O dia de finados para o Candomblé, por Matê da Luz

por Matê da Luz

Sou umbandista, todo mundo aqui deve saber. Estudo bastante, gosto de praticar minha religiosidade no dia a dia e, enfim, a cada ano que passa aprendo um tanto mais sobre os diferentes rituais que envolvem as linhas com as quais trabalho. De um tempo pra cá, tenho lido e vivenciado um tanto de situações e energias do Candomblé, seja por estar experimentando a umbanda em carreira solo e confiar muito numa mãe de santo que é desta outra vertente das religiões afro, seja por achar tudo tão lindo quando se trata de Orixá que sinto que a caminhada para esta nova portinha vai ser natural e, quem sabe, mais rápida do que eu pensava. 

Daí que tanto pros umbandistas quanto pra quem va no candomblé, o dia de finados é uma data um pouco sensível e que pode se tornar complicada. “Muita gente chamando as almas, filha, se protege que você é de Iansã”. Iansã é uma orixá incrível e toda curiosa que, veja bem, acaba se metendo no enredo de todos os outros orixás. Quem é de Iansã tem que se cuidar nos tempos de finados porque ela “carrega os mortos” com Omulu, o verdadeiro dono dos cemitérios. E, mesmo que você não seja de santo, concorde comigo: em muitas famílias as pessoas que já se foram são lembradas somente do dia 02 de Novembro, e não necessariamente da maneira correta. 

Para as religiões que se interligam com o espiritismo e, então, acreditam na continuidade da vida, chorar a passagem de uma alma pode se tornar um fardo pra quem foi. Porque a dor, a revolta, os sentimentos mundanos acabam “segurando” estas almas por aqui e, veja bem, nem sempre quem foi tem compreensão do que aconteceu – numa matemática simples, quanto mais a gente emana dor e sofrimento por alguém que morreu ao invés de agradecer a convivência e emanar que a passagem seja tranquila, mais a alma da pessoa pode ficar ligada aqui. Culturalmente falando, somos todos católicos e, portanto, choramos e nos ressentimos na maior parte das mortes. Tente imaginar como fica o mundo invisível no dia 02… com um tanto de gente chorando, lamentando e dando atenção àqueles mortos tão pontualmente. 

A umbanda sugere celebrar a morte como oportunidade de evolução que simplesmente continua e, assim, quando a gente sente saudade ou falta da pessoa, pode se conectar com ela de forma amorosa, não dolorida. Confesso que tem gente que consegue fazer isso muito bem, como a apresentadora Cissa Guimarães, pessoa que admiro e me espelho bastante – ela perdeu um filho, quer prova mais forte de vivenciar o amor?

Para o candomblé, compartilho aqui o texto que recebi de um amigo, tão lindo que me fez repensar questões de hereditariedade, amor e mais amor ainda:

“Oh! Morte, morte o levou consigo, ele partiu! Levantem-se! Dancem! Nós o saudamos, Adeus! “
 
A MORTE PARA O POVO DE SANTO 
 
O povo ioruba acredita que a morte não é o fim da vida. Eles acreditam que exista um outro mundo paralelo ao nosso. A morte para eles não representa o fim da vida terrestre e sim um prolongamento da vida além túmulo.
 
 Este mundo para o povo ioruba é chamado de Orun o mesmo é dividido em 9 partes. Este local para eles é o domínio dos seus ancestrais. A morte para o ioruba não é a extinção da vida terrestre, mas uma mudança de vida para outra. 
 
Seus antepassados ou ancestrais são chamados de Òkù Òrun e Àgbagbà, ou ainda tem um outro título chamado de Èsa, usado para reverenciar um ancestral por parte religiosa Lesè Òrìsà  – Culto aos Orixás .
 
O povo ioruba tem por costume cultuar seus antepassados ou ancestrais para ter o merecimento de culto, somente aqueles que faleceram em uma idade avançada, salvos algumas restrições de nascimento, e que tiveram um trabalho de boa qualidade perante a sociedade, deixado bons filhos, tendo sido uma pessoa de boa índole. Para o ioruba um casamento sem filhos não é uma boa forma de ter vivido ou seja um mal negocio. 
 
Para eles existe um sistema de valores que tem 3 partes: 
1- OWO ( Dinheiro), 
2- OMO ( Filhos) 
3- ÀÍKÙ ( Vida longa ). 
 
A vida longa para eles é a mais importante porque pode proporcionar o alcance das outras duas partes. 
 
São estes valores e toda linhagem de gerações passadas que, se transformam para os seus familiares o direito de ser cultuado como antepassado ou ancestral. 
 
Os ancestrais quando chegam ao Orun, são recebidos pelos seus antecessores acolhendo e encaminhando, fazendo-os se desprenderem dos bens materiais. Sendo, este que faleceu pertencente ao culto dos Orixás, só poder se desprender de todo bem material deixado na terra depois do asese.
 
Feita esta obrigação, este ancestral poderá se desprender das coisas matérias e encontrar os seus ancestrais que já se encontram no Orun, os mesmos ajudam encaminhando para um lugar de luz, fazendo com que ele ganhe grau espiritual para poder ajudar seus familiares que deixou na terra. 
 
Quando falamos a palavra culto damos a conotação de homenagem aos espírito, assim podemos entender melhor o que falamos. Feito as obrigações do ritual fúnebre, o espírito se desprende de tudo que deixou na terra e passa por um portal que liga o Aye ( terra) ao Òrun ( céu), este portal é guardado por um guardião – Ònibòdè Òrun (guardião do céu).
 
Conforme a cultura Yoruba, o Òrun e dividido em 9  partes e dependendo da vida e a causa morte deste ancestral ele e colocado em uma destas 9 planos espirituais. Cada parte corresponde a um tipo de elevação espiritual. 
 
Dependendo da vida que teve , ele pode ficar no Òrun Buruku (onde vão as pessoas que tiveram uma vida ruim, só causaram problemas, mataram, roubaram, tiveram uma vida desregrada), até o Òrun Áláfiá (onde vão os que tiveram uma vida sólida, sadia, boa,foram pessoas de boa índole). 
Por isso temos de fazer por merecer que nosso espírito seja cultuado e reverenciado por nossos descendentes. Somente seremos reverenciados após nossa morte e poderemos ajudar nossos descendentes se tivermos uma vida correta. Nascimento ( Ìbi), Vida( Ìyé) e Morte( Àti Iku ), o Pós- Vida ( Ìye Lèbin Iku), o Julgamento Divino ( Idájo ti Òlòrun) e o possível retorno a vida sucessivamente ( Àtùnwa). 
 
 “Quando Olórun procurava matéria apropriada para criar o ser humano, todos os ebora partiram em busca da tal matéria. Trouxeram diferentes coisas, mas nenhuma delas era adequada. Eles foram buscar lama, mas ela chorou e derramou lágrimas. Nenhum ebora quis tomar da menor parcela. Mas Ikú apareceu, apanhou um pouco de lama e não teve misericórdia de seu pranto. Levou-o a Olódùmarè, que pediu a Òrìsàlá e a Olúgama que o modelaram e foi Ele mesmo quem lhe insuflou seu hálito. Mas Olódùmarè determinou a Ikú que, por ter sido ele a apanhar a porção de lama, deveria recolocá-la em seu lugar a qualquer momento, e é por isso que Ikú sempre nos leva de volta para a lama.”
 
Sendo assim, Ikú é um agente primordial que torna possível o ciclo: nascimento – vida – morte – renascimento (ìbí – ìyè – ìkú – àtúnwá).
Mariana A. Nassif

2 Comentários

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  1. Ésá

        Nas minhas andanças por varios Ilês, tive um amigo, Babalawo que me apresentou um “Babalawo que tinha “Ojé”, na Bahia ( Itaparica ), e todo ano em Finados ele fazia a festa dos Eguns, tanto os eguns como dos egunguns, ai uma “mãe de camarinha” ( roncó ), veio me explicar algo que eu não conhecia, o Ésá , que recebia antes desta “festa” dos eguns, uma obrigação antes até do padê, pois sem esta obrigação, ou a festa não rolaria ( eram bolinhos, do que não sei, e agua, tudo em recipientes de barro não cozido – crús ), e lá no bambuzal ( o terreiro era grande ), aseentava-se a obrigação para minha (nossa ) mãe, ao mesmo tempo. ( Tempo neste caso é o tempo mesmo, já Irokô a gente cumpria a obrigação no assentamento, na arvore )

          No ketú, nas casas tradicionais de “Nação”, existe este orisá Ésá, ele é um egungun que representa a ancestralidade daquela casa de santo, mostra a origem dela, seus fundamentos originais – a cumieira da “CASA” no sentido de ser parte de uma Nação, mas trata-se de uma cerimonia restrita, bastante “plástica” e colorida, a “vara” come o couro, na que eu vi, foi mais ou menos assim:

          Os egunguns dão saida, o Ésá “dança ” com eles ( os egunguns são muito coloridos, já Ésá tem as cores da Nação), dançam juntos durante um certo tempo – grande – depois troca o toque, eles afastam-se do centro, e Yansã ( em branco no caso, porque o Ilê era em Oxalá ), da sua saida,  após dançar sozinha, convida a todos os outros para o centro da gira, e com eles dança. Ela que irá recolher os egunguns, mas é recolhida junto com o Ésá da “casa”.

           É uma cerimonia muito impactante, que revela o “débito” que todos temos não com “morte”, mas com a ancestralidade, com o que de nós aqui fica perpetuando-se por gerações.

            ” Oyá in bá ngilê ori me bai á otá, inlá Oyá wo

               Emifê odarê, in a banê, asé kekerê, Oyá

               Eparrey Oyá “

             Já que vc. estuda isto, um razoavel resumo esta em : //ocandomble.com/2008/07/29/egungun-e-esa-espirito-ancestralidade/

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