A orquídea verde-amarela, por Aracy Balbani

por Aracy Balbani

A Casa de Marthe (La Maison de Marthe) é uma ONG fundada em Quebec em 2006 por Rose Dufour, antropóloga canadense pesquisadora de saúde pública. A entidade é dedicada a ajudar mulheres que desejem se libertar definitivamente da prostituição. Ela busca suprir uma lacuna das políticas públicas, as quais apoiam vítimas de violência sexual, mas não eliminam as condições sociais que levam pessoas a se prostituírem. Dufour aponta a prostituição como “um fenômeno social que, no momento, é ignorado e está ausente das políticas orçamentárias governamentais”.

O emblema da Casa de Marthe é a orquídea, flor escolhida por Rose Dufour como “a mais bela das belas” para representar as mulheres que recorrem ao trabalho da equipe. A maioria das prostitutas atendidas foi vítima de abuso sexual na infância. Nas palavras da fundadora da Casa, elas lhe revelaram o “esplendor da dignidade do ser humano”, “o que o humano tem de mais belo, maior, mais nobre e mais puro. Como essas mulheres, a orquídea é às vezes frágil e muito robusta, e sobrevive em condições que seriam insuportáveis para outros. Diante dos esforços, da coragem e da determinação dessas mulheres, temos obrigação social e moral de lhes dar o que elas jamais tiveram: nosso respeito, nossa confiança na capacidade delas e, sobretudo, ajuda”.

A filosofia da instituição é acolher e escutar as mulheres que se prostituem, mobilizá-las para mudar essa realidade e intervir para sensibilizar a coletividade em torno dessas mulheres. Segundo Dufour, “não há felicidade maior do que permitir que alguém realize seu sonho, sua natureza mais profunda, sua fibra de dignidade que ninguém pode destruir”.

Para quem deseja saber mais sobre a biografia de Rose Dufour e a Casa de Marthe, recomendo a reportagem do Téléjournal, feita em 2010, e o excelente programa Second Regard, de Alain Crevier e Denis Roberge, de 2015, ambos da Rádio Canada e disponíveis na Internet com áudio em francês. Será ótimo se pudermos transcrever ou legendar as reportagens em português brasileiro para divulgá-las. É impossível permanecer indiferente à personalidade marcante dessa senhora de brilhantes olhos cerúleos. Seu testemunho franco, firme e sereno enriquece o tão necessário debate sobre sexualidade e prostituição no contexto dos direitos humanos.

O Brasil atravessa tempos sombrios de explosão do desemprego e da pobreza; de ameaça aos direitos individuais e ao funcionamento dos serviços públicos de saúde e proteção social. É previsível o agravamento do drama da prostituição, inclusive a infantil. Consequentemente, as pessoas que se prostituem poderão ficar ainda mais vulneráveis às doenças sexualmente transmissíveis e às várias formas de violência.

Tanto no sentido exato da prostituição quanto na metáfora, já que muitos falsos moralistas se escandalizaram com o sociólogo Jessé Souza e o geólogo Guilherme Estrella por eles rememorarem o alerta contido nos versos de Cazuza (“transformam um país inteiro num puteiro, pois assim se ganha mais dinheiro”), a mensagem de esperança de Rose Dufour é relevante para os brasileiros. É um antídoto contra a insensatez de rotular como “lixo humano” as pessoas abandonadas pela nossa sociedade.

Que ninguém se iluda com a possibilidade de desprezar a dignidade humana que reside em cada um de nós, brasileiros. Os preconceituosos e arrogantes que tentam sufocar as valentes orquídeas verde-amarelas podem ser surpreendidos pelo desabrochar – esse sim espontâneo e vigoroso – de uma primavera cívica nacional.

Redação

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