Seriam as manifestações um retrato de maior pluralismo democrático?

Por Vitor Marchetti*, cientista político – UFABC
 
De O Sabiá
 
 
A política brasileira está há décadas organizada em torno de duas agendas relativamente hegemônicas. Nos últimos anos, porém, essa hegemonia enfraqueceu, quase desapareceu. Isso ocorreu muito em consequência dos relativos sucessos dos governos democráticos no enfrentamento delas. Na redemocratização era tão urgente combater a inflação quanto enfrentar as desigualdades sociais e regionais. Antes mesmo da primeira eleição direta para presidente da república, essas agendas já estavam colocadas – ainda que a primeira tenha ocupado mais espaço do que a segunda, pois havia uma forte percepção de que seria possível avançar sobre uma apenas depois de se ter avançado sobre a primeira.

A primeira competição eleitoral do período democrático foi norteada exatamente por essa lógica. Em 1989 Collor e Lula travaram debates seguindo a trilha da estabilidade econômica e da redução da desigualdade. Collor venceu a disputa, mas não prosperou com seu modelo. Após o impeachment e a retomada da estabilidade institucional, deu-se início ao primeiro plano bem sucedido para enfrentar a primeira questão. O Plano Real e o controle inflacionário deram à FHC e ao PSDB oito anos de governo e a consolidação do partido como grande força política. Enquanto o tripé econômico era colocado em pé, Lula e o PT seguiam firmes na oposição, mantendo viva a agenda social.

Numa espécie de pacto nacional tácito, em 2002 veio o sinal de que era hora de se começar a enfrentar a parte ainda frágil de nossa agenda hegemônica. O grande desgaste de FHC e a vitória de Lula eram a senha para o início de uma série de políticas sociais que reduziriam em uma velocidade inédita os índices de desigualdade no Brasil. O pacto tácito, porém, exigia que as políticas se conciliassem. Ainda que o sistema partidário tivesse construído suas diferenças inspirado nessa agenda, ela não comportava antagonismos. E Lula orquestrou o avanço das políticas sociais com a manutenção do tripé econômico.

O relativo sucesso dos 16 anos de FHC e Lula produziram uma das democracias mais estáveis e robustas do mundo, principalmente se olharmos apenas para as que foram estabelecidas após os regimes militares ou após a dissolução da União Soviética. Definitivamente tínhamos enfrentado os temas que nos organizava politicamente desde pelo menos os anos 80 do séc XX. Ainda que haja muito a fazer, acabamos por enfraquecer sua força hegemônica e norteadora. Já não basta ao sistema partidário se organizar mirando nela. É preciso inserir novos temas e problemas. Já percorremos um bom caminho, mas precisamos sinalizar para novas possibilidades.

O grande marco desse esgotamento talvez sejam as manifestações juninas de 2013. O que houve ali foi uma explosão de temas e organizações ávidos por acessar a arena decisória do país. Mais do que desnudar nossas fragilidades institucionais, essas manifestações podem ter marcado apenas nossa consolidação democrática. Agendas hegemônicas combinam mais com situações de crises políticas e econômicas do que com a normalidade do jogo, quando impera a heterogeneidade e preferências. Democracias operam por pluralismo e dissensos na formação das agendas dos governos.

Se há sentido no argumento até aqui, a vitória de Dilma em 2010 se deu em uma situação atípica e inusitada do ponto de vista institucional. Ou seja, num cenário em que o debate político não está dominado por demandas homogêneas estando, portanto, muito mais aberta à disputa política. Em cenários assim, a maneira como se constrói a agenda e se caminha para o atendimento de novas demandas, depende cada vez mais da capacidade de articulação dos atores e de suas organizações.

E Dilma seguiu por essa linha nos primeiros anos. Entre outras coisas, foi arrojada na esfera econômica forçando a derrubada dos juros, e assertiva na esfera política afastando membros do governo ao primeiro sinal de envolvimento com corrupção. Claro que seus altos índices de aprovação estavam contaminados com a altíssima aprovação do antecessor, mas havia ali uma aprovação que apostava em sua capacidade de liderar esse novo momento da democracia brasileira.

Nem é preciso gastar muito tempo argumentando sobre sua inépcia para a gestão do pluralismo democrático e as razões para que tenha perdido capital político. É preciso, porém, registrar que tampouco o PSDB, como principal partido de oposição, foi capaz de canalizar e organizar as múltiplas demandas que se formaram no debate público brasileiro. Tanto que saiu derrotado em 2014 numa eleição que tinha um cenário bastante favorável para vencer.

O único tema que parece mais transversal é o da corrupção. Sua volatilidade e complexidade, porém, tornam o tema pouco capaz de organizar uma agenda robusta de políticas públicas. Até porque, muita coisa já saiu do papel, mas ainda resta a sensação de que o problema é infinito e profundo.

Por fim, as diversas manifestações desses primeiros meses do ano podem ser lidas como mais um capítulo da pujança do pluralismo democrático se consolidando no país. O desafio é que os atores e organizações políticas partidárias tenham capacidade de se movimentar em sua direção com a velocidade necessária para lhe imprimir alguma racionalidade. Expurgando, inclusive, as demandas que não combinam com a prática democrática.

*Vitor Marchetti é doutor em Ciência Política e professor da UFABC. Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Estado e Governo, atuando principalmente nos seguintes temas: controle constitucional, poder judiciário, instituições democráticas e governança eleitoral.

Redação

4 Comentários

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  1. Nassif, o Brasil está

    Nassif, o Brasil está entregue à máfia midiática, só não vê quem não quer, vou desenhar com a própria mídia que já está desenhado, só não enxerga, cego:

    BRASIL – o globo antes da fsp – 15:00 horas

    Governo confia no ‘bom senso’ do Senado para aprovar Fachin

    Segundo Edinho Silva, da Secretaria de Comunicação Social, Dilma vai analisar ‘com sensibilidade’ a regulamentação da PEC das Domésticas

    MEU COMENTÁRIO: é uma nítida chamada para especulação negativa, o governo não precisa confiar no “bom senso” do senado, foi eleito prá isto, mesmo que a indicação constitucional de Ministro STF é prerrogativa do(a) presidente. Título com finalidade de pressionar os senadores, tanto que é tabelinha, veja o título abaixo da folha de são Paulo.

    Dilma chama Renan para tentar evitar derrota de Fachin no Senado – Folha de São Paulo – as 16:00 horas – Presidente quer tratar pessoalmente com senador, em viagem a SC, do apoio à aprovação do advogado, que será sabatinado nesta terça para vaga no Supremo

    COMENTÁRIO MEU: Fechou o círcculo da pressão. Com a Folha de São Paulo. O Brasil está literalmente nas mãos da máfia midiática.

  2. A direita no Brasil não é

    A direita no Brasil não é como as direitas Americanas e Européias!

    A Direita no Brasil beira a demência!

    Eles passam por cima do senso comum!

    São capazes, como fizeram os ditadores militares de chamar uma potência estrangeira para bombardear o Brasil em caso de resistência!

    Militares que “oferecem” o páis a QUALQUER POTÊNCIA ESTRANGEIRA PARA FAZER ISSO DEVERIA SER FUZILADO!

  3. Discordando um pouco
    Sr. Marchetti, não me parece pluralismo democrático nas manifestações, acredito mais num retrocesso da direita que, até então, estava satisfeita com o rumo dos governos Petistas. Pode-se creditar essa mudança de comportamento a duas coisas ocorreram em Março e Abril de 2013 que deu início à forte oposição ao governo. Primeiro – foi aprovada a PEC das Domésticas. Essa legislação mostrou às classes sociais mais abastadas que elas iriam perder e/ou encarecer a presença da doméstica por horas a fio à disposição dessas famílias. Esse fato fez com que os serviços passassem a ser realizados pelas pessoas da casa, tais como, patroa, filhas, sobrinhas, noras, enteadas e outras. A auternativa passou a ser contratar diaristas que executam trabalhos determinados, específicos mas não ficam à disposição dos “sinhinhos”, além de terem horário rígido  e improrrogáveis. Acabou, portanto, o plantão.Segundo – teve início a elevação da Taxa CELIC. Esse fato deu início ao encarecimento dos juros nos cheques especial, cartões de crédito, crediários e etc.. Mas os bancos se negaram a aumentar, na mesma proporção, os juros nos produtos por eles negociados. Ficou evidente a perda de ganhos da classe média. A partir desses dois fatos ficou fácil para a direita convocar as manifestações com discursos oposicionistas e apoio da mídia PIG. As notícias sobre corrupção e acusações a pessoas ligadas ao governo só ajudaram a aumentar o número de manifestantes, principalmente os das classes mais abastadas.

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