Jorge Alexandre Neves
Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.
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Sinuca de bico, por Jorge Alexandre Neves

Como me disse um sábio amigo, recentemente, “o hiper neoliberalismo é incompatível com a democracia”. As elites brasileiras estão descobrindo isso mais rápido do que imaginei.

Sinuca de bico

por Jorge Alexandre Neves

Há exatos dois anos atrás, publiquei um artigo em um jornal de BH, no qual eu previa que o estamento militar iria querer participar do banquete do dinheiro público no qual se tem empanturrado o estamento jurídico. Dito e feito!

O problema é que a forma encontrada pelo estamento militar para conseguir seu objetivo foi de altíssimo risco e está fazendo água. O alto estamento militar viu no apoio à candidatura de Jair Bolsonaro, e na sua eventual vitória, a única saída para conseguir participar do banquete. Era uma saída dura e radical, mas talvez realmente a única possível, dado que, como afirmou em março último o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o estamento militar chegou “no finalzinho da festa”. O alto estamento militar embarcou, assim, na candidatura presidencial de um parlamentar que sempre desprezou. 

Começo a coluna com essa questão do estamento militar, pois ela faz parte da “sinuca de bico” na qual as elites nacionais (em sentido lato, ou seja: política, econômica e o estamento burocrático e profissional, em particular os ministros do STF) se meteram. Os 300 mil homens armados do general Villas Boas representam uma forma extremamente truculenta de chantagem dos que buscam ser novos comensais privilegiados do banquete, algo com o qual as elites brasileiras tinham se desacostumado a lidar.

Pela profusão de artigos e editoriais nos principais jornais brasileiros – além de entrevistas para canais de televisão – que podemos ver na última semana, fica evidente o desespero das elites nacionais, em particular a plutocrática, com o inevitável fracasso econômico e político do governo Bolsonaro. De Miriam Leitão e Merval Pereira a Fábio Giambiagi e Samuel Pessoa, as últimas mensagens foram claras: deu ruim! Talvez a mais simbólica – possivelmente por ter sido a mais melancólica – foi a longa entrevista que Armínio Fraga deu ao programa Central Globo News. A sua decepção com os resultados da política econômica de seu ex-professor Paulo Guedes e com o governo Bolsonaro em geral transmitia um desânimo que chegava a ser comovente. Deu pena. O tamanho do nosso problema se revelou quando os entrevistadores pediram para que aquele que é visto como um dos mais sábios e competentes economistas neoliberais brasileiros propusesse, então, soluções para nos tirar do brejo no qual afundamos. Diante de tal desafio, o oráculo só conseguiu aprofundar a melancolia absoluta da sua fala ao se manter no mesmo lengalenga que havia acabado de criticar: “precisamos dar continuidade às reformas”. Que pobreza analítica! Que incapacidade de pensar de forma minimamente autônoma e inovadora! Cruz credo!

Como me disse um sábio amigo, recentemente, “o hiper neoliberalismo é incompatível com a democracia”. As elites brasileiras estão descobrindo isso mais rápido do que imaginei. O problema é: que escolha farão? O hiper neoliberalismo ou a democracia? Por vaidosos que são, querem desfilar nos salões do mundo civilizado como uma elite de um país democrático e moderno, mas não querem pagar o preço. Se escolherem o hiper neoliberalismo, terão em Jair Bolsonaro e, muito provavelmente, nos 300 mil homens armados do general Villas, instrumentos para a construção de um Estado autoritário capaz de impô-lo à população em crescente pauperização (sem falar na turma do Estado policial, que embarcaria alegremente em uma aventura autoritária violenta, como o fizeram após o AI-5). Se escolherem a democracia, terão que gastar muita energia numa engenharia política de extraordinária envergadura para sair da “sinuca de bico” na qual se colocaram.

Será preciso mudar significativamente a política econômica e, ao mesmo tempo, refazer um pacto sócio-político no Brasil que, de forma alguma, poderá ser construído com o ex-presidente Lula na cadeia. A sua manutenção nas masmorras de Curitiba representa, hoje, o maior símbolo da destruição do Estado Democrático de Direito no Brasil. Não dá para se tentar reestruturar a democracia e construir uma nova concertação sem a superação dessa escandalosa injustiça.

Um novo pacto exigirá repartir o que sobrou do “banquete dos chantagistas” com o estamento militar (1). O problema é que, nesse cenário de fim de festa, teremos aqui um jogo de soma zero. E uma grande dificuldade é que a gulodice do estamento jurídico torna tudo mais difícil (2). Quais as figuras políticas brasileiras hoje terão liderança e grandeza suficientes para fazer esse novo pacto tão complexo e salvar a democracia brasileira?

  1. Hoje, para mim, está mais do que claro que os governos petistas teriam feito muito melhor se tivessem elevado os soldos do estamento militar para níveis semelhantes àqueles do MP e do Judiciário, ao invés de gastar muitos bilhões com equipamentos e armamentos para as forças armadas. Nossos oficiais não querem modernidade tecnológica e capacidade operacional, querem mesmo é privilégios estamentais.
  2. Realmente, o apetite pantagruélico desse povo não tem limite (ver: https://blogs.ne10.uol.com.br/jamildo/2019/09/13/cnj-cria-auxilio-saude-para-juizes-e-servidores-do-judiciario-valor-pode-chegar-ate-3-mil-reais/). O áudio vazado recentemente de um promotor do MP-MG dispensa maiores divagações sobre o assunto.
Jorge Alexandre Barbosa Neves
Ph.D, University of Wisconsin – Madison, 1997
Pesquisador PQ do CNPq
Pesquisador Visitante
University of Texas – Austin
Professor Titular do Departamento de
Sociologia – UFMG

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

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Jorge Alexandre Neves

Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.

2 Comentários

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  1. O hiperliberalismo não é apenas incompatível com a democracia (mínima que seja). É incompatível também com o próprio desenvolvimento… nos marcos do capitalismo

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