De volta ao Eldorado

 


Nelson e Vânia. Casal consciente de seu papel na sociedade

FOTOS: RAFAEL CUSATO

Ex-diretor técnico da Agência Nacional de Petróleo durante o segundo mandato do governo Lula (quando se regulamentou a extração de óleo e gás na camada pré-sal), Nelson Narciso Filho volta à iniciativa privada, torna-se presidente de uma empresa petrolífera brasileira e escolhe a Namíbia para fixar a sede da holding que atuará em todo o continente africano. Para ele “a África será o novo Eldorado

Quem vê aquele engenheiro mecânico e sua mulher Vânia – secretária executiva e assistente social – entrando ou saindo, sempre elegantes, do luxuoso edifício em que residem na Praia do Botafogo, no Rio de Janeiro, pode imaginar que o casal nasceu em berço de ouro. Ambos sorriem e respondem que o ouro de seus berços foi a educação que receberam dos pais, sempre preocupados com que os filhos estudassem e assumissem princípios humanistas e conduta ética. “Meu pai era calafate, uma função que não existe mais. Preparava o material para os soldadores na construção de navios, uma profissão para pessoas de pouca instrução”, revela o engenheiro. O pai de Vânia era motorista de táxi. Duas famílias humildes de Niterói que não pouparam esforços, pois sabiam que, quanto maior a luta, melhor o resultado na vida pessoal e profissional dos filhos. Casados, há 30 anos, Nelson e Vânia já concordavam, desde os tempos de namoro, que tanto a origem pobre quanto as dificuldades encontradas por serem negros numa sociedade que privilegia os brancos, não seriam desculpas para a acomodação. “Verificamos que nosso diferencial poderia estar na educação, no aprendizado, em definir objetivos e ir buscá-los. Estabelecemos metas e vimos que, pelo bom exemplo, podíamos ajudar as pessoas a fazer as coisas acontecerem. À medida que iam se realizando aquilo em que acreditávamos ser possível, dávamos força para que as outras pessoas acreditassem que elas também poderiam realizar”, afirma Nelson. Vânia acrescenta: “Estamos sempre abertos e dispostos a ajudar nossos irmãos e nossa comunidade. Acho que é dessa forma que contribuímos com a sociedade, com as outras pessoas e com a vida.”

 

Boa formação é fundamental
O fato de ser o country manager da multinacional sueco-suíça Asea Brown Boveri (ABB), na fábrica de equipamentos para perfuração e exploração de petróleo, em Osasco, na Grande São Paulo, não desviou o olhar de Nelson Narciso Filho das necessidades da juventude negra à sua volta. “Em l990, Vânia e eu conhecemos o Frei Davi, fundador da Educafro, que prepara estudantes, na maioria afrodescendentes, para ingressarem em universidades. Ele nos convidou para darmos, aos sábados, aulas de ética e cidadania. Dizíamos que não só deviam acreditar que seus sonhos eram possíveis, mas também vislumbrar as possibilidades. Um dia, lotamos dois ônibus com estudantes e os levamos à ABB. Profissionais das diversas áreas conversaram com eles dizendo o que era necessário para atuar em cada setor de uma empresa como aquela. Muitos jovens afirmaram: ‘Eu não sabia que isso existia’. Foi bastante gratificante.”

Graças a seu desempenho no Brasil, ele foi convidado a montar operação e presidir a empresa em Angola. “Um grande desafio pessoal e profissional – confessa o engenheiro -, pois tivemos que vivenciar uma cultura diferente, criar oportunidade de desenvolvimento, treinar e qualificar profissionais angolanos, uma vez que naquele país grande parte da mão de obra especializada no setor petrolífero era expatriada (estrangeiros).” Para Nelson, uma das grandes satisfações foi ser recebido em Angola com a frase: “Tu és nosso!”. Durante os seis anos em que permaneceram naquele país, enquanto ele cuidava dos negócios petrolíferos com o governo e empresas angolanas, Vânia participava de algumas frentes de atuação humanitária, como o Grupo da Amizade, formado na maioria por embaixatrizes cujos maridos estavam lotados em Angola, e que realiza projetos sociais tanto na área de educação quanto na de saúde para crianças, milhares delas soropositivas.

UMA MODERNA VISÃO DO ELDORADO
Durante a colonização espanhola da América Latina, no século 16, acreditava-se existir uma cidade cujas edificações eram de ouro maciço, chamada Eldorado, que despertou a cobiça dos invasores. Na modernidade, porém, o conceito está intimamente relacionado com desenvolvimento e ganhos mútuos. As empresas levam tecnologia e informação, mas têm o compromisso de qualificar e capacitar profissionais locais, além de promover o enriquecimento das nações nas quais estabelecem suas atividades. “A África pode ser e será o novo Eldorado em todos os aspectos. Acredito que Vânia e eu temos boas contribuições a lhes dar”, diz Nelson, afirmando, ainda, que o Brasil não sabe nada sobre a África: “Sempre mencionamos a história e ficamos no passado. A África contemporânea não é pesquisada e discutida.”

ANP e o retorno à África
Em 2006, a então ministra Dilma Roussef entrou em contato com Nelson, comentou ter ouvido boas coisas a seu respeito e que estava muito impressionada com a credibilidade de meu nome: “Quero convidá-lo a servir o nosso país, participando da diretoria da Agência Nacional de Petróleo (ANP)”. Depois de entrevistado pela própria ministra e sabatinado pelos 19 senadores da Comissão de Infraestrutura do Senado Federal, ele foi aprovado para o cargo, cujo mandato é de quatro anos, renovável por mais quatro. “Juntamente com outros quatro diretores, participei efetivamente da condução de todo o processo de regramento do pré-sal. Foi um momento muito importante para o País, por conta da redefinição de política regulatória e das decisões sobre a distribuição das riquezas advindas do petróleo e do gás”, explica Nelson.

Concluído seu mandato, apesar do bom reconhecimento da indústria petrolífera, do governo e da própria ANP, Nelson decidiu recusar o convite para a prorrogação. Ansiava retornar à iniciativa privada. “Surgiram propostas interessantes de trabalho em países do primeiro mundo. Mas a que mais me cativou foi da HRT Petróleo, uma companhia brasileira independente de exploração e produção de óleo. Fui convidado para ser o presidente da HRT África, estabelecendo uma empresa para funcionar como holding para o continente africano”, conta o engenheiro. A HRT já detinha cinco blocos exploratórios na Namíbia, um país pequeno no sudoeste da África, com aproximadamente dois milhões de habitantes. Ex-colônia da Alemanha, após a Segunda Guerra Mundial, a área foi anexada à África do Sul e só conquistou a independência em 1990. Ao visitar Windhoek (Vinduque), a capital do país, Nelson escolheu aquela cidade para estabelecer o escritório da empresa que preside, a fim de expandir as operações por toda a África. “Estamos indo para lá com a fé de que vamos fazer muita diferença naquele país”, afirma Nelson. Sobre as constantes mudanças, Vânia diz não se incomodar. “Sempre fui aberta para o novo. Conviver com outras culturas é um excelente desafio para a gente. Você tem que respeitá-las, a partir da sua. Trocar informações é sempre muito enriquecedor. Na Namíbia, primeiro quero me situar e depois ver o que pode ser feito.”

 

 

 

“UMA VEZ ME PERGUNTARAM COMO É SER O ÚNICO NEGRO EM UMA EMPRESA, ONDE TODOS OS DIRETORES E GERENTES SÃO BRANCOS. MAIS QUE O ÚNICO DIFERENTE, EU QUERO FAZER A DIFERENÇA ENTRE ELES. E ME ESFORÇO MUITO PARA QUE ACONTEÇA”

 

Black Economic Empowerment
Vários investidores conservadores temem o chamado Black Economic Empowerment (Empoderamento econômico negro), meta efetiva estabelecida pelos países africanos de tomar conta das próprias riquezas e serem os responsáveis por todo o processo exploratório de petróleo e demais minérios de seus solos. “A esses respondo que sou integralmente a favor. Há 30 anos, quando comecei a trabalhar em multinacionais, os diretores de operação, de engenharia, os gerentes financeiros eram todos expatriados. Nós fizemos um grande esforço para mudar essa situação. Nisso a Petrobras teve um papel fundamental, e o governo criou políticas no sentido de que cada vez mais brasileiros tivessem como se preparar para tomar conta das operações. A recíproca deve ser verdadeira. O que não pode acontecer é que num negócio de alto risco, como é o do petróleo, de elevadíssimo custo e de senso de urgência extraordinário, haja improvisação. Para ocupar os cargos as pessoas têm de se capacitar. E é nossa responsabilidade, ajudá-los nessa capacitação.” Para o presidente da HRT África, a promoção do Black Impowerment é necessária não só por se tratarem de pessoas ‘black’, mas por serem profissionais. “Acabou o tempo da exploração pela exploração, do colonialismo. O recurso pertence a eles, que não têm a capacidade de extraí-los. Nós ganhamos muito para ajudá-los a aprender. Esse meio campo, essa troca é o que faz do nosso trabalho importante. Não é assistencialismo. É business, e todos devem ter seus interesses bem definidos.”



Vânia: “Conviver com outras culturas é um excelente desa o para a gente”


A mais bela criação divina

Nelson e Vânia já definiram limites para as empreitadas no Continente africano e também em suas vidas pessoais. São cosmopolitas sim, mas dentro de mais alguns anos ele pretende encerrar o trabalho formal e, no máximo, criar uma empresa de consultoria nesse setor, se estabelecendo no Brasil. “Montamos esse apartamento no Rio para ser nosso porto seguro. Queremos envelhecer, olhando para a Baía da Guanabara. Um amigo meu diz: ‘Deus criou o mundo em seis dias e, no sétimo, sentou aqui na tua sala e ficou apreciando a bela obra que ele criou’. Eu quero me sentar no meio da sala e apreciar também essa obra divina”, comenta o engenheiro, rindo muito. Consciente de seu papel, principalmente em relação à sua comunidade, Nelson comenta que não se trata de só chegar lá em cima, “pois isso você consegue até com um chute na bunda”. A questão é: como se manter por cima. “Uma vez me perguntaram como é ser o único negro em uma empresa, onde todos os diretores e gerentes são brancos. Mais que o único diferente, eu quero fazer a diferença entre eles. E me esforço muito para que aconteça. É isso que temos de repassar à nossa juventude. Admiro demais aqueles que fazem qualquer tipo de trabalho, em especial na área da educação, para que nós não sejamos mais os únicos”, ensina. Essa é a razão pela qual Nelson Narciso mantém contato permanente com jovens em várias partes do mundo. “Não se trata de impor nossa maneira de pensar, nem o caminho a ser trilhado, mas sim de trocar conhecimentos.” Vânia comenta que, dessa forma, aos 55 anos, com 35 de trabalho, ele ajuda a resgatar a tradição das culturas negras em que os jovens procuram a sabedoria nos mais velhos, que em Angola são chamados de ‘cota’, e ressalta que essa rede tem ajudado os jovens na busca de referências positivas para também se realizarem em vários campos, inclusive na política.

Luis Nassif

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