, o mínimo de coerência, o mínimo (o que nos resta). Assim o que temos são ilhas de pensamento e um pequeno arquipélago de oposição, mas não um continente de ação. Porque quando se trata de uma mudança real e considerável, o que se exige (e já não minimamente, mas mormente) é povo, é população pobre, é massa, no entanto, nós temos isso? Eu sou jovem e da altura dos meus 34 anos a única vez em que eu vi uma massa, um povo, mobilizados politicamente (na realidade eleitoralmente) foi na eleição do 1º mandato do LULA, e ainda assim mobilizados a partir de um tipo de esperança salvífica não muito diferente da que elegeu o atual presidente. Talvez por isso o povo pobre, a massa miserável, não figurem nas análises e projeções intelectuais de ações de mudança, mas também talvez por isso tais análises e projeções se mantenham sempre no nível do discurso e da guerra de valores (ainda quando do que se trata é da sobrevivência material de um povo).

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