A ladainha do câmbio ganha crédito

[Comentário a A volta dos cabeças de planilha]

Concordo plenamente que há muito a discussão econômica midiática se tenha convertido na arte de juntar argumentos para garantir os ganhos do setor representado, e me preocupa que ganhe posições a tendência a inverter os argumentos alegando que o problema das contas externas brasileiras é de câmbio, não de falta de competitividade (transformando o câmbio manipulado em instrumento para compensar falta de competitividade).

O câmbio argentino é sabidamente manipulado – a Argentina deve ser um dos poucos países de certa expressão no mundo em que o dólar sobe enquanto em outros lugares ele cai. Por que é que o Brasil não está inundado de quinquilharias argentinas, em concorrência direta com as chinesas? E por que, ao contrário, na Argentina todas as quinquilharias, dos utensílios de cozinha aos eletrodomésticos e até os panos de prato, venha quase exclusivamente do Brasil, com produtos  chineses preenchendo os nichos que o Brasil não supre, se o câmbio supervalorizado seria um obstáculo às exportações?

O que é que o Brasil e a China têm em comum que a Argentina não tem? Baixos salários, somados a um baixo custo social da produção: benefícios irrisórios, aposentadoria humilhante, saúde pública subfinanciada, educação pública sucateada. São estes fatores, e não o câmbio, que tornam o produto “exportável” numa certa faixa de mercado, a dos produtos industrializados de baixa tecnologia e de consumo popular. Não é de estranhar que os que choram e rangem os dentes pelo câmbio “supervalorizado” sejam os mesmos que preconizam a “desoneração da folha de pagamentos” como forma de reduzir ainda mais o peso dos salários no preço final do produto.

Pela lógica do câmbio “supervalorizado”, os países industrializados ditos “ricos” (leia-se Europa Ocidental, EUA, Japão e Israel, todos com câmbio “supervalorizado”) não exportariam nem cartão postal. No entanto, são eles que há décadas respondem por mais de 60% das exportações mundiais. A China está entre os maiores exportadores do mundo, mas não por causa do câmbio – já foi mostrado que isso é uma falácia – e sim porque, depois de cinquenta anos sem  inflação e pagando salários que não sobem desde o início dos anos 60, os chineses são imbatíveis no quesito “desoneração da folha”.

Não temos de concorrer com a China – não há como, e é insustentável. Precisamos, sim, se for absolutamente necessário espelhar-se em algum modelo externo, é olhar para a Coreia do Sul, que investiu pesado em capacitação tecnológica, em educação e em produtividade, e  cujos empresários hoje não precisam ficar choramingando atrás de subsídios cambiais.

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Em adendo ao comentário original, é claro que o assunto dos baixos salários e da taxa de exploração da mais-valia é tabu de Wall Street a Beijing, passando pela avenida Paulista. Não é à toa que surgem tantas “explicações” sobre a competitividade relativa dos produtos de um país.

Redação

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