Semelhanças aparentes, equivalências inexistentes
por Fábio de Oliveira Ribeiro
Em seu livro Patrícia de Campos Mello comparou as trajetórias do presidente brasileiro à dos presidente norte-americano. Diz a jornalista:
“A grande semelhança entre as bem-sucedidas campanhas eleitorais do americano Donald Trump, em 2016, e a de Jair Bolsonaro, em 2018, é que ambos conseguiram ‘matar’ o mensageiro da famosa máxima. Trump e Bolsonaro contornaram a mídia tradicional e se comunicaram diretamente com o eleitor de modo eficaz e como melhor lhes convém. No começo de 2016, quando a campanha presidencial nos Estados Unidos estava esquentando, Trump tinha 6,5 milhões de seguidores no Twitter; hoje ele tem 81,9 milhões.” (A máquina do ódio, Patrícia de Campos Melo, Companhia das Letras, São Paulo, 2020, p. 183/184)
Bolsonaro tem 6,6 milhões de seguidores no Twitter. Mas ninguém sabe exatamente quantos destes seguidores são perfis falsos ou bots.
A autora do livro colocou o foco da análise dela na supressão do mensageiro. Todavia, a comunicação direta entre governante e governado também tem uma consequência política importante. Ela reduz o poder das tradicionais antes-alas do poder. Sobre esse assunto vide https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/as-novas-ante-salas-do-poder/. Todavia não é disso que pretende falar hoje.
Ao longo do livro, a autora de “A máquina do ódio” equipara a imprensa brasileira à imprensa norte-americana. O leitor do livro é levado a acreditar que a Folha de São Paulo e o Washington Post seriam equivalentes. Ambos fazem parte das mesmas instituições internacionais e estão unidos na defesa da liberdade de imprensa. Os dois jornais estão enfrentando líderes políticos populistas que agridem jornalistas e estimulam seus seguidores a fazer isso.
Essa equivalência entre os dois jornais realmente existe? Vamos aos fatos.
O Washington Post ajudou a derrubar Richard Nixon ao investigar e revelar a participação do presidente dos EUA na conspiração para espionar o Comitê Nacional do Partido Democrata em Watergate. Pressionado pelo governo, o jornal ganhou na justiça o direito de não revelar a fonte que estava ajudando a desvendar as misteriosas ligações entre os invasores e os assessores mais próximos do presidente dos EUA https://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Watergate.
A Folha de São Paulo tentou impedir a eleição de Dilma Rousseff divulgando uma Ficha Policial que foi atribuída a então candidata. Mesmo depois que os peritos comprovaram que o documento era falso, o empregador de Patrícia de Campos Mello insistiu na tese de que o documento “poderia ser verdadeiro” https://pt.wikipedia.org/wiki/Controv%C3%A9rsias_envolvendo_a_Folha_de_S.Paulo#Ficha_policial_falsa_de_Dilma_Rousseff.
O Washington Post desmascarou Donald Trump assim que ele começou a dizer que Barack Obama não era cidadão norte-americano https://www.washingtonpost.com/politics/obamas-release-of-birth-certificate-does-little-to-allay-birther-fears/2011/04/27/AFv4RP1E_story.html. Em 13 de outubro de 2016 o jornal norte-americano publicou um editorial endossando a candidatura de Hillary Clinton https://www.washingtonpost.com/opinions/hillary-clinton-for-president/2016/10/12/665f9698-8caf-11e6-bf8a-3d26847eeed4_story.html.
Desde o início de 2015, a Folha de São Paulo super dimensionou a crise econômica para fragilizar o governo petista https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1718190-crise-economica-e-responsabilidade-social.shtml?cmpid=menupe. Depois, mesmo sabendo que outros presidentes brasileiros deram pedaladas fiscais sem que isso tenha acarretado qualquer tipo de represália jurídica ou política, o jornalão paulista apoiou o Impeachment de Dilma Rousseff com base num crime de responsabilidade que não ocorreu http://arte.folha.uol.com.br/poder/2016/08/26/entenda-pedaladas/.
Não há equivalência entre o jornalismo feito pelo Washington Post e o praticado pela Folha de São Paulo.
O jornal norte-americano revelou a verdade sobre um presidente dos EUA sem escrúpulos que abusava ilegalmente do poder para adquirir vantagem eleitoral. O jornalão brasileiro tentou impedir a eleição da candidata do PT noticiando uma inverdade. Provada a falsidade da Ficha Policial, o jornal insistiu na tese de que o documento poderia não ser falso.
O Washington Post é hostilizado porque apoiou abertamente a adversária de Trump. Bolsonaro cresceu no vácuo político criado pelo golpe de 2016 disfarçado de Impeachment que foi apoiado pela Folha de São Paulo.
Porque insisto nessas questões?
Primeiro porque a autora poderia aproveitado o livro para refletir sobre o jornalismo feito pela Folha de São Paulo. Segundo, porque acredito ser indispensável restabelecer a verdade factual. A equivalência entre o Washington Post e a Folha de São Paulo pressuposta no livro de Patrícia Campos Mello não existe ou, no mínimo, ela é bastante discutível. Terceiro, porque será mais fácil para os EUA se livrar de Trump do que o Brasil encerrar o reinado de terror de Bolsonaro enquanto os profissionais de comunicação não reconhecerem que eles também são responsáveis pelo buraco em que nosso país foi jogado.
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