Memórias Póstumas de Alan Mathison Turing

O texto a seguir foi publicado no blog Luis Nassif Online em 24/06/2011. Pela vontade de trazer de volta a discussão, bem atual, e como não havia registrado aqui em meu blog , segue abaixo.

 

Conhecimento, Intolerância e o Pai da Ciência da Computação


Nasci em Londres, em 23 de junho de 1912, numa família de classe média alta. Minha infância foi tradicional, brinquei, estudei e tive os cuidados de minha amável família. Minha mãe diz que cresci tímido, temperamental – às vezes melancólico, outras vivaz – e muito fascinado pelo conhecimento. Mas qual mãe não diria isso de seu filho?

Fui percorrendo minha adolescência sem muitos percalços, apenas algumas descobertas. Percebi especialmente que gostava muito de um rapaz amigo meu, Christopher Morcom, que veio a falecer em 1930. Puxa, essa perda foi difícil para mim…

Como gostava muito de estudar, fui logo parar no King’s College, na Cambridge University. Matemática era muito divertido e eu gostava bastante de Lógica. Tanto que em 1936 foi publicado um trabalho com minha definição de Computação e com os limites do que poderia ser computável. Nós ainda não tínhamos esta máquina que hoje todos chamam de computador, mas eu tinha impressão que não seria difícil construí-la. Talvez então por esse trabalho, as pessoas têm dito por aí que fundei a Ciência da Computação.

Fui convidado em seguida a trabalhar em Princeton, nos EUA. Foi um período muito proveitoso, mas já em 1938 voltei para Londres, sentia saudades da comida da minha mãe. Logo que cheguei, fui recrutado em Bletchley Park, o quartel general das comunicações do governo britânico. A Segunda Guerra Mundial tinha se tornado realidade. Trabalhei ali de 1939 a 1945, onde fui responsável especialmente pela decifragem dos códigos transmitidos pela máquina Enigma da Alemanha nazista e tive contato com a mais moderna tecnologia eletrônica da época. Até cheguei a construir um computador depois disso, mas como ainda tinha de trabalhar em segredo, não consegui rivalizar com os americanos e meus esforços não foram reconhecidos.

Além da Lógica Matemática, da Criptologia e da Eletrônica, também investiguei as conexões entre as capacidades de computação e do cérebro. Por essas investigações, também fiquei conhecido como um dos precursores da Inteligência Artificial.

Em 1948 mudei-me para Manchester e fui trabalhar na construção de programas para computadores na Manchester University. Mas me mantive um livre pensador, trabalhando ecleticamente em diversas áreas. Em 1950 escrevi um artigo que, todos dizem, construiu a fundamentação da Inteligência Artificial. Em 1952, apliquei também a Matemática à Biologia e obtive resultados interessantes em morfogênese. Eu estava trabalhando muito, sentia-me bem e muito entusiasmado.

Mas um acontecimento me tomou de surpresa neste ano de 1952. Como já lhes contei, eu tinha meus gostos, minhas inclinações sexuais, e estava apaixonado por um rapaz aqui de Manchester. Nossa relação era como de qualquer outro casal, andávamos nos parques da cidade de mãos dadas, parávamos nos cafés e trocávamos carinhos, às vezes nos detínhamos e nos beijávamos docemente. Nosso desejo se traduzia como o de qualquer par apaixonado, em relações sexuais ternas e saudáveis. No entanto, numa manhã de 1952, fui preso, acusado de comportamento público impróprio, ou melhor, de atos de indecência nojenta, como me disseram enquanto me arrastavam para fora de casa. Para evitar anos de cadeia, aceitei um tratamento com hormônios femininos, isto é, uma tentativa de castração química. Foi engraçado, o tratamento me fez crescerem os seios. Fui demitido de alguns postos e já não podia mais trabalhar com os segredos de Estado e com criptoanálise. Felizmente, não conseguiram refrear meu comportamento libertário e continuei estudando, pesquisando e me aventurando em outras áreas como a Física.

Antes de completar meus 42 anos, mais precisamente em 7 de junho de 1954, aconteceu o que eles esperavam. Fui morto, envenenado por cianeto. Algumas pessoas têm dito que cometi suicídio, mas eu não me importo, acho até que essa poderia ter sido a saída, porque aqueles últimos anos foram um pouco difíceis para mim. Puxa, meus trabalhos estavam indo tão bem, eu tinha tantas idéias.

Fico imaginando daqui do Além que, com um pouco de conhecimento, a sociedade que me levou à morte poderia facilmente ter me poupado. É fácil verificar, mesmo naquela época sem o Google, que não existem relatos de civilizações que não façam referência ao homossexualismo. Também, os trabalhos de Hamilton em 1914 e de Kempf em 1917, entre outros, são ricos em apresentar interações homossexuais entre as mais diversas espécies animais: ratos, coelhos, porcos-espinhos, cães, gatos, cabritos, bois, porcos, antílopes, carneiros, macacos e até leões. É, talvez meu comportamento não seja assim tão antinatural como queriam me fazer pensar o governo britânico, as autoridades religiosas e a sociedade em geral. Com um pouco mais de lucidez e informação, talvez com um kit anti-homofobia distribuído pelo Ministério da Educação da Inglaterra aos estudantes do segundo grau – aqueles que seriam a próxima geração pensante -, eu pudesse ter tido um pouco mais de vida e talvez tivesse contribuído ainda mais com a Ciência. Por fim, ainda reflito sobre quantas pessoas como eu ainda serão mortas até que o conhecimento redima a raça humana. Espero que não muito mais, porque já se passaram quase 60 anos da minha morte.

Com a esperança de nos vermos em breve, despeço-me.


Alan Mathison Turing

Redação

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