os Brasis: olhai para o Irã

como formar opinião acerca dos recentes protestos no Irã?

seria mais uma primavera colorida gerada nos laboratórios demoníacos do Império? ou sempre é preciso ir além das explicações simplistas e convenientes? e neste caso, como reunir subsídios para reflexão, já que todo acesso aos dados e fatos é indireto? se mesmo com a experiência direta, ainda assim o processamento de informações é parcial e subjetivo?

e até onde é possível chegar numa pesquisa exclusivamente via web?

quais seriam então os dados relevantes para aferir se em dada coletividade há, ou não, motivos para protestos?

com certeza, o primeiros deles é o nível de ocupação da mão de obra. principalmente o índice  de desemprego na população jovem, considerado também em relação à escolaridade.

quase sempre é a juventude quem primeiro sai às ruas nas manifestações. muito embora a rebeldia e o inconformismo não tenham idade, são os jovens quem geralmente desfraldam estas bandeiras.

gráfico: Irã – desemprego 

gráfico: Irã – desemprego na população jovem

 

gráfico: Irã – desemprego na população jovem por escolaridade

o alarmante percentual de quase 30% de população jovem desempregada, sendo quanto maior a escolaridade também maior o desemprego, é um poderoso fator de instabilidade social.

por que uma juventude com bom nível cultural e acesso à informação se resignaria ao desemprego pacificamente?

apenas uma rígida e brutal ditadura seria capaz de manter a revolta sob controle, pela constante disseminação do medo através de violenta repressão. como se exerce a repressão no Irã?

o artigo “A revolta da confiança”, publicado traduzido no site UniNômade Brasil, fornece um relato de como se vive na teocracia do Irã.

“No Irã, se dá um tipo de vida dupla. O regime iraniano é uma ditadura, se deve obedecer, fazer o que mandam: se você é um bom muçulmano ou finge sê-lo, poderá viver sem ser incomodado.

Deve, porém, manter uma vida dupla: pode até deixar de acreditar em tudo, mas é preciso demonstrar que acredita. Assim, em privado, se tolera que se faça uma série de coisas, mas em público é imperioso que seja mostrado um comportamento de bom muçulmano.

Uma das estruturas mais fortes da República islâmica é o sistema de vigilância e de informantes. Pode acontecer de você descobrir que o seu amigo de anos é um espião.

Há muitas pessoas de saco cheio disso, pois já tiveram o bastante. Os protestos lançam uma mensagem: todos juntos, os iranianos são contra ter de viver essa vida dupla que te leva a mentir, trair e trair-se, a não confiar um no outro.”

a vida sob qualquer ditadura, e ainda mais numa teocracia, é pesada, asfixiante, degradante, insuportável. sempre são dias, anos e décadas de chumbo. a ditadura não afeta apenas as instituições, na superestrutura. é no dia a dia, no cotidiano, que a vivenciamos em toda sua opressão. a ditadura é uma tortura constante suprimindo a vontade de viver.

seriam mesmo outra vez os demiurgos da CIA fazendo o parto de mais uma bastarda insurreição popular?

ou as causas do levante do povo iraniano devem ser principalmente escavadas das raízes de uma teocracia assassina, cuja origem, aí sim, se deu por condições forjadas via as catastróficas intervenções do Império?

afinal, quem pariu quem? a verdade é que o fundamentalismo dos aiatolás foi parido pela CIA.

“O caótico efeito dominó que conduziu o Irã às mãos dos aiatolás foi desencadeado a partir do momento em que a CIA interveio com o golpe de Estado de 1953, fato que se tornou conhecido como “Operação Ajax”.

Contudo a intervenção ocidental nos assuntos do Irã realmente começou muitas décadas antes, desde a conhecida operação secreta da CIA com o estabelecimento da Anglo-Persian Oil Company, atualmente conhecida como: British Petroleum (BP).”

From Shahs To The CIA: The History Of Western Intervention In Iran – Part 1

vídeo: Argo – sequência inicial

https://www.youtube.com/watch?v=6Ym_zikybGk]

transcrição da narração do vídeo:

“Este era o Império Persa, hoje conhecido como Irã. Por 2.500 anos esta terra foi governada por uma série de reis, conhecidos como Xás. Em 1950, o povo do Irã elegeu como Primeiro Ministro Mohammed Mossadegh, um secular democrata. Ele nacionalizou as empresas inglesas e norte-americanas de petróleo, devolvendo-o ao povo iraniano. Mas em 1953, os EUA e a Grã-Bretanha arquitetaram um golpe de estado que derrubou Mossadegh, colocando no poder o Xá Reza Pahlavi. O jovem Xá era conhecido por sua opulência e todo tipo de exageros. Sua esposa se banhava em leite, enquanto o Xá voava de Concorde para ir almoçar em Paris. O povo passava fome. O Xá mantinha o poder através de um implacável aparato policial. Os Savak. Iniciou-se um período de medo e tortura. Então veio uma campanha para ocidentalizar o Irã. Isto deixou enfurecida a maioria de sua tradicional população xiita. Em 1979 uma insurreição popular derrubou o Xá. O clérigo exilado Aiatolá Khomeini voltou para governar o Irã, dando origem a revanches, esquadrões da morte e caos. Morrendo de câncer, o Xá recebeu asilo político nos EUA. A população iraniana tomou as ruas na frente da Embaixada dos EUA, exigindo o retorno do Xá, para que fosse julgado e enforcado.”

a própria CIA já confirmou sua participação no golpe de Estado de 1953 no Irã. a referência explícita a este seu papel no planejamento e execução da derrubada de Mossadegh pode ser encontrada num documento interno denominado “The Battle for Iran”.

em outro trecho do artigo “A revolta da confiança”, fica exposto como a crise de representação também se faz presente no Irã, consistindo num dos principais motivos de instabilidade política. os estelionatos eleitorais se tornaram generalizados em diversos países, causando perda de legitimidade dos governantes e dos próprios regimes.

“O presidente Rouhani chegou ao poder há cinco meses, fazendo muitas promessas de mudança. Milhões de pessoas, provenientes de vários setores da sociedade, confiaram naquelas promessas, que envolviam pôr fim à atmosfera repressiva, liberar os prisioneiros políticos, aumentar os direitos, pôr fim ao isolamento do Irã.

Depois das eleições, as coisas só pioraram mais e mais. As pessoas que votaram por Rouhani se ressentiram de vê-lo passar ao lado dos fundamentalistas, então pensam de terem sido enganadas ao votar nele.

Todos os extratos sociais se reencontram neste momento numa situação similar de perda da confiança quanto à possibilidade de mudanças no regime.

É previsível que, nas próximas eleições, haverá uma queda do número de eleitores, porque a confiança na mudança, mais uma vez, acabou sendo traída.”

controlar e censurar a web está na agenda dos governos, para cercear sua utilização como instrumento de luta, suprimindo a liberdade de expressão e de opinião. a interrupção do fluxo de comunicação é hoje arma principal na repressão de qualquer mobilização social, dado o maciço uso de aplicativos via celular.

cabe recordar que o Twitter foi desenvolvido a partir de um software TXTMob, criado por ativistas norte-americanos para que se coordenassem por telemóvel, quando das manifestações contra a convenção nacional do Partido Republicano de 2004. esta aplicação teria sido então utilizada por cerca de 5.000 pessoas, compartilhando em tempo real informações sobre as ações em curso e os movimentos da polícia.

“Colocar a Internet fora do ar no Irã, a arma apocalíptica planejada por Teerã para desmobilizar os recentes protestos anti-governo do ano novo, foi algo empregado com uma rapidez surpreendente.

Antes da erupção destas manifestações, as agências de inteligência ocidentais classificavam o Irã como o sexto cyber-poder do mundo, depois dos EUA, Grã-Bretanha, China, Rússia e Israel.

Mas quando um em cada dois iranianos possui em suas mãos um smartphone cheio de aplicativos, bloquear completamente as comunicações através das redes sociais mostrou-se além dos poderes dos ciber especialistas do regime iraniano.

O governo iraniano tentou mas não conseguiu bloquear o aplicativo Telegram, o  mais popular do Irã com 40 milhões de usuários.”

Iran’s cyber war over 48 million smartphone users was sparked by protest demos

os dados sócio-econômicos mostram claramente como há fundamento concreto no Irã para haver insatisfação e protestos. ainda mais num contexto fechado de um regime autocrático.

além disto, as sanções impostas pelos EUA continuam debilitando fortemente a economia iraniana, do mesmo modo que a manipulação política do mercado de petróleo, forçando a queda nos preços.

as receitas com exportação de petróleo eram 86% em 2006, caindo para 60% em 2015. sendo compensadas pela exportação de produtos químicos (9,8%) e plásticos e borrachas (8,9%).

o principal destino das exportações em 2015 é a China (45%). em 2006, eram Japão (13%), China (9,6%) e outros países asiáticos (16%).

outros dados determinantes para avaliar causas de insatisfação social: inflação dos gêneros alimentícios e índice do custo de vida.

evidentemente existe interferência de diversos agentes políticos, inclusive CIA, MI6, Mossad e Sauditas, para amplificar, capturar e direcionar as manifestações.

“Temos olhos e ouvidos por toda parte, inclusive dentro do Irã. naturalmente, eu ficaria muito feliz em ver uma revolução social no Irã.”

Yossi Cohen, Chefe do Serviço Nacional de Inteligência de Israel

ainda assim, é necessário compreender os motivos do rápido refluxo dos protestos. entre eles, com toda certeza, está a ferocidade da repressão. mas certamente ela não explica tudo.

“Também simplesmente entendeu a óbvia verdade … que toda aquela baba espumando prematuramente nas bocas de Washington e Tel Aviv, ou outras capitais ocidentais, com o mesmo papo sobre a derrubada do regime de Teerã, seria apenas a maneira mais segura de  imediatamente interromper os protestos em seu nascedouro.

Porque ninguém quer ter sua causa seqüestrada… ninguém quer ser marionete de potências estrangeiras … ninguém quer ser um peão geopolítico, e ainda muito menos o seriam os iranianos, que tem uma longa e sangrenta história de intromissão externa em seus assuntos internos.”

Who Killed The Iran Protests?

a tragédia do povo iraniano obedece ao mesmo padrão das tragédias dos demais povos: sua luta por autodeterminação é sufocada tanto pelo Império quanto pelo inimigo interno, mesmo quando entre este e o Império há disputas.

também publicado traduzido no site UniNômade Brasil, em “A rebelião e o império” se tem uma abordagem das contradições iranianas, indo muito além da engessada moldura de um pensamento binário.

“Por um lado, os Estados Unidos, com o discurso de tentar levar a democracia ao Irã e assim defender os que protestam, buscaram justificar uma intervenção no país.

Uma questão já antiga,  pois o lobby sionista – que praticamente dirige a política norte-americana no Oriente Médio – e os próprios círculos trumpistas da política externa (Mattis, Tillerson, Mac Master) pressionam para que a intervenção aconteça.

Por outro lado, o regime iraniano, com o discurso de ser atacado pelo imperialismo norte-americano e pelas agências israelenses e sauditas, buscando justificar a repressão dos protestos, ao considerar quem delas participa como verdadeiros lacaios do imperialismo e, portanto, inimigos “abertos” do estado.

Ambos são o Império e ambos passam recibo de uma estranha cumplicidade em interromper os protestos

Talvez, aqui se abra um tema crucial: a Revolução de 1979 foi na verdade dupla.

Por um lado, triunfou ao preço de apagar a fonte popular de que se nutria, descolonizou o estado iraniano em relação ao imperialismo estadunidense, mas terminou por colonizar os iranianos por meio de um islã da resignação, que logo viria a se converter na ideologia de estado da nova oligarquia governante.”

olhai para o Irã. qualquer semelhança com o Brasil não será mera coincidência. o golpe de 1953 pariu a teocracia iraniana. desde então, o povo do Irã ainda não conseguiu recuperar o destino sobre sua História.

o que está sendo parido no Brasil?

p.s.: visto de longe, tudo parece muito diferente

o Rio de Janeiro recebeu um grande contingente de sírios, refugiados da Guerra promovida pelo Império para destruir seu país.

eles se organizaram com bastante sucesso. vendem comida árabe em simpáticas carrocinhas em vários pontos da cidade, Zona Sul e Tijuca principalmente. sempre compro e converso com eles.

outro dia, todo animado comentei com um deles: “Que legal, né? Acabou a guerra na Síria!”

a resposta foi como um soco em minha nuca: “Legal?! A guerra acabou mas o Ditador venceu! O que vocês achariam se nas eleições de 2018 o Temer fosse eleito?”

de longe ou de perto: no final quem tem perdido é o Povo…

vídeo: Iran’s massive protests, explained in 4 minutes (legendas automáticas)

[video: https://www.youtube.com/watch?v=WKfVxoPO_Qc

gráficos: Irã – base de dados no Google

.

Redação

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador