Tragédias como da Germanwings poderiam ser evitadas, por Anna Silvia de Rosal e Rosal

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Tragédias como da Germanwings poderiam ser evitadas

Por Anna Silvia de Rosal e Rosal*

Avaliação inadequada do estado emocional de um profissional põe em risco pessoas, organizações e comunidades, como ocorreu na tragédia da Germanwings e as corporações negligenciam ou desconhecem que o psicólogo clínico ou o psiquiatra possuem o ferramental para diminuir a chance de uma pessoa com dificuldades emocionais possam assumir responsabilidades tão sérias como a de conduzir uma aeronave de passageiros.

A constatação que o copiloto da Germanwings derrubou propositalmente o avião que se deslocava da Espanha para a Alemanha levantou um debate em torno da avaliação e acompanhamento psicológico de pilotos, entre outros profissionais que têm sob sua responsabilidade a vida de muitas pessoas. Alguns pilotos comentaram em canais de televisão que os exames periódicos, na maioria das empresas aéreas, restringem-se a perguntas protocolares. Desta forma, somente se o profissional examinado relatar espontaneamente alguma dificuldade de ordem psicoemocional é que o médico terá conhecimento de eventual quadro psíquico e da necessidade de dispensar atenção especializada.

Gostaria de questionar a avaliação de saúde que compõe a última fase dos processos seletivos e os exames realizados ao longo da permanência das pessoas nas empresas, chamados de exames periódicos. Por que, para a maioria dos cargos, a avaliação de saúde restringe-se aos aspectos físicos e exclui a avaliação psicológica? Seria o exame admissional tão rigoroso que cria a falsa sensação de segurança levando as empresas a adotarem exames periódicos brandos? Ou seria o desconhecimento do campo psicológico, da dinâmica psíquica, que provoca um comportamento negligente? Por que não é delegado ao psicólogo clínico ou ao psiquiatra tal avaliação?

Acredito que a resposta a estas questões passa pelo conjunto conceitual que orienta os dirigentes de empresas. O universo corporativo valoriza fortemente métodos e indicadores numéricos. Seus atores acreditam piamente que somente tais ferramentas diminuem significativamente a possibilidade de cometerem erros na adoção de estratégias e, portanto, asseguram a redução de eventuais perdas financeiras.

Consequentemente, ferramentas baseadas em aspectos subjetivos ou métodos qualitativos não inspiram confiança, pois são desacreditados nesse ambiente. De fato, as análises numéricas e indicadores de desempenho são ferramentas de extrema importância para o sucesso das empresas. Contudo, são insuficientes para favorecer a tomada de decisão quando a questão em análise é o comportamento humano, em especial as relacionadas as psicopatologias. A ênfase dada aos processos de gestão não se repete na esfera do comportamento humano, apesar de muitos gestores verbalizarem repetidamente que “as empresas são feitas de pessoas”. As práticas de gestão são formatadas para gerir processos e não pessoas, pelo menos não em sua essência.

É predominante o número de gestores que buscam eliminar qualquer traço de subjetividade na tomada de decisão, embora não seja possível. Essa ideia reforça a crença de que a expressão de aspectos pessoais favorece erros. Podemos compreender tal raciocínio uma vez que boa parte da população não conhece a si próprio, desconhece os motivos que determinam o comportamento humano. Uma vez desconhecida, a subjetividade é associada a fraqueza humana, a parte não controlada, ameaçadora.

É importante lembrar que do ponto de vista legal, no Brasil, a contratação de empregados para qualquer cargo, requer avaliação médica. Por que não incluir a avaliação psicológica na seleção de pessoal e também nos exames periódicos? A falta de tal procedimento confirma a ideia corrente nas empresas de que assegurar a existência de questões objetivas é suficiente para conhecer um profissional, uma pessoa. E a saúde psíquica não interferiria em seu desempenho? O copiloto alemão nos mostrou que, no limite, pode causar uma tragédia.

A área de Recursos Humanos

Reflexos da visão corrente no contexto corporativo pode ser observado na composição das equipes de recursos humanos por meio da escassa presença de psicólogo clínico e, consequentemente, de avaliações psíquicas. Aliás, nas últimas décadas, a ideia do psicólogo com formação clínica dentro das empresas soa quase como uma aberração no contexto corporativo, pois a atuação deste profissional é associada exclusivamente a psicoterapia. Logo, ter um clínico na equipe está associada a ideia equivocada que prevalece no senso comum: psicólogo cuida de problemas pessoais e a empresa não é lugar apropriado para isso. Desta forma, as práticas de seleção de pessoas limitam-se ao “casamento” do perfil profissional com as competências exigidas para o cargo. Entendo que esse tipo de seleção não contempla a dinâmica psíquica dos candidatos e, portanto, reduz a assertividade na fase de seleção.

A formação e a atuação do psicólogo clínico

Diferente das demais áreas da Psicologia, a formação clínica centra-se em disciplinas que tratam a construção da personalidade, as interações do eu com o outro, as psicopatologias, além de apresentar referencial teórico e de técnicas psicoterapêuticas. É a área que volta-se para a subjetividade do indivíduo, suas formas de expressão e interação com o meio. Dentre as possibilidades de formação clínica, algumas escolas são mais conhecidas para o público leigo, como a psicanálise, a teoria sistêmica, o psicodrama e a gestalt. Estas formações não capacitam o psicólogo somente para atuar em consultório. Estes profissionais podem trabalhar em diversas instituições com o propósito de efetuar avaliações psicológicas por meio do psicodiagnóstico, técnica que envolve entrevista e aplicação de testes, o que falta as empresas. Tal conhecimento, permite fazer prognósticos que contribuirão fortemente para diminuir tragédias, como a do avião da Germanwings. Podem, ainda, ajudar a direcionar o profissional ao cargo mais adequado as suas potencialidades e limitações ajudando as empresas a reduzirem seus gastos com demissões, rotatividade e absenteísmo.

Destaco que a entrevista, realizada por um profissional bem qualificado, é importante e indispensável ferramenta no processo psicodiagnóstico, em especial quando a escuta transcende o discurso emergente e se detém aos conteúdos latentes, aqueles que revelam os desejos inconscientes do indivíduo.

A necessidade de conhecer o comportamento humano e dispensar atenção adequada é tão importante e necessário para a empresa quando uma excelente análise de dados numéricos. A presença do psicólogo clínico no ambiente organizacional é relevante na medida que complementa o caráter heterogêneo da equipe de recursos humanos favorecendo, efetivamente, o aumento da assertividade na gestão do comportamento humano. Vale lembrar que as empresas respondem pelo comportamento de seus profissionais.

*Anna Silvia Rosal de Rosal é Psicóloga, mestre em Psicologia Clínica, psicoterapeuta psicanalítica, palestrante, professora dos cursos da Biblioteconomia e Administração da FESPSP. Tem experiência nas áreas clínica, organizacional e em Psicologia Intercultural. Pesquisa os temas: expatriação, equipes multiculturais, mobilidade global, cultura organizacional, carreira, relação homem /trabalho e gênero.  Pioneira no atendimento a grupo de candidatos a cargos públicos jurídicos no Brasil.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

6 Comentários

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  1. entrevista necessária

    O que aconteceu com a pessoa ou conjunto de pessoas que encaminhou o piloto para tratamento, interrompendo por vários meses o seu curso de formação nos EUA? Foram defenestradas? Por quê a grande mídia não produz uma entrevista com ele(s)? Aliás, nenhuma mídia sequer cogitou esta necessidade, nem mesmo a de saber o(s) seu(s) nome(s). Para mim, tal pessoa (ou conjunto delas) detectou em tempo que o jovem tresloucado assassino suicida não podia ser piloto de avião, talvez nem mesmo de asa delta. Quem o(s) calou(s)? De quais interesses não se ficará sabendo? Teoria da conspiração? Não, detecção do acintoso desrespeito à mais elementar lógica. Bom para aumentarmos a consciência de que há embustes universais.

  2. Essa tragédia com o avião da

    Essa tragédia com o avião da Germanwings vai render ainda muitas discussões e estudos. Mas nada relativo à versão oficial da causa do desastre. Nenhuma dúvida, nenhuma estranheza.  Tudo “devidamente” esclarecido. Foi o co-piloto “meio doidão” e PRONTO. O rapaz tá morto e sem descendentes pra carregar esse peso, essa maldição.  Perfeito.

  3. A Eletrobras, onde trabalho,

    A Eletrobras, onde trabalho, realiza exames pisicológicos periódicos nos funcionários, principalmente com acompanhamento no campo onde o intrevistado atua, como forma de analizar o comportamento do funcionário, principalmente nos que atuam em área de risco.  Na minha avaliação, foi feito a entrevista e alguns meses depois a contra entrevista na sala de operação, trabalho em uma usina hidroelétrica, e no dia de minha avaliação final, estavamos em manobras operacionais, e a psicóloga acompanhou por volta de uma hora minha atuação no comando da usina.  Já houveram casos de afastamento da função de funcionários com problemas de depressão e até aposentadoria compulsória.  imagine um funcionário desses com problemas pisicológicos desligando uma usina hidrelétrica no sistema interligado nacional.

  4. Uma posição sensacionalista

    Uma posição sensacionalista que entorpece com certeza a visao dos leigos com dos profissionais do campo psi. Tal opinião radical com intuito de parecer racional ou afirmativa demonstra que existe ausencia real dos profissionais em TODOS os ambientes inclusive nessa que forma opinião.

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