Veríssimo, o semeador da elegância, por Gustavo Conde

Veríssimo é um desses casos raros de escritores que consideram o sentido - da vida, do mundo, das palavras - mais importante do que todo o resto (se é que existe algum resto).

Veríssimo, o semeador da elegância

por Gustavo Conde

A entrevista de Luis Fernando Veríssimo à Folha de S. Paulo é um deleite.

Conhecido por falar pouco (e escrever muito), o autor do Analista de Bagé surpreendeu, produzindo respostas, às vezes, maiores que as perguntas do entrevistador.

Talvez, o fato de a entrevista ter sido por email tenha permitido esse efeito: ficou parecida com uma de suas crônicas.

Veríssimo é um desses casos raros de escritores que consideram o sentido – da vida, do mundo, das palavras – mais importante do que todo o resto (se é que existe algum resto).

A linguagem é o que interessa, o resto é perfumaria. Nesses termos, ‘falar de si’ só faria sentido se desdobrado em uma crônica, como perturbação de uma personagem.

O entrevistador Roberto Dias foi muito perspicaz em trazer as personagens do autor para o eixo temático principal da crônica-entrevista. É co-autor o danado.

Falemos de Veríssimo, já que o próprio não ‘fala’. Há um paralelo possível com o jazz. Veríssimo é o Miles Davis da palavra.

Sei que o criador do Ed Mort é saxofonista e não trompetista, mas e daí? A comparação é semiótica (e subversiva).

Veríssimo desacelerou o sentido, imprimiu timbre e elegância ao enunciado e trouxe a dicção literária de volta à delicadeza das percepções universais da linguagem – com o humor sutil do cotidiano esparramado na sintaxe e no discurso.

Essa delicadeza estrutural habita um modo singular de confeccionar o texto. Veríssimo incita a inteligência ‘adormecida’ do leitor na arte das associações semânticas e se torna um vício.

O cérebro gosta de Veríssimo (assim como a recíproca é verdadeira).

O minimalismo de Veríssimo nos põe a pensar: o sentido não é ‘quantidade’ e sim ‘qualidade’. A delicadeza em degustar cada palavra, cada construção gramatical matreira – cheia de segundas intenções -, cada espaço de silêncio produzido pela percepção de que o enunciado ainda não chegou ao fim… Tudo isso faz da experiência “veríssima” de leitura uma espécie de “desfibrilador do sentido”.

Veríssimo não desperdiça palavras, nem na fala nem na prosa. Suas crônicas são grau elevado de inteligência narrativa, poderosa referência autoral para este linguista com síndrome de autoestima cultural.

Veríssimo é um dos grandes enunciadores literário de nosso tempo. Ele estilhaçou a narração (como Dostoiévski), dialogou com o cânone (sem os exageros de Joyce), elevou a conversação fática ao nível de arte (como Tarantino e Woody Allen) e construiu uma das maiores declarações de amor à língua portuguesa, fazendo dela a protagonista de todas as suas histórias, em seu infinito gramatical e no contraste com os preceitos normativos e elitistas dos ‘grandiosos’ projetos literários.

Fez isso respeitando a norma culta (que é meio rudimentar), mas a provocando com extrema elegância, tematizando metáforas, brincando com as gramáticas e denunciando como a língua continua sendo infinita, a despeito de seus controladores dogmáticos de turno.

E fez isso sem uma gota de prepotência, pelo contrário: dentro de um universo lúdico “adulto” que é o que, no fim, faz valer a pena pertencer à espécie humana.

Veríssimo é isso. É a esperança de que nós somos seres inteligentes e não sabemos.

Redação

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