Ion de Andrade
Médico epidemiologista e professor universitário
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A potência sufocada das periferias brasileiras, por Ion de Andrade

A tragédia de Paraisópolis nos traz, num flash, um cenário devastado. Ele mostra, para além do massacre de nove jovens, uma vida cheia de precariedades e sofrimentos.

Do Outras Palavras

A potência sufocada das periferias brasileiras, por Ion de Andrade

Não falta dinheiro: mudanças de impacto custariam 0,2% do PIB. Nem saídas: também os bairros medievais da Europa foram favelas. Duro é romper a lógica da segregação, e enfrentar os preconceitos de neoliberais e desenvolvimentistas

A tragédia de Paraisópolis nos traz, num flash, um cenário devastado. Ele mostra, para além do massacre de nove jovens, uma vida cheia de precariedades e sofrimentos. Pela tragédia vêm aos jornais notícias sobre a qualidade de vida no bairro, os conflitos étnicos com a comunidade bem-nascida próxima e detalhes sobre o teatro de operações. Sabemos, então, que o baile funk era o único espaço de lazer para a juventude, não a de Paraisópolis, mas a de toda a região.

No outro extremo, em notícias separadas por escassas semanas, os jornais estamparam que a estatal chinesa que construirá a ponte entre Salvador e Itaparica está contente, pois o governo baiano cobrirá a totalidade dos riscos do empreendimento com 56 milhões de reais por um período de 15 anos.

Ao todo, entre garantias e custo real da obra, a ponte custará a bagatela de seis bilhões de reais. É desnecessário lembrar que a realidade das periferias da capital baiana é similar à de Paraisópolis.

De Natal vem um exemplo ainda mais danoso aos cofres públicos. O estádio Arena das Dunas, cuja obra custou em torno de 400 milhões de reais em 2014, resultará num custo final para o governo do Estado de R$ 1,4 bilhão, ao final dos 22 anos de contrato, mais de três vezes o valor inicial estimado.

Esses contextos e números são muito informativos sobre os níveis de civilidade reinantes no Brasil. Mas, as informações mais valiosas que emergem desses três fatos aparentemente desconexos dizem respeito à cultura política hegemônica no país que dá coerência aos três e define o que é prioritário aos olhos do Estado, independentemente da identidade ideológica das autoridades públicas.

Constata-se também dessas mega construções o fato de que o Estado brasileiro, sim, tem recursos e o país poderia enfrentar folgadamente, como veremos, a sua agenda social aportando dignidade e bem-estar às suas populações mais desvalidas.

A grande questão de por que não o faz é complexa e decorre da reprodução continuada de uma sociedade de matriz escravocrata, na qual as periferias representam Senzalas desprovidas de qualquer direito perante um Estado sucedâneo da Casa Grande que entende não ser da sua responsabilidade o cumprimento ali da agenda civilizatória, o que mantém essa “escravaria” sob seu jugo, no que vem a ser a maior e mais consensual política pública do Estado brasileiro.

Não nos concentraremos nisso, mas nas ferramentas que poderão permitir escapar dessa realidade trágica e crônica ou sobre o que fazer.

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Ion de Andrade

Médico epidemiologista e professor universitário

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