A agonia da Vila Mimosa, a herdeira do mangue, por Alexandre Coslei

Ana Gabriela Sales
Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.
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Foto: Fabiano Rocha (arquivo) / Extra

A agonia da Vila Mimosa, a herdeira do mangue

por Alexandre Coslei

Pouco há para se falar sobre a Vila Mimosa que já não tenha sido dito. Com certeza, é a zona de meretrício mais conhecida do Brasil. Depois de escapar da suposta desapropriação, prevista para dar passagem ao quimérico trem-bala, o que podemos dizer que pareça novidade? Acredite, desde o final de 2017 a Vila Mimosa agoniza.

A Rua Ceará, principal acesso à Vila Mimosa, era um beco interrompido por um ramal de trem, o que fazia da zona um tipo de ilha da luxúria, onde somente náufragos desembarcavam. Em 2014, com a abertura da via permitindo a circulação de carros a São Cristóvão, deixou de ser ilha, virou ponto de passagem e escape do trânsito oriundo do Centro da Cidade. Houve a expectativa de que, aberta ao fluxo de veículos, a Rua Ceará traria ainda mais lucro ao comércio dos arredores. Não levaram em conta que a Vila Mimosa se tornou indiscreta. No mesmo ano, com a proximidade da Copa do Mundo no Brasil, foi esboçado um projeto de revitalização da zona que contemplava a Cidade das Meninas e o Museu do Sexo, uma proposta da AMOCAVIM (Associação de moradores do condomínio e amigos da Vila Mimosa). A inciativa buscava aporte de 4 milhões, orçamento que faria do sonho uma realidade surpreendente. A reforma substituiria os contornos insalubres do local por traços inspirados na obra de Niemeyer. Nada aconteceu.

Até 2015, essa boêmia região carioca, localizada entre a Praça da Bandeira e o bairro de São Cristóvão, contava com 150 comerciantes movimentando cerca de 1 milhão por mês. O interior da zona abrigava, em média, 3.500 garotas de programa com faturamento individual de 700 reais por dia trabalhado e somava mais de 4.000 visitas diariamente. Muito além de uma área vulgar de prostituição, a Vila Mimosa se revelou um fenômeno empresarial. Alguém que caminhasse sobre os paralelepípedos da Rua Sotero Reis, onde fica a Vila, encontrava uma atmosfera de festa diuturna, uma orgia perpétua. Enraizada num ponto central do município do Rio de Janeiro, avistá-la era como vislumbrar uma nação idealizada pelo Marquês de Sade.

Em 2017, o cenário mudou…

Explicar as tantas razões do declínio dos bordeis e estabelecimentos comerciais que formam a Vila Mimosa é como desvendar a aura de mistério contida num livro de Agatha Christie. O assassino pode ser um único personagem ou vários deles, articulados numa conspiração insana. Estamos no Rio de Janeiro, um Estado falido, funcionários públicos com salários em atraso; existe a violência crescente e a Vila Mimosa está próxima à comunidade da Mangueira, um dos focos de terror na cidade; o valor atual de um programa na Vila gira na cifra de 70 reais, o que afasta a massa popular dos trabalhadores de baixa renda que a frequentavam; há um serviço de segurança extremamente truculento no interior da zona, não é raro ver clientes e meninas sendo agredidos ou ouvir algum tiro disparado a esmo. Um conjunto de fatores que indicam o óbvio: a má administração.

Gabriela Leite, ativista pelos direitos das prostitutas que trabalhou na Vila Mimosa, ficaria desolada ao constatar que grande parte das meninas estão migrando para se exporem à periculosidade da Av. Francisco Eugênio, em São Cristóvão. Solitárias ou reunidas nas calçadas, arriscam-se pela liberdade de se autogerenciarem e por condições que a zona não mais oferece. Gabriela faleceu em 2013 e não precisou testemunhar a penúria e o abandono do lugar que amava.

Passaram-se três anos da Copa de 2015, a Vila Mimosa continua insalubre: a rua em que se localiza é um esgoto a céu aberto, nenhum projeto de reurbanização foi concretizado, sujeitos que afirmam preservar a segurança do local impõem medo, houve evasão significativa das mulheres que trabalhavam ali, estima-se que o faturamento despencou em 30% e prossegue caindo, há consumo visível de drogas, estabelecimentos fecharam e outros tentam sobreviver sem elaborar qualquer estratégia de recuperação.

Movimentos sociais que se intitulam como defensores das profissionais do sexo criticam aqueles que denunciam as condições precárias de trabalho, alegam que essas denúncias podem levar à intervenção do Estado. A zona nos faz lembrar uma mina de ouro que foi explorada à exaustão do solo, ninguém se preocupou em fazê-la sustentável. Quando houve preocupação, não agiram. Vão restando fantasmas. Nelson Rodrigues e Manuel Bandeira, antigos frequentadores dos tempos do Mangue, ficariam indignados. A morte da zona é um pouco a morte da poesia.

Enquanto a Vila Mimosa segue moribunda, o vizinho frigorífico prospera e vai abocanhando tudo ao redor. A zona, que tem caráter socialista, ainda resiste cambaleante ao avanço do capital privado. Difícil será resistir a todos os sanguessugas que querem desossá-la antes do último suspiro, tal qual o Congresso de uma República das Bananas.

 

Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

8 Comentários

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  1. Que conversa é essa de

    Que conversa é essa de “caráter socialista”?! A prostituição existe em todos os sistemas e regimes, e sempre significando opressão e exploração brutais (com raríssimas exceções)! Nunca ouvi falar de puta nenhuma que sonhava em ser profissional do sexo desde moça.

    “Poesia”…pfff! É isso que picha!

    1. Estranhei muito também!

      Negócio de associar a zona com socialismo é delírio dos brabos, mais ainda falar em “avanço do capital privado”. Pode querer glamourizar a prostituição que há na Vila Mimosa, mas ela sempre será opressão, exploração e desrespeito à mulher. Se não fosse assim as mulheres de lá não estaria sainda da Vila pra ir pra (mais perigosa e exploradora ainda) prostituição de rua nas redondezas.

  2. Frequentei muito a zona.
    Frequentei muito a zona. Comecei aos 14 anos.
    Mas era a antiga zona, na Rua Pinto de Azevedo e Pereira Franco, as principais ruas do puteiro do Brasil.
    Quando arrumava um dinheiro estava lá, sexta, sábado e Domingo. Era uma festa só. Na época nem se imaginava a violência de hoje.

    Foi desapropriada para dá lugar à estações do Metrô do Estácio, o prédio da prefeitura,o Piranhão e o prédio dos Correios.

    Eram várias ruas de puteiro, madame Satã frequentava essa região.

    Na época da construção do metrô, a zona ficava lotada de gente, de tudo que é tipo.

    Na zona, eu muitos da minha geração iníciamos a nossa fase de saliência.

    Prostituição e camelô acompanham à humanidade. Na Bíblia tem relato de prostituição e vendilhões do Templo(os camelôs) da época.

    A zona vai agonizar mas não vai morrer, vai para outro lugar

  3. Para cada pé doente
     

    Um pé de chinelo.

    A quem acha romântica uma zona de meretrício a gente respeita sem entender.

    Que se lamentem os envolvidos por suas perdas e proveitos, lá neles.

     

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