Marco regulatório para a nanotecnologia

Do Brasilianas.org

Nanotecnologia precisa de marco regulatório

Por Murilo Roncolato 

O Nobel de Física de 2007 foi vencido por dois físicos: o francês Albert Fert e o alemão Peter Grünberg. Foram condecorados por terem descoberto os efeitos da magnetorresistência gigante, efeito útil para estruturas de armazenamento de dados, caso dos discos rígidos de computadores, que graças à descoberta superaram o limite de gigabytes.

Peça chave nessa pesquisa, desenvolvida em 1988, e aplicada em 1997, foi um brasileiro de Rio Grande do Sul chamado Mario Baibich, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) cedido ao Ministério de Ciência e Tecnologia onde ocupa o cargo de coordenador de micro e nanotecnologia.

Baibich aposta suas fichas na nanotecnologia e mostra-se seguro ao afirmar que ela será “certamente o fator determinante para desenvolver o país”. Não deixa de cutucar os baixos investimentos e o lento progresso – há cerca de 150 empresas no Brasil trabalhando com a tecnologia –, principalmente quando compara o país com a Rússia, maior investidor individual em nanotecnologia do mundo. Por fim, critica a falta de cultura em inovação existente em parte da classe empresarial do país. “O sujeito prefere pagar licença de uma régua a investir em normas formas de fabricá-la”

Confira a entrevista:

DinDinheiro Vivo (DV)- Quais são as ações específicas do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) para a área de nanotecnologia?

Mario Baibich (MB) – O MCT tem um papel importante porque ele fomenta a nanociência no Brasil e dá condições para que ela se desenvolva. A gente tem diversos programas, por exemplo: para fomentar a pesquisa nós temos o incentivo a projetos de pesquisa para pesquisadores individuais; incentivo para ampliar as relações entre institutos de ciência e tecnologia (ICTs) e empresas; e manutenção dos laboratórios estratégicos. O fomento é o instrumento mais eficaz que a gente tem para trabalhar com nanotecnologia. Por exemplo, a China já tem acordo de intercâmbio com o Brasil, ou seja, entre governos; aí nós abrimos o edital e os pesquisadores se apresentam e vão.

DV – Você participou das pesquisas que resultaram na descoberta da magnetorresistência gigante, processo que requisitou uso de nanotecnologia, em 1988 com o cientista que acabou levando o Nobel em 2007, Albert Fert. Em uma entrevista o senhor disse que voltou muito eufórico para o Brasil, mas encontrou dificuldades em prosseguir com a pesquisa por causa da falsa de aparato tecnológico e falta de interesse dos institutos brasileiros em investir. Essas dificuldades ainda são enfrentadas por cientistas aqui?

MB – Isso já mudou. Há seis laboratórios estratégicos que nos ajudam a fazer o que outros fazem lá fora em boa medida. Não tudo, mas muita coisa. São eles:

– CETENE – Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (Recife-PE)
– Lateo – Laboratório de Nanometrologia Teórica do Inmetro (Rio de Janeiro – RJ)
– CBPF – Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (Rio de Janeiro – RJ)
– Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio – Embrapa (São Carlos – SP)
– Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (Campinas – SP)
– LRNANO – Laboratório Regional de Nanotecnologia (Porto Alegre – RS) – onde faltam acertar algumas coisas ainda

A gente está com acordo de cooperação para esse tipo de coisa. O Brasil mudou muito nos últimos anos em termos de equipamentos e laboratórios instalados. Em termos qualitativos a nanociência é muito destacada. O Brasil produz 3% o que se produz no mundo de nanotecnologia; se for olhar para patentes, o número é ridículo, nós estamos criando o conhecimento, mas não estamos patenteando o uso desse conhecimento e isso tem efeitos devastadores, porque aí qualquer um pode usá-la de graça. Isso não significa que a gente tem reduzido o numero de publicações. O que o governo faz em relação a isso? Está dando incentivo para esse patenteamento? Nós estamos com um projeto, ainda não finalizado, para fazer um concurso, entre as empresas incubadas, das melhores patentes. A gente financiaria a parte internacional. A idéia é popularizar a noção de patente. Mas só isso não qualifica o desenvolvimento da nanotecnologia no Brasil. Em termos de número de empresas, há três anos eram 30 empresas com contato conosco; hoje são cerca de 150 mexendo de alguma forma com isso: vendendo, produzindo, usando, negociando.

A nanotecnologia no Brasil está crescendo e bastante, mas nós começamos de um patamar muito baixo. Disco rígido é nanotecnologia. Nós não contabilizados a Samsung com nano porque eles importam, eles só fazem a montagem aqui. Não vendem como sendo um produto nacional, porque não é isso que a gente entende como “utilizadores”, estes seriam os sujeitos que usam soluções de preferência brasileira. Nanotecnologia só vai existir se tivermos a indústria produzindo alguma coisa. A gente precisa que a indústria assuma a responsabilidade para si mais diretamente.

DV – Existe também uma falta de informação generalizada nessa questão. Inclusive porque envolve problemas relacionadas à segurança dos produtos.  

MB – Nós tomamos uma decisão há muito tempo: deveríamos fazer um laboratório de nanometrologia (medidas). O Brasil tem que ter padrão para as coisas nanométricas senão eu não posso dizer que o produto é nano ou não. Isso é uma das coisas importantes que a gente teve. O problema é que nano não tem uma legislação específica, mas isso faz com que aconteçam coisas como aconteceu na Alemanha, dizendo que o produto era nano, mas na verdade era simplesmente tóxico. Aí tem que provar que não é tóxico, que não é nocivo, que todo produto novo tem que ser testado para entrar no mercado. Protetor solar, não importa a tecnologia, etc.

DV – Além de laboratório especializados, o que mais falta?  

MB – Falta marco regulatório e a gente tem um fórum de competitividade de nanotecnologia instalado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Lá se fizeram quatro grupos: mercado, marco regulatório, cooperação internacional e recursos humanos. Esses grupos de trabalho estão analisando a questão do marco regulatório, que é de suma importância, justamente para evitar esse tipo de coisa que “a nanotecnologia é uma maravilha e serve para tudo”. Não é verdade. E nem que ela seja uma porcaria. O marco tem que dar uma referência. É bom que tenha essa certeza que vai ser aprovado antes de se investir pesado no negócio. Eu acho que se poderia investir muito mais, tem espaço para isso.

Eu diria que as barreiras não são apenas da nanotecnologia: educação, cultura da inovação, etc. Cada vez mais se criam num ambiente de tecnologia, incentivos para inovação, mas as coisas andam muito devagar por causa da cultura do empresariado brasileiro. O sujeito prefere pagar licença de uma régua a investir em normas formas de fabricá-la por conta.

DV – Falta uma visão empresarial voltada um pouco mais para o futuro em sua opinião?

MB – Há a possibilidade de desenvolver tecnologias que tornem obsoletas a utilização de réguas. O telefone daqui alguns anos morrerá. O fax e o telex, por exemplo, já morreram.

Eu te falei que são 100 empresas mexendo com nanotecnologia. Isso diante do total no Brasil é nada. Tinha que ser 10%, 30% fazendo pesquisas em nanotecnologia. Nós teríamos de fato uma revolução. Coréia do Sul, por exemplo, investe pesado em P&D e eles eram ninguém há 20 anos. A Coréia é um país top em nano; a Rússia também. Ela investe muito pesado em nano e é o maior investidor individual em nano no mundo, praticamente o mesmo que os países de toda a União Européia somados. Por quê? Porque o governo russo, que tem todo o poderio científico herdado da URSS, encontra estrutura e recursos para fomentar a nanotecnologia.

Eles fizeram uma análise do potencial e onde apostar, e venceu a nanotecnologia. Se olhar o número de trabalhos publicados, patentes, o Brasil está na frente deles. A Rússia tem investimento pesado em longo prazo. A Coréia foi uma coisa parecida, mas com participação da indústria, não só do governo. A coisa se mexe muito em volume de investimentos e cultura. A gente está brigando para que essa cultura de inovação chegue às empresas. Fazer uma patente não garante que em 20 anos o sujeito terá uso exclusivo dela, mas garante a dianteira.

Firmas brasileiras investiram alguma coisa sabiam que ia ser copiado e eles tomaram a frente em dois ou três anos para produzir e se estabelecer, usaram como mola propulsora.

DV – E como estamos com pessoal? A formação dos nossos pesquisadores tem qualidade?

MB – Nós vamos bater em problemas de recursos humanos, formação. Vai ser o mesmo que a falta de engenheiros que temos hoje em dia. Hoje tem firmas contratando nos países vizinhos porque no Brasil não tem. A gente está com um número bem significativo de pesquisadores e alunos de pós-graduação, mais de 2.000 (alunos) relacionados com nanotecnologia. São por volta de 1.300 (professores de universidades, centros de pesquisa) que fazem nanotecnologia, que estão produzindo conhecimento nessa área.

São números razoáveis, mas que se tivesse uma presença mais forte da indústria nessa área a gente teria uma necessidade, aumentaria a demanda e esses 2000 não seriam suficientes. Nós não queremos fazer o mesmo com microscopia eletrônica no Brasil, há mais equipamento do que técnicos, gente que sabe de fato utilizar aquilo lá. A longo prazo nós temos, basicamente, a formação de recursos humanos, manutenção de laboratórios estratégicos, mas a gente depende muito de verba, são seis em diversas fases de instalações (prontos, funcionando tem quatro), além do fomento em P&D.

DV – Se não há marco regulatório então não existe nenhum plano de governo focado para o setor?

MB – Em 2003, foi feito um Programa Nacional de Nanotecnologia, mas que vai ser revisado. São coisas que a gente propôs, mas não foram absorvidas como plano de governo. Nós tínhamos que passar por uma série de etapas que acabaram não acontecendo. Era esperado que esse novo plano fosse debatido na 4ª Conferência de Ciência, Tecnologia e Inovação, feito com a participação da sociedade e da comunidade cientifica. Mas lá focou-se na análise política da situação da nanotecnologia no Brasil e não na construção de um movimento novo. Não houve tempo hábil para entrar no assunto de nanociência e nanotecnologia da forma como gostaríamos. O que vamos fazer agora? Escrever o programa e submeter à comunidade para aprovação. Pretende-se consolidar o que vem sendo feito: aumentar o número de laboratórios estratégicos, aproveitar a grande capacidade já instalada, há que se aproveitar essa estrutura, tem que fazer funcionar. O que a gente quer é que, como resultado desse estudo que foi feito, sejam votadas coisas como um marco regulatório para nanotecnologia no Brasil, que a responsabilidade pela fiscalização do setor seja mais equilibrada. Nano não entrou nas outras conferências porque já era designado como área estratégica. As outras reuniões focaram outras coisas; foram importantes para absorver a idéia básica, mas agora temos que colocar na pauta até 2022, como se fosse um plano de metas. Trabalhamos com projeções, num crescendo. Esse ano, pelo menos nesse sentido, está melhor do que ano passado.

DV – Então apesar de tudo, o senhor enxerga melhoras. Está satisfeito?

MB – Sim e não. Eu digo que sim porque a gente conseguiu uma porção de coisas, tem produtos no mercado feitos com a cadeia total (tipo o protetor solar, genuinamente brasileiro que começou com um projeto de laboratório, IOLABIS, empresa que produziu fator 100). Nanofármacos são mais complicados pela certificação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que é mais complicada do que a certificação de um cosmético, mas é muito parecida a produção. Pela nanotecnologia é possível reduzir efeitos colaterais. Isso prova que a gente tem capacidade para fazer esse tipo de coisa.

Esbarramos em coisas práticas muito difíceis no Brasil. Tipo animais para laboratório, qualidade tem que ser controlada, no Brasil a coisa é complicada até convencer que aquele ratinho tem que ser importado porque foi criado em tais e tais condições e que a gente não tem isso no Brasil, tem só em alguns lugares, mas não é um processo simples, etc, vai tempo. Eu estou satisfeito com tudo o que se faz no Brasil, mas eu acho que dá pra fazer muito mais. Falta investimento por parte das empresas. Se assim fosse, o quinhão dedicado à pesquisa seria maior e a gente cresceria nesse sentido. A nanotecnologia pode certamente ser o fator determinante para desenvolver o país. 

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador