Busca da Justiça no endereço errado, por J. Carlos de Assis

Por J. Carlos de Assis

A busca da Justiça no endereço errado

J. Carlos de Assis*

Se alguém disser que previu as manifestações de massa que aconteceram nas últimas semanas, mude imediatamente de assunto porque está mentindo. Vimos um típico fenômeno espontâneo de explosão coletiva iniciado por uma demanda limitada e em si mesma insignificante, cujos protagonistas, surpresos pelas proporções assumidas pelos protestos, tiveram de incorporar à pressas outras reivindicações e palavras de ordem para dar ao movimento um sentido mais amplo.

Boa parte da produção de nossa ciência política e nossa sociologia vulgar não conseguiu refletir direito o que está se passando. Há nesse movimento de jovens um conjunto de insatisfações sem um foco determinado mas costurado há muito tempo por um sentimento comum: a descrença cabal nas instituições. É um sentimento difuso, que passa do ônibus ao custo de vida à PEC 37, da corrupção ao sobrepreço nas obras da Copa e de novo ao passe livre, ora culpando a Presidência da República, ora o Congresso, ora os políticos em geral.

Como entender tudo isso? Tentando uma explicação, vou dizer que a raiz do sentimento de frustração que levou às manifestações de rua – e não eram apenas de jovens – está no Supremo Tribunal Federal, em particular na pessoa que hoje melhor encarna o espírito da Justiça no Brasil, o ministro Joaquim Barbosa. Foi Barbosa, com sua autoridade, auxiliado pelo procurador geral Roberto Gurgel, que durante quatro meses martelou no julgamento do mensalão que o Brasil é governado por uma “turma” herdeira de uma quadrilha.

Esse libelo, na boca de um ministro que logo seria Presidente do STF, soou como sentença de condenação antes do tempo e incutiu na cabeça da maioria das pessoas que não tinham nem informação nem tempo para ler, e também porque o que lhe era oferecido para ler era o espelho do que dizia Barbosa, a certeza de que, sim, somos governados inexoravelmente por corruptos, que o PT e Lula fazem parte da mesma quadrilha chefiada por Dirceu, e que Dilma, estando muito próxima, é também parte dela. Em uma palavra, estamos sem esperança política, já que do lado da oposição não há alternativa.

O fato é que nunca na história deste país um poder republicano foi tão publicamente enxovalhado na televisão, por semanas a fio, do que o Executivo brasileiro no tempo do julgamento do mensalão. O tempo de reflexão foi nulo. Num desses casos raros de julgamento, o ministro relator aceitou todas as teses centrais do procurador geral, agindo, ele próprio, como promotor. A terminologia era carrregada; construiu-se uma tese ad hoc de atuação em quadrilha que imprimiu nas mentes dos jovens a ideia de que o governo do PT era formado por meliantes sob o comando de José Dirceu, e que a salvação da Pátria estava numa justiça implacável, capaz de castigar os poderosos e varrer os petistas do mapa político.

Paradoxalmente, quando do julgamento, já nenhum dos antigos poderosos tinha poder, exceto os que haviam sido eleitos para o Parlamento. Mas era preciso castigá-los enquanto símbolos. Nesse afã, como mostraram os jornalista Maria Inês Nassif e Luís Nassif em reportagens recentes, passaram por cima de provas e ocultaram outras, para delimitar o espaço de acusação ao PT em face de seu principal adversário, o PSDB. Assim, foram retirados dos processos relativos à Visanet, a que se atribuiu regar o dinheiro do mensalão, os nomes de diretores ligados ao PSDB para concentrar a acusação no único vinculado ao PT.

A questão essencial é que não houve dinheiro público, embora tenha havido caixa 2, no esquema do chamado mensalão. Sequer houve mensalão, pois não houve pagamentos mensais mas acertos de campanha. Não se provou compra de votos. A Visanet é uma empresa privada e demonstrou todos os seus custos. Tudo o mais foram relações bancárias normais do PT. Acaso os jovens que estão saindo às ruas sabem disso? Experimentem demonstrar que alguém é inocente de algum crime depois de quatro meses em que um ministro do Supremo, reiteradamente, bombardeia a opinião pública com afirmações peremptórias, mesmo que falsas, de que é bandido!

E não é só isso. A grande mídia repercutiu, sem qualquer sentido critico como seria de seu dever, as afirmações de Joaquim Barbosa. Assim, não eram apenas as sessões do Supremo levadas ao ar diariamente pela TV Justiça, mas o que diziam os repórteres e comentaristas de televisão que fazia a cabeça da juventude brasileira. É claro que ninguém resiste a esse bombardeio eternamente, sobretudo aqueles que, não tendo tempo nem experiência para se informar, têm pressas em fazer justiça. Desgraçadamente, a Justiça que conhecem é a de Joaquim Barbosa. Procurando Justiça, erraram de endereço!

PS. Não sou do PT. Zola escreveu “J’acuse” em defesa de Dreyfus, vitima de um infame processo anti-semita, mas não era judeu. Acho que o sentimento de justiça é generalizado no homem desde que não corrompido pela desinformação.

*Economista, Dsc, professor de Economia Internacional da UEPB, autor, entre outros livros, de “A Razão de Deus” e “O Universo Neoliberal em Desencanto”, pela Civilização Brasileira.

Luis Nassif

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