Resultados das Eleições de 2018: antipetismo ou antissistema?, por Pedro Cavalcante

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Resultados das Eleições de 2018: antipetismo ou antissistema?

por Pedro Cavalcante

Passadas duas semanas das eleições, naturalmente, existem mais dúvidas que certezas quanto aos resultados. Não obstante, apesar das dificuldades de compreensão de um processo complexo e multicausal como esse, que normalmente leva algum tempo para se construir um certo entendimento, muitos analistas depositam no sentimento de antipetismo a variável determinante das eleições de 2018.

Havia uma expectativa de que as eleições 2018 fossem as mais parecidas com a de 1989. No entanto, é possível afirmar que a deste ano foi a mais particular da Nova República, tanto devido aos eventos e processos que ocorreram antes (e.g. prisão e, consequente, impedimento da candidatura do favorito nas pesquisas) e durante a campanha (e.g. atentado a um presidenciável), quanto pelos resultados imprevisíveis. Em relação à primeira eleição presidencial após a ditadura militar, as semelhanças prévias são muitas: i) conjuntura de crise econômica; ii) grande quantitativo de candidatos à presidência; iii) baixa popularidade do governo vigente e de seu candidato oficial; iv) alto grau de polarização ideológica no segundo turno e; v) vitória do representante de um partido até então pequeno (Partido Social Liberal – PSL), como o Partido da Renovação Nacional (PRN) de Collor em 89.

Todavia, também existem diferenças relevantes. primeira envolve a importância dos debates durante as eleições. Enquanto em 1989, memoráveis embates ideológicos e programáticos marcaram ambos os turnos. Em 2018, eles foram superficiais e, até mesmo ausentes na reta final da campanha, seja por limitações de saúde do candidato vencedor ou por sua estratégia deliberada de não participar, como o próprio afirmou no fim do processo eleitoral. Além disso, a ênfase e importância do corpo a corpo com o eleitorado, comícios, jingles e das campanhas no rádio e na TV parecem ter sido substituídas pela intensificação do uso de redes sociais. Como consequência negativa, destaque para a proliferação desenfreada de fakenews sobre candidatos e partidos que apesar de esperadas não receberam um enfrentamento efetivo e célere da justiça eleitoral.

Quanto aos resultados, apesar de ter ocorrido no segundo turno desta a polarização ideológica entre os candidatos, como entre Lula e Collor na década de 80, cabe levar em conta a diferença entre os dois momentos eleitorais. A principal diferença reside no fato de que, na última disputa do segundo turno, o Partido dos Trabalhadores deixou de ser uma novidade do sistema político-partidário. Nesse contexto, a derrota de Fernando Haddad tem sido, por muitos analistas, atrelada predominantemente, a um comportamento de rejeição ao PT generalizado na maioria da população.

Indubitavelmente, os desgastes da crise econômica, iniciada ainda no segundo mandato do governo Dilma, das denúncias de corrupção, em especial provenientes da Operação Lava Jato e, da prisão de sua principal liderança são fatores que pesaram negativamente na campanha do Partido dos Trabalhadores.

Além de ter alcançado a menor votação inicial de primeiro turno desde 1994, no segundo, o PT obteve um desempenho bem abaixo da eleição anterior, com uma perda de 7,5 milhões de votos no total do eleitorado, vencendo em apenas dez estados (nove deles na região Nordeste, em comparação aos quatorze de 2014). O partido sofreu baixas significativas em grandes colégios eleitorais, como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Esse último, por exemplo, a configuração do voto contrário ao PT mudou radicalmente, que desde 1998 dava maioria à legenda, mas desta vez, Haddad conseguiu apenas pouco mais de 30%. Como agravante, as regiões que já vinham se inclinando ao antipetismo nas eleições passadas, como o Sul, Centro-Oeste e Norte, os percentuais de votos para Bolsonaro superaram bastante as médias de votações aos candidatos tucanos, adversários de Lula e Dilma nos pleitos anteriores.

No entanto, outros aspectos precisam ser também ponderados. Primeiro, quando comparado às principais legendas do país, o PT obteve uma performance superior, na medida em que elegeu a maior bancada na Câmara dos Deputados, o maior número de governadores e seu candidato chegou ao segundo turno das eleições presidenciais. Nesse último caso, chama atenção ainda o fato de Haddad ter conquistado 16% do eleitorado (29% para 45%) no segundo turno, enquanto o crescimento de Bolsonaro, embora suficiente para a vitória, foi menor (9%).

Aliado a isso, no primeiro turno, outros candidatos com expressão nacional ou de partidos tradicionais, como Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva (Rede) e Henrique Meirelles (MDB), tiveram resultados pífios. O somatório de votos válidos desses três não superou 7% do eleitorado nacional. No caso de Marina e do candidato tucano, os votos foram bem abaixo de suas votações em eleições anteriores.

Outro indicativo que os resultados podem ter sido afetados mais por um sentimento ou comportamento antissistema ou contra establishment advém das eleições para o Senado Federal, tradicionalmente, uma Casa com baixa rotatividade. Nesse ano, muitos caciques de diversos partidos grandes perderam para políticos com pouca expressão nacional e que nunca foram senadores. Isso culminou em aproximadamente 85% de renovação na Câmara Alta, um recorde histórico do país.

Por fim, as eleições para governadores dos estados também contribuem para colocar em cheque o determinismo do antipetismo como variável explicativa principal desse pleito. Embora tenha ocorrido em diversas eleições, os casos do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Distrito Federal são emblemáticos. Nessas unidades da federação, de um lado, velhos conhecidos da política brasileira, com ficha limpa, experiência administrativa, mas que não possuem associação com o PT (Eduardo Paes, Antônio Anastasia e Rodrigo Rollemberg). De outro, candidatos de primeira eleição e com discurso de serem ‘outsiders’, ou seja, de fora da política. Os resultados foram bem surpreendentes, com a vitória desses últimos com larga vantagem, inclusive maiores que no âmbito presidencial.

Em suma, a significativa perda de votos e, principalmente, a derrota de Haddad para um candidato extremista e com alta taxa de rejeição são claras evidências do aumento do sentimento de rejeição ao Partido dos Trabalhadores. Todavia, ao analisar o desempenho da legenda em relação as demais, a transformação na composição no Senado e as diversas eleições de governadores sem a presença do PT, o argumento mais plausível é que o antipetismo é um fator importante mas que, numa perspectiva macro, é parte integrante de um comportamento eleitoral generalizado de voto antissistema, contra o establishment. Esse fenômeno segue a guinada conservadora, como em muitos países do mundo e que, no Brasil, vem sendo liderada por setores ruralistas, evangélicos, de segurança pública e dos extratos mais ricos da sociedade.

Nos próximos quatro anos, o desafio dos derrotados é sanar as feridas e retomar a confiança perdida do eleitorado. Do lado dos vitoriosos, a questão que se coloca agora é se esses ‘outsiders’, competentes em identificar esse fenômeno e estrategicamente se posicionar alinhados com essa mensagem das urnas, entregarão a ‘Nova Política’ prometida. Isto é, serão capazes de “mudar tudo que está aí” – nas práticas, negociações para a governabilidade e projetos de melhorias da gestão pública, de forma independente das pressões naturais do Legislativo e de grupos de pressão e interesses da sociedade. Façam suas apostas!

Pedro Cavalcante – Doutor em Ciência Política – Universidade de Brasília. Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do MPOG. Atualmente atua como pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Depende da mídia oligopolista

    ” Nos próximos quatro anos, o desafio dos derrotados é sanar as feridas e retomar a confiança perdida do eleitorado. Do lado dos vitoriosos, a questão que se coloca agora é se esses ‘outsiders’, competentes em identificar esse fenômeno e estrategicamente se posicionar alinhados com essa mensagem das urnas, entregarão a ‘Nova Política’ prometida. Isto é, serão capazes de “mudar tudo que está aí” – nas práticas, negociações para a governabilidade e projetos de melhorias da gestão pública, de forma independente das pressões naturais do Legislativo e de grupos de pressão e interesses da sociedade. Façam suas apostas ! “

    Na minha opinião, a forma como os vários setores da população vão perceber o que estará acontecendo, e se posicionar frente às demandas descritas no parágrafo que destaquei acima, dependerá fundamentalmente da mídia oligopolista.

    Num país em que a ignorância política é tão grande, em todas as classes sociais e faixas de renda, a forma como as pessoas percebem a “realidade” é totalmente atrelada ao que é veiculado de forma oligopolista pela mídia.

  2. Pra mim, muita gente etá

    Pra mim, muita gente etá caindo numa armadilha. O nucleo duro do antipetismo é composto por aqueles que sempre odiaram a esquerda, estão fazendo acerto de contas com a guerra fria até hoje, são saudosos da ditadura mlitar, etc. É o que eu chamo de “a fascistada”. Esses passaram a odiar mais ainda depois de quatro derrotas seguidas.

     A outra parte – que alguns chamam de antissistema – é composta por aqueles aderentes a uma pauta moralista de costumes e do combate à corrupção, pois os serviços não chegam “por causa do roubo”, e a ordem está esgarçando porque os jovens não seguem “os valores da familia” . Estes, que eu chamo de ” a trouxinhada”, foram levados a crer que “o sistema” é o PT, PT, PT e o pessoal dos Direitos Humanos, o que, no final das contas, é antipetismo também, ou, a outra face dele, já que em nada conflita com o ideario fascista, é somente sua expressão mais nova, a atualização do fantasma do “comunista comedor de criancinha”. Um pessoal guarda ressentimentos da metade do seculo XX, outro do começo do século XXI. Porém, a maior parte enguliu o pacote completinho. Se foi da cabeça pro rabo ou do rabo pra cabeça, pouco importa.

    A armadilha, quem mostra com precisão é o Jessé de Souza: foi aceitar a pauta moralista da farsa do mensalão e da lava jato sem denunciar seu uso, sua instrumentalização politica desde o inicio. Lembremos: o José Dirceu se dispos a “discutir o mérito” das acusações sobre ele e sobre o PT, PT, PT no Plenario da Camara e nos Tribunais; e a Dilma e todas as lideranças da esquerda deram toda força para a Lava jato, “pra não deixar pedra sobre pedra”.

    …Depois não dá mais pra reclamar da parcialidade do STF e do Sergio Moro: precluiu; já era; “demorô”!

    Agora é cuidar de sobreviver, e voltar a amassar o barro para recuperar pelo menos os oito milhões de votos perdidos.

  3. dois (2)

    Nessa eleição havia dois partidos:

    PT (Lula, Brasil, brasileiros, etc)

    Ódio ao PT (Também conhecido como Relincha Brasil*  globo, desnacionalização, danem-se os pobres, mercado, ricos sem pátria, etc) 

    *(C° Bepe Damasco)

  4. Nem uma coisa e nem outra

    Como resultado das eleições de 2018 tivemos a eleição gloriosa da mentira.

    A mentira triunfou e os governados terão que conviver com ela.

    Vai dar tudo certo. Ela anda bem vestida e tem argumentos fascinantes.

     

     

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador