Ciência sem Fronteiras e o modelo suíço de amparo à pesquisa

Atualizado em 21/08 às 16h30

Suíça fecha acordo de cooperação com Ciência sem Fronteiras

Por Bruno de Pierro, do Brasilianas.org

Na última semana de junho, uma delegação do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH) esteve no país para ampliar as cooperações científicas entre Brasil e Suíça. No dia 27, o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Glaucius Oliva, e o presidente do ETH, Ralph Eichler, assinaram memorando para consolidar a parceria entre o instituto e o programa Ciência sem Fronteiras, de acordo com os objetivos do governo federal brasileiro de aumentar o intercâmbio acadêmico e promover cooperações científicas. 

Um integrante da comissão suíça, no entanto, teve papel central nesse episódio da diplomacia científica. Trabalhando há três anos e meio no ETH, o engenheiro André Studart acompanhou o grupo europeu durante toda a viagem em solo brasileiro. Prova viva de que incentivos a intercâmbios desse tipo podem trazer bons resultados para ambos os lados, o brasileiro hoje coordena uma pesquisa no ETH e conta com laboratório próprio para comandar nove cientistas das mais diversas partes do mundo. 

De volta ao seu gabinete, Studart falou ao Brasilianas.org por telefone sobre sua contribuição nos acordos firmados, o modelo de fomento à pesquisa de risco desenvolvido pelo ETH e as pesquisas que desenvolve em biomimese – área de alta tecnologia que estuda propriedades naturais para tentar reproduzi-las sinteticamente . “Essa visita faz parte de uma estratégia mais ampla aqui do governo da Suíça. Trata-se de uma decisão do parlamento suíço feita há dois anos, para priorizar colaborações científicas e tecnológicas com alguns países em desenvolvimento”, explicou.

Engenheiro de materiais formado pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e há poucos meses de poder se tornar professor permanente do ETH, Studart desembarcou no Brasil com um único objetivo em mente: ajudar a comissão suíça a identificar polos de alta tecnologia no Brasil e coordenar as reuniões. O roteiro de Studart incluiu COPPE-UFRJ, Petrobras, Embraer, FAPESP, USP, Unicamp, entre outros. Para isso, contou com o auxílio do físico e amigo Sérgio Mascarenhas, um dos fundadores da UFSCar. “Ele tem a maior network de cientistas do Brasil”. Confira a íntegra da entrevista abaixo.

Brasilianas.org – Qual a estratégia do governo da Suíça em relação ao Brasil?
André Studart – Aqui há duas universidades tecnológicas principais, que são institutos federais de tecnologia. Um está aqui em Zurique e o outro na parte francesa, em Lausanne. E essas universidades tentaram, e estão tentando, promover trocas de alunos ou projetos de pesquisa em conjunto – houve até uma chamada para trabalhos em conjunto em Lausanne, há um ano mais ou menos. O ETH, em Zurique, interessou-se em priorizar a troca de alunos e professores. O objetivo da visita [ao Brasil] foi assinar o acordo do programa Ciência sem Fronteiras e conhecer algumas universidades de ponta no país, com as quais pudessem ser feitos acordos bilaterais, para incentivo de intercâmbio em todos os níveis. A estratégia do governo suíço, na verdade, é promover a saída de alunos para o Brasil, para que esses alunos suíços estabeleçam contatos, aprendam a língua, a cultura e que venham a ser, depois, lideranças em empresas na Suíça, assim como brasileiros que venham para a Suíça, para que sejam lideranças no Brasil.

André R. Studart

Studart: “sempre existirão formas de estreitar esses laços e de aumentar as colaborações”

Quais são as instituições visitadas aqui no Brasil?
As instituições visitadas por nós foram: no Rio de Janeiro, COPPE/UFRJ e Petrobras; em Brasília, a sede da Embrapa e um encontro com o secretário-executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Luiz Antonio Elias, para assinar o acordo do Ciência sem Fronteiras; depois fomos a Unicamp, em Campinas; a USP, mais especificamente na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), pois já existem colaborações na área de reurbanização de favelas entre a ETH e a USP; depois fomos ao Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, e visitamos também a Embraer e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Irão ocorrer chamadas da FAPESP especificamente para a ETH Zurique. A intenção do acordo com a fundação é incentivar a troca de alunos e professores por um período mais curto de tempo, principalmente para alunos de doutorado, porque – e essa já é uma visão pessoal minha – há a dificuldade de um professor, no exterior, identificar se o alunos, que está vindo, por exemplo, com uma bolsa do Ciência sem Fronteiras, está vindo de uma escola boa, se realmente é a área de interesse.

Então o Ciência sem Fronteiras pode criar alguns desafios futuros, na criação de redes e parcerias duradouras?
O Ciência sem Fronteiras é uma oportunidade excelente, mas às vezes pelo fato do professor da Suíça precisar aceitar o aluno por um período mais longo, de três a quatro anos, acaba dificultando um pouco a decisão daqui. É um programa muito agressivo e muito positivo, mas, por outro lado, você avaliar um total de 100 mil bolsas não é fácil. O que a gente estava tentando incentivar é que alunos venham por dois a seis meses, no período da graduação ainda, ou mestrado, que eu chamaria de um período de “namoro” entre o aluno e o professor. É a oportunidade do professor conhecer o aluno e o aluno ver se as condições de trabalho são legais e se é aquilo que ele esperava. Havendo interesse mútuo, o aluno poderia tentar a bolsa do Ciência sem Fronteiras. É um mecanismo para realmente aumentar o número de colaborações entre o Brasil e o exterior, porque a experiência que eu tenho, quando abrem essas chamadas e esses programas, normalmente isso fortalece as conexões que já existem. Mas se você tem o plano ambicioso de mandar 100 mil alunos para fora, obviamente as relações que já existem não são suficientes. Então a idéia é que você amplie isso para outras pessoas que nunca receberam um aluno brasileiro e nunca estiveram no Brasil.

Qual foi exatamente seu papel nessa visita. Você coordena um laboratório no ETH, certo?
Eu tenho meu próprio grupo de pesquisa e um laboratório, com nove pessoas, na área de materiais, trabalhando com biomimese. Agora, as áreas prioritárias que estavam na pauta da visita são muitas, envolvem energia, por exemplo. Para mim foi um prazer ajudar a comissão suíça a identificar os lugares de ponta no Brasil e também ajudar na coordenação das reuniões. Nisso o professor Sérgio Mascarenhas, do Instituto de Estudos Avançados da USP em São Carlos, teve um papel fundamental, porque ele tem a maior network de cientistas do Brasil. Por sorte de conhecê-lo pessoalmente, ele na verdade me colocou em contato com a maioria das pessoas com quem a gente encontrou aí. A dificuldade que normalmente se encontra quando alguém do exterior tenta entrar em contato com alguma instituição brasileira de ensino e pesquisa é que normalmente para essa pessoa a porta de entrada é sempre um escritório de assuntos internacionais. A coisa é muito fria desde o começo. Agora, quando começa o contato entre professores, aí se aciona toda uma rede, de modo até mais informal. 

No ano passado foi criada a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), que, a partir de agora, começa a fomentar projetos de pesquisa em alta tecnologia voltados para a indústria nacional. O ETH tem interesse de fechar parceria com a Embrapii também, por exemplo, em áreas como nanotecnologia?
Até o momento, o que se conversou foi com relação a troca de alunos e professores e também cientistas que estejam na indústria, por exemplo no Centro de Pesquisas Leopoldo Américo Miguez de Mello (CENPES) da Petrobras, ou mesmo na Embraer. Mas ainda não se discutiu interações com esses outros institutos que estão sendo criados no Brasil, que tentam fazer uma ligação mais forte com a indústria. Isso também é de interesse da ETH, mas ela sempre vai ter o foco principal na ciência básica, aquela ciência que vai gerar um salto tecnológico. Mas existe uma experiência, há muito anos, com outras instituições semelhantes a Embrapii, que fazem essa ligação com a indústria, com problemas mais imediatos da indústria. Seria o aprimoramento de uma tecnologia, ou serviços para a indústria. Nesse sentido, tem muito a ganhar os dois lados, pois há um instituto de materiais, chamado Empa, aqui em Zurique. E o papel é justamente esse; na área de materiais eles fazem uma pesquisa mais aplicada, fazendo a ponte com as necessidades da indústria. Mas as indústrias não investem só no Empa: quando querem investir em alguma pergunta que realmente tem o potencial de revolucionar a maneira deles fazerem um produto, aí o investimento é na ETH.

Glaucius Oliva (CNPq) e Ralph Eichler (ETH) assinam memorando para consolidar a parceria entre o ETH e o programa Ciência sem Fronteiras

Qual o trabalho desenvolvido por você na ETH?
Trabalho nessa área de materiais bio-inspirados. A ideia do trabalho é olhar as caracteristicas de propriedades de materiais biológicos e tentar aprender o que há de especial nesses materiais biológicos que possa ser implementado em sistemas materiais artificiais, e assim possam resultar em materiais com melhores propriedades. De uma forma geral, nos últimos dez ou quinze anos, por curiosidade, os cientistas de materiais começaram a olhar materiais biológicos como conchas marinhas ou mesmo osso, sobre um ponto de vista não do zoólogo, mas da ciência dos materiais. Pelo fato deles terem acesso a composições químicas limitadas – se você analisar uma concha, é um material difícil de quebrar, mas 95% delas são feitas de cal (carbonato de cálcio, o mesmo do giz de lousa, que é muito fraco). 

Então é analisada a diferença entre esses materiais?
Extamente. E a diferença está na microestrutura, ou seja, como a matéria e as partículas se organizam dentro do material. É uma maneira muito pobre, no giz, e uma maneira muito elaborada na concha. A matéria-prima é a mesma, a diferença está na maneira como as partículas se organizam internamente, na micro e na nano escala. O interessante é que a concha conseguiu desenvolver essa micro e nano estrutura através de milhões de anos de evolução. Tem alguma coisa especial, dentro dessa estrutura, que foi testada por milhões de anos, e que podemos aprender. A concha é um exemplo direto da minha pesquisa, e tem outros exemplo, que posso comentar depois, que são os nossos ossos e dentes, que são todos materiais interessantes do ponto de vista da ciência dos materiais. 

É claro que, artificialmente, nós também desenvolvemos materiais muito bons e até com propriedades melhores do que a concha; só que, apesar da gente conhecer a importância da microestrutura, nunca precisamos desenvolver uma microestrutura, ou nunca conseguiu desenvolver uma microestrutura muito elaborada, pelo fato da gente contar com matérias-primas melhores das que existem na natureza. Se eu for fazer qualquer material cerâmico, como, por exemplo, prótese dentária, irei escolher um material, no caso a zircônia, que não existe na natureza. Então, o objetivo da pesquisa é combinar essas matérias-primas com melhores propriedades intrínsecas dos sistemas artificiais, com a micro e a nano estrutura mais elaborada dos sistemas biológicos, e aí realmente atingir propriedades que não são possíveis hoje com os métodos artificiais. 

Concha marinha que a equipe de Studart tenta imitar em laboratório

Quantos pesquisadores são coordenados por você? Há quais tipos de relação com a indústria aí na Suíça? 
No total são eu e mais nove. E temos parceria com indústria das áreas química, odontológica, informática. Mas não chegamos ao ponto de estar aplicados na indústria ainda, mas estamos no caminho. Mas posso continuar contando a história da concha, que mostra como estamos tentando avançar e gerar um produto com essas ideias. Uma das estratégias que é usada por ossos, dentes e também conchas é você ter essa matéria-prima – no caso o carbonato de cálcio, nas conchas, ou o fosfato de cálcio, nos ossos e dentes – é que você tenhas essas matérias-primas na forma de partículas, em bastões, e aí esses materiais controlam a orientação desses discos ou plaquetas de acordo com a posição do material em si. Por exemplo, no dente temos o esmalte, na área externa, e na região do esmalte temos esses bastões de fosfato de cálcio, que são orientados na perpendicular da superfície do dente. E isso torna o esmalte, a parte externa do dente, o material mais duro do corpo humano. Há uma alta concentração do fosfato de cálcio, que é um mineral, e com essas plaquetas orientadas de uma maneira bem específica. 

Na parte interna do dente, que chamamos de dentina, essas plaquetas agora são orientadas paralelas à superfície, porque nessa região do dente o mais importante não é a dureza, mas segurar uma trinca que possa se propagar através do esmalte. Isso é um exemplo da micro e nano estrutura que tentamos reproduzir artificialmente. Desenvolvemos um novo projeto para um laboratório, uma técnica em que começamos com plaquetas do material muito mais resistente do que os bastões do dente, no caso óxido de alumínio, uma cerâmica muito resistente. E aí usamos campos magnéticos para orientar essas partículas em diferentes posições do material. 

Essa abordagem específica com o óxido de alumínio é inédita?
A ideia de alinhar ou orientar partículas não esféricas já existia A novidade, ou invenção, é o fato da gente conseguir essa orientação em materiais não magnéticos. Não é sempre que um material de interesse é magnético. Então, se você quer orientá-lo com um campo magnético, você precisa de campos muito altos, e não são acessíveis normalmente em laboratório e economicamente são inviáveis. O que desenvolvemos foi uma técnica em que absorvemos – e aí entra a nanotecnologia – nanopatículas de óxido de ferro, que nada mais é do que ferrugem, mas numa forma nano. Absorvemos isso na superfície das plaquetinhas de interesse, no caso o óxido de alumínio, e isso torna possível orientar essas partículas de óxido de alumínio com campo magnético muito baixo. Só para dar um exemplo: se você tiver uma partícula de óxido de alumínio sem esse recobrimento da nanopartícula, você precisa de campos magnéticos próximos do que se usa em ressonância magnética. Se você recobre com essas nanopartículas de óxido de ferro, você pode usar o campo magnético de um cartão de crédito para alinhar as partículas. E isso torna o processo muito mais interessante do ponto de vista econômico, e usando uma quantidade de nanopartículas muito pequena; tipicamente abaixo de 1% do material todo vai ser óxido de ferro.

Trata-se do conceito de miniaturizar os processos industriais também.
Esse é exatamente um dos princípios dos materiais biológicos. Ao invés de usar materiais caros, com gastos de energia, você usa o mesmo material, mas organizando a microestrutura para manter a propriedade de interesse. 

Fora o ETH, quais locais tem estudado a microestrutura de conchas no mundo?
A orientação é uma questão que nosso laboratório está entre os primeiros. Eu diria que, nessa área de materiais bioinspirados, a maior parte das pesquisas tem sido direcionada ao estudo do material biológico em si, ou seja, caracterizar o osso, o dente, a concha, do jeito que eles se formam na natureza, e caracterizando-os estruturalmente com relação a propriedades mecânicas. Então, você pega um material que já existe e tenta estudá-lo, e isso é fundamental para entender o que tem de especial nessas estruturas. Agora, a grande pergunta que surge depois que você entende é como fazer esse material artificialmente. E aí tem diversas frentes em vários grupos de pesquisa pelo mundo, com pesquisas em biomineralização, para entender como essas células formam o material. E tem também outros grupos que tentam, como é o nosso caso [no ETH], usar métodos artificiais, por exemplo com campo magnético, e que pode gerar o mesmo tipo de microestrutura que um osso ou um dente, que não usam campo magnético. Tem alguns grupos no mundo tentando fazer esses materiais com métodos artificiais, e o nosso grupo é um deles.

Sede do ETH em Zurique: apoio financeiro da própria universidade favorece pesquisas de alto risco

Qual a comparação que pode ser feita, entre Brasil e Suíça, em termos de interação entre as diversas disciplinas necessárias ao seu trabalho? 
Em lugares como Zurique, por exemplo, que tem duas universidades – o ETH e outra do cantão de Zurique – temos muita coisa acontecendo, muitos departamentos diferentes, mas diria que, no Brasil, a estrutura é semelhante. Não tem nada de especial aqui. O que é muito forte na ETH, especificamente, é a parte de instrumentação, que aqui é muito boa, o departamento de química tem um dos melhores instrumentos de precisão do mundo. E isso não só em relação a equipamento, pois estamos perto dos produtores, mas em relação à velocidade com que você recebe reagentes e matéria-prima para os experimentos. No Brasil, lembro que – e sei que ainda é um problema – para você pedir um reagente diferente, para você tentar uma nova ideia, é preciso esperar quase dois meses. Aqui eles tem um almoxarifado com estoque suficiente para se tentar uma ideia de um dia para o outro. 

Você é novo, tem 38 anos, e coordena uma pesquisa em Zurique, envolvendo alta tecnologia. Há perspectiva para voltar ao Brasil e executar esse mesmo tipo de pesquisa, ou esse retorno está longe de seus planos?
Atualmente, estou numa posição que não é permanete na ETH. Chama-se professor-assistente, numa carreira baseada num sistema americano em que a universidade contrata um professor jovem por quatro a seis anos; esse professor é avaliado – no meu caso acontecerá no final deste ano – e aí acontece ou não a contratação definitiva. O meu caminho ainda está em aberto. De uma maneira geral, estou aberto a diversas possibilidades, mas acho que, independentemente de se eu ficar aqui, ou se voltar ao Brasil, sempre existirão formas de estreitar esses laços e de aumentar as colaborações. Embora não esteja claro se eu vou ficar aqui mais tempo, já tenho um aluno de doutorado, que se formou em São Carlos, que terminará o doutorado no começo do ano que vem e já está se candidatando ao programa Ciência sem Fronteiras, para ser repatriado e começar sua própria atividade de pesquisa, que no caso será nessa mesma área. Será um dos primeiros laboratórios no Brasil nessa área.

Portanto, próximo do que você faz aí, ainda não existe no Brasil?
Que eu saiba não. A questão principal é que o fato de estar aqui – porque tem muito dessa coisa “o Brasil perde pessoas para fora”, é uma coisa que sou um pouco radical. Não acho que é uma perda, porque eu, se continuar aqui, posso ter um papel de multiplicador de contato no Brasil. Uma pessoa que vem e faz o doutorado no meu grupo e depois volta, como é o caso desse meu aluno, e monta o próprio grupo no Brasil. Esse novo grupo no Brasil, por sua vez, enviará outros alunos, e também receberá estudantes, e assim se torna um fator multiplicativo. Você não precisa estar no Brasil para estar ajudando. Existem estudos que mostram que o brasileiros, de todas as nacionalidades, é o que mais volta depois do doutorado, e os que não voltam estão pensando em voltar. É o que te falei no começo da entrevista, no caso dessa participação na comissão da ETH foi um prazer para mim, pois foi aquela parte ideológica e de realmente um compromisso com meu país. 

Dos nove pesquisadores que são coordenados por você, quantos são brasileiros no total?
É um grupo muito internacional, e dos nove tenho um brasileiro, um americano, um israelense, um italiano, uma francesa, uma suíça e dois alemães. O brasileiro é este que mencionei, que está para voltar.

André Studart (o sétimo, da esq. para dir., levantado) e sua equipe completa no ETH, em Zurique

Baseado no que você observa de perto, estando aí na Europa, como está o ambiente de produção acadêmica na Suíça, em tempos de crise? Quais os meios de financiamento suíços e quais os recursos que o seu trabalho recebe?
A crise na Europa eu particularmente diria que não foi tão sentida na parte de pesquisa básica, quanto foi sentido no setor das indústrias. É claro que quem já tinha colaborações com empresas que foram seriamente afetadas tem recursos reduzidos, mas mesmo no meio da crise eu fechei contratos com empresas grandes que estão investindo em ciência básica. Mas tem uma questão que é muito favorável na ETH que é o fato da própria universidade apoiar financeiramente os professores e os grupos de pesquisa, com dinheiro próprio do governo suíço, sem a necessidade de uma agência de fomento. 

Sem mediação de fundação de amparo?
Existem os dois mecanismos: uma agência semelhante ao CNPq, a Swiss National Science Foudation, mais para pesquisa básica; e tem também uma agência, a KTI, que apoia mais pesquisa direcionada à indústria, em que metade [do financiamento] é pago pela indústria e a outra metade, pelo governo. Além dessas duas agências, para as quais você deve submeter projetos, pedindo dinheiro para essas pesquisas, tem também o dinheiro da própria ETH, que é dado para o professor. Esse dinheiro não possui vinculo com nenhum projeto de pesquisa específico; é dinheiro para a pesquisa criativa. Você pode ter ideias completamente mirabolantes, sem precisar prestar nenhuma conta no final. 

Mesmo sem um projeto de pesquisa anterior?
Mesmo sem apresentar projeto. Essa é a diferença, eles nem sabem o que irei fazer. Trata-se de um recurso que o professor tem garantido. A grande vantagem desse financiamento, sem ter o vínculo direto a nenhum tema, é você poder fazer pesquisa de risco. Uma desvantagem de quando você submete um projeto, é que você não pode, depois que o projeto foi aprovado, sair muito daquela linha proposta. Isso não existe no Brasil e nem nos Estados Unidos. Os americanos que visitam a ETH apreciam e elogiam esse fato de ter dinheiro para pesquisa criativa e de alto risco. Se uma ideia é muito arriscada, as chances do avaliador de pesquisa não aceitar o projeto é muito alta, pois achará que o risco é muito grande e não verá sentido em financiar a pesquisa, o que tem sua razão. 

Porém, por outro lado, tudo o que você for estudar for uma coisa mais ou menos aceitável como factível, você diminui a chance de ter, realmente, as tecnologias de ruptura, através da qual você tenta resolver um problema de maneira completamente nova. Não se trata de um dinheiro que irá para uma pesquisa que não é aplicada, mas sim um dinheiro que é investido para responder um pergunta que não seria respondida com projetos regulares.

SOBRE O ETH

Fundado em 1855, o ETH Zirique é considerado um dos principais centros de pesquisa tecnológica e ciências naturais do mundo. Atualmente, possui mais de 17 mil estudantes de aproximadamente 80 países. Desse tota, cerca de 3.700 são alunos de doutorado. O instituto conta ainda com mais de 400 professores nas áreas de engenharia, arquitetura, matemática, gestão e ciências sociais. A universidade federal também se gaba de ter abrigado até agora 21 prêmios Nobel, que passaram por lá como alunos ou pesquisadores, como o químico Kurt Wüthrich, premiado em 2002, e o físico Heinrich Rohrer, agraciado em 1986.

Um dos pontos de destaque do ETH é seu trabalho de transferência de tecnologia ao setor privado. Prova disso são as 80 patentes registradas a cada ano e as 240 spin-off criadas entre 1996 e 2011. Spin-off são novas empresas originadas a partir de grupos de pesquisas. Um dos objetivos do instituto é exatamente buscar soluções para problemas globais em matriz energética, gestão de risco, cidades do futuro, segurança alimentar e saúde. 

Luis Nassif

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