Francisco Celso Calmon
Francisco Celso Calmon, analista de TI, administrador, advogado, autor dos livros Sequestro Moral - E o PT com isso?; Combates Pela Democracia; coautor em Resistência ao Golpe de 2016 e em Uma Sentença Anunciada – o Processo Lula.
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Sem dar a outra face, por Francisco Celso Calmon

O Clube militar vai comemorar. A sociedade civil organizada também vai manifestar sua indignação e repúdio ao golpe de 64

Ricardo Stuckert

Sem dar a outra face

por Francisco Celso Calmon

Lula gerencia bem o capitalismo, os capitalistas é que ainda não entenderam e resistem a tê-lo como gerente, por puro preconceito social.

A história não é feita de partes e muito menos de pedaços seletivos, os quais agradam ou desagradam conforme as circunstâncias. 

É em decorrência do passado que Lula é anistiado e recebe uma reparação mensal.

Outros ainda estão na torturante fila da anistia, inclusive a mãe de meus filhos, 70 anos, quase cega, já em declínio mental, prejudicada por ordem do SNI e demitida de duas empresas estatais. Fora o tempo de prisão aos 16 e novamente aos 17 anos e barbaramente torturada no Doi-Codi da Barão de Mesquita e na PE da Vila Militar, Rio de Janeiro.

A Comissão de Anistia anda que nem cágado, por falta de recursos e também pela composição. O que tem a ver um representante do Ministério de Defesa lá? Cabe aos civis com formação e experiência na operação do direito julgar os casos dos anistiandos.

É para esquecer o genocídio que Bolsonaro cometeu?  É para esquecer etnocídio dos indígenas e as barbaridades da escravatura?

Será que já se remoeu muito o assassinato da Marielle? E a cada governo o Ministro da Justiça declara que muito em breve a sociedade vai saber tudo que envolve a trama do assassinato, do ex-ministro Raul Jugman ao ministro Dino, expectativas foram criadas e promessas feitas, entretanto, cada ano, mês, dia, é um sofrimento a mais à família dela e uma frustração e descrença na justiça por parte da sociedade.

Será que vai repetir a esdrúxula cartilha do politicamente correto, agora com o que pode ou não lembrar?

Lula proíbe o governo de participar de eventos que lembrem o golpe militar de 1o de abril de 64 para ficar empatado com a ordem dos militares de não comemorarem o 31 de março. Então, temos dois poderes?

O Clube militar vai comemorar. A sociedade civil organizada também vai manifestar sua indignação e repúdio ao golpe de 64. Ambos acontecimentos vão possibilitar a Lula mostrar aos revisionistas e golpistas que essa contradição só será resolvida quando as FFAA admitirem a tragédia que ocasionaram sobre à democracia e o povo.

Bolsonaro se julgou, como todo ególatra, mais esperto do que todos, agora é entregue (delatado) por todos numa bandeja decorada pela PF.

Bolsonaro tentou com a sua quadrilha de militares e civis o golpe, cujo plano está desenhado e provado: criar o caos, sugerir ao Lula acionar a medida da Garantia da Lei e da Ordem, ou por iniciativa própria das FFAA com base na esdruxula interpretação do artigo 142 da Constituição, e o golpe estaria realizado.

 A invasão e depredação dos poderes, filmada e televisionada foram realizadas. As imagens eram de caos. A sugestão de decretar a GLO foi feita pelo ministro Múcio, que representa os militares no governo. Janja exclamou: GLO é golpe!  Lula não acionou esse instrumento e melou o plano. (Como venho repetindo: o artigo 142 é um atrativo a golpes).

Ofendidos pela agressão dos vândalos bolsonaristas, os chefes dos poderes republicanos se uniram e impediram o desdobramento do golpe. 

Agora com as delações dos militares, estão narrando uma versão de que os comandantes militares é que impediram o golpe. Ocorre que a versão não explica tudo. Por que os acampamentos foram mantidos? Por que não informaram ao governo Lula sobre essa intenção e o plano?

Nenhum servidor, civil ou militar, é obrigado a cumprir ordem manifestamente ilegal. E não pode prevaricar. Em sendo sabedor de um crime tem o dever de denunciar e até de prender o meliante em flagrante delito.

Querem salvar a instituição militar quando a história dela é a de semeadora do golpismo crônico.

Na nossa (dos combatentes ao golpe e à ditadura) época de prisões e torturas, os que entregavam companheiros, aparelhos e pontos de encontro e alguns até abjuraram os ideais de luta, no cárcere ou na TV, eram considerados e qualificados de cachorros, hoje delatores são saudados como colaboradoras da Justiça e quase reverenciados.

Se tivessem recuado do golpe por falta de apoio de alguns comandantes militares, não teriam mantido os acampamentos e nem teria havido a invasão das sedes dos três poderes pelos vândalos bolsonaristas. Teriam dado ordem para desmobilizar e não invadir e depredar as sedes dos três poderes.

A falta que sentiram não foi esta a maior, mas a do apoio dos EUA.

A Intentona não consumou o golpe porquê Lula não acionou a GLO! Ocorre que a tentativa de golpe ao Estado democrático de direito é CRIME. E grave!

O exercício da democracia como modo de ser de uma sociedade pressupõe o contraditório. É na luta dos contrários que se modifica a correlação de forças. Congelar um dos lados, por acordos, a história já provou, levou a manutenção de entulhos pretéritos no ventre da democracia, intoxicando-a. Por isso, também, o Brasil tem na atualidade uma democracia enferma.  

O governo tem que negociar sempre, as vezes consegue bons resultados, outras não, faz parte, contudo, o Estado para ser democrático e de direito não pode e não deve passar a borracha em nenhuma quadra de sua história.

A contradição principal na conjuntura nacional e internacional é entre a democracia e o fascismo, o humanismo e o barbarismo, portanto, há de se indagar: de que lado estão os militares? Se estiverem ao lado da democracia e do humanismo, então, estarão favoráveis a redenção do passado reconhecendo a necessidade da implementação da justiça de transição. 

Enquanto houver mortos insepultos e famílias sem viverem o luto, o passado vai assombrar o futuro. A cada nova geração de filhos/netos/bisnetos dos atingidos da ditadura cobrará ainda mais que o Estado brasileiro faça justiça.

Estarão como os herdeiros dos quilombos e dos indígenas a reivindicar com mais seiva a justiça de transição.

Os filhos deste solo não temem a própria morte, como não tememos no combate à ditadura, e nada nos silenciará, porque uma nação silenciada pela mordaça de qualquer governo, soa como tirania, como anfiteatro de uma democracia mutilada.

E de tirania temos asco, repugnância e não retrocederemos na nossa longa luta pela memória, verdade, justiça e reformas como as recomendadas pela Comissão Nacional da Verdade. 

Lembrar é uma forma de resistência para não esquecer e não mais se repetir.

Dar a outra face é gostar de apanhar!

Lula continuará a ter o nosso apoio, porém, nos reservamos a liberdade de discordar dele quando estiver errado. 

Francisco Celso Calmon

Francisco Celso Calmon, analista de TI, administrador, advogado, autor dos livros Sequestro Moral – E o PT com isso?, Combates Pela Democracia; coautor em Resistência ao Golpe de 2016 e em Uma Sentença Anunciada – o Processo Lula. Coordenador do canal Pororoca e um dos organizadores da RBMVJ.

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Francisco Celso Calmon

Francisco Celso Calmon, analista de TI, administrador, advogado, autor dos livros Sequestro Moral - E o PT com isso?; Combates Pela Democracia; coautor em Resistência ao Golpe de 2016 e em Uma Sentença Anunciada – o Processo Lula.

2 Comentários

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  1. Francisco, seu texto é de uma clareza e de uma luminosidade que quase nos cega…

    Uma pequena correção: Não é só Lula, embora ele tenha uma parcela muito maior de responsabilidade, sendo ele quem é…

    A nossa sociedade é uma das mais doentes e decadentes do hemisfério da ocidentalidade estadunidense…

    Talvez só sejamos superados por nossos donos, ao norte do Rio Bravo…

    Eu repito isso há alguns anos…

    Allende não se rendeu, Che não se rendeu…

    Ok, morreram, ninguém exige martírio de outrem…concordo…

    Eu também não imagino tanta coragem cívica em Lula, nada disso…qual comparar esses monstros com o diminuto brasileiro?

    Para mim bastava que ele seguisse Morales, da Bolívia…

    Não se entregou, fez o que tinha que ser feito, e retomou as rédeas do país…

    Lula entrou e saiu da cadeia para confirmar o que ele sempre foi:

    Um projeto político autorizado pela Ditadura.

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