O prego, ó meu rico prego, por João Roque Dias

Reza a lenda que o prego foi "inventado" na Praia das Maçãs por um tal Manuel Dias Prego, que em 1800 e qualquer coisa teve a ideia peregrina de espetar com um bife de vaca entre duas fatias de pão.

Enviado por Gilberto Cruvinel

O prego, ó meu rico prego

por João Roque Dias

O prego, meus amigos, é uma coisa séria. É aquela coisa que se come quando a fome ainda não nos pegou pelos colarinhos, mas já nos vai dando caneladas para fazermos alguma coisa, para a coisa (a fome) não ficar preta. Descontrolada!

É nestas alturas, em que a fome ainda não é negra, mas já anda acinzentada, que o prego encontra o seu momento de glória.

E, antes de continuar, para os mais distraídos, aqui sinónimo de estrangeiros, que podem julgar que vamos às lojas de ferragens, pedimos uns pregos e os emborcamos, aqui fica um breve glossário:

Prego: sanduíche com um bife de vaca (lombo, para gente fina ou pojadouro, para gente mais remediada, mas de gosto mais apurado). Pode ser grelhado ou frito (para mim, é sempre frito e com muito alho, se faz favor).

Prego no prato: um prego que não é prego (o verdadeiro, criado no pão), mas antes um bifinho de vaca mais roubado no tamanho servido num prato e acompanhado de batatas fritas. Se quiserem meter-lhe um ovo estrelado a cavalo, deixa de ser “prego no prato” e passa a bitoque. E bitoque que se preze é sempre com carne do pojadouro (parte interna e posterior da coxa da vaca; graficamente, se quereis saber, a nádega do bicho).

Bifana: um “prego”, mas de carne de porco e nunca, nunca chamado “prego”. “Prego” é vaca e “bifana” é porco e ponto final. Sempre servida frita em molho gorduroso, untuoso e delicioso à base de vinho, alho e mais umas coisas, mas os especialistas do petisco nunca contam que coisas são. Se o molho de uma genuína bifana não nos escorrer nas mãos e nos beiços, não é bifana, é uma contrafacção desenxabida e um caso de Polícia.

Imperial e caneca: cerveja à pressão com 200 mL ou 400 mL, acompanhamento perfeito dos pregos e bifanas. Vinho verde, branco ou tinto também se aceita. Em casos de grande enfermidade, um sumol pode ser desculpável, mas deve ser sempre observado com um esgar de grande desconfiança. Nota pessoal: havendo em barril, para mim a caneca e a imperial é sempre preta, se faz favor.

Mas, prego?

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Reza a lenda que o prego foi “inventado” na Praia das Maçãs por um tal Manuel Dias Prego, que em 1800 e qualquer coisa teve a ideia peregrina de espetar com um bife de vaca entre duas fatias de pão.

A coisa vem bem documentada no livro “Velharias de Sintra VI”, edição de 1988 da Câmara Municipal de Sintra: Manuel Dias Prego iniciou um negócio de “comes e bebes”, no final do século XIX, tendo sido um dos primeiros “edificadores” da Praia das Maçãs. A tasca era rudimentar e servia vinhos de Colares para acompanhar fatias de carne de vitela, fritas ou assadas, metidas no saboroso pão cozido nos fornos das redondezas. E o negócio prosperou, às costas da fama que as “bifanas do Prego” alcançaram.

E o petisco entrou no vocabulário popular no princípio do século XX, com a simples designação de “prego”, em solene memória ao seu abençoado criador.

E onde era a tasca do Prego?

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Também se sabe. E o grande José Malhoa também sabia. Conheceis o famoso quadro “Praia das Maçãs”, óleo sobre madeira, com 87 cm x 69 cm, de 1918, e que podeis ver no Museu do Chiado, com um cavalheiro a catrapiscar uma menina com um belo vestido cor de salmão? Pois, os pombinhos estavam na varanda da Casa de Pasto do Manuel Prego.

João Roque Dias, Tradutor, Lisboa, Portugal.

Redação

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