Viadutos construídos em BH são um cemitério do rodoviarismo, por Roberto Andrés

Enviado por Almeida

Do El País

Um desserviço urbanístico

por  Roberto Andrés

O conjunto de viadutos que se implantou em Belo Horizonte é um cemitério do rodoviarismo moderno em pleno século XXI

O viaduto que caiu em Belo Horizonte matou duas pessoas, deixou 23 feridos e inquietou outros milhões que vivem nas cidades onde foram feitas obras para a Copa. Com o curioso nome de Batalha dos Guararapes, o viaduto havia sido planejado para estar pronto antes da Copa. Não ficou e acabou caindo durante o evento.

O viaduto integrava as obras para o BRT (sigla em inglês para o sistema de ônibus com corredores exclusivos e embarque em plataformas) da Avenida Antônio Carlos. Sua função, de necessidade duvidosa, era eliminar um cruzamento. Acabou eliminando duas vidas e a confiança de brasileiros e gringos nas “obras da Copa”. Mas as mortes não foram novidade: oito operários morreram nas reformas dos estádios e causaram menos comoção.

A construtora do viaduto é a Cowan. Também chegou a participar do consórcio a Delta, empresa ligada ao bicheiro Carlos Cachoeira. Em 2012, o TCE encontrou superfaturamento de até 350% na obra do Guararapes. A Cowan é menos conhecida que a Delta, mas seu caso mais notório foi ter bancado a viagem ao Caribe de secretários de Sergio Cabral e Eduardo Paes.

Em Belo Horizonte, quando estourou a operação Monte Carlo, a Prefeitura manteve a Cowan na obra e retirou a Delta. Dentre as construtoras de outras obras viárias na capital está a Constran, empresa que doou 500.000 reais à campanha do prefeito Marcio Lacerda em 2012.

Tudo isso diz respeito à relação espúria entre construtoras e governos eleitos: as obras públicas, ao invés de atenderem às reais demandas da sociedade, financiam campanhas. O mais grave é quando uma obra cai e pessoas morrem. Mas o conjunto de viadutos que se implantou em Belo Horizonte é, mesmo que de pé, um desserviço urbanístico, um cemitério do rodoviarismo moderno em pleno século XXI.

Viadutos, como muitos sabem, são a maneira mais rápida de se conectar dois engarrafamentos. Em 1989, um terremoto abalou as estruturas de um complexo de vias elevadas na cidade de San Francisco, nos Estados Unidos. Como o trânsito não colapsou e a cidade se adaptou, a maioria dos residentes preferiu que as vias elevadas fossem removidas.

A remoção das vias não piorou o trânsito. E a cidade ganhou uma nova praça pública e um calçadão ao longo da orla de 400.000 m2. Foram construídas 3.000 unidades residenciais, cerca de 190.000 metros quadrados de escritórios comerciais e 35.000 de comércio varejista, tudo em espaços antes ocupados por vias para carros.

Histórias como a de San Francisco são detalhadas em Morte e Vida de Rodovias Urbanas, publicado pelo Instituto de Políticas para o Transporte e Desenvolvimento (ITDP). O livro reúne exemplos de demolições de viadutos, vias expressas e pistas elevadas em cidades como Portland, Toronto, Seattle, Paris, Berlim, Boston, Bogotá e Seul. Nessas cidades os viadutos não caíram por força do descaso ou de incompetência engenheirística, mas pela vontade de se ter espaços urbanos melhores.

Em todos os casos de supressão das grandes infraestruturas para carros dois fatos se repetem: 1) o trânsito melhora; 2) o custo de supressão das vias elevadas é menor do que o custo de manutenção se elas continuassem lá. O Estudo do ITDP mostra que com o alargamento de vias e a construção de viadutos o número de automóveis tende a aumentar proporcionalmente ao espaço aberto, saturando-o rapidamente. Por outro lado, a supressão das vias induz à redução das viagens, migrando passageiros para o transporte coletivo ou vias alternativas.

Se urge a apuração dos responsáveis pela tragédia do Guararapes mineiro, urge também que se reavalie o anacrônico modelo de mobilidade urbana que ainda se implanta em cidades brasileiras. Viadutos degradam cidades, roubam espaço urbano e não melhoram o trânsito. E, embora sirvam para abastecer o caixa de generosas construtoras, quando são feitos às pressas podem cair na cabeça de quem não escolheu construí-los.

Roberto Andrés é arquiteto, professor na Escola de Arquitetura da UFMG e editor da revista PISEAGRAMA.

Redação

12 Comentários

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    1. Alô, alô Marcio Lacerda,

      Alô, alô Marcio Lacerda, pessebista mico-atucanado!

      Alô, alô Eduardo Campos, candidato mico abandonado pelo seu prefeito e correligionário aecista.

      Hello, hello Aecinho Cunha Never, vais fugir desse assunto tambem?

  1. Marcio Lacerda e obras

    Ótimo texto. Parabéns, professor!

    Já disseram que há, ou houve recentemente, mais de 1000 (mil) obras em andamento em BH nesta fase em que Márcio Lacerda está prefeito. A cidade virou um caos e muitos crêem que o objetivo não é melhorar trânsito ou seja lá o que for em BH, porém arrancar dinheiro público via obras. É de se notar que dentre as tais mil obras não se encontram algumas que se encontravam inconclusas em gestões anteriores e continuam paradas, como é o caso de hospitais (o de Venda Nova é enorme) e linhas de metrô, como a de Eldorado ao Barreiro, onde já se gastaram uns milhões e está abandonada.

    Quem vai consertar isto? – Eu não sei.

     

  2. Lendo esse artigo eu me

    Lendo esse artigo eu me lembrei de minhas últimas viagens.

    Nos últimos anos, viajei de carro pelos seguintres países: Portugal (de Lisboa ao Porto pelo litoral, Serra da Estrela e retorno a Lisboa), França (fiz toda a Provença do ródano até os Alpes Marítimos), Holanda-Belgica-Alsacia e vale do Reno, Viena-Budapeste-Praga-Salzburgo-Viena, só para dar alguns exemplos.

    Em todas essas viagens, só vi viadutos nas autoestradas (que evitei o quanto pude)  euns poucos em algumas cidades. Nas cidades, nas áreas mais modernas, e também nas estradas, a maiorias dos cruzamentos das grandes avenidas é em rotatórias o que evita semáfors e transposição por viadutos.

    Concluí, como o Prof. Andrés, que viaduto é apenas uma forma de “sugar” dinheiro público pelas empreiteiras que financiam as campanhas eleitorais, além de ser mais um anacronismo copiado dos EUA dos anos 50.

     

  3. Guararapes Mineiro?
     
    Este

    Guararapes Mineiro?

     

    Este texto desse professorzinho Roberto Andrés é lapidar.

    Todas as características do jornalismo vira-latas e as abjeções do ambientalismo coxinha estão presentes. Do jornalismo, mesmo não sendo ele um profissional da área, a coluna flexível, elástica mesmo nas considerações que são atadas quase por gravidade ao saxocentrismo e ao que querem os patrões. No ambientalismo, a prepotência infantil que não consegue esconder o desejo da submissão classista nem o conservadorismo de aparência modernosa.

    Um exemplo simples? O BRT, sistema de transporte de massas rápido e de eficiência próxima a dos metrôs criado em Curitiba por Jaime Lerner – e que mereceria ao menos uma denominação em português – é uma solução exatamente ou quase contrária ao que propugnava o “rodoviarismo do século XX” e exige vias exclusivas com o mínimo de interrupções possível..

     Pois não?

    Então me digam como o senhorinho Roberto Andrés resolveria o problema da ultrapassagem dessas vias por veículos e pedestres? Com tuneis ou viadutos? E se fossem vias férreas? Substituindo os trens por bicicletas e extinguindo o problema?

    Tudo bem. Resta a citação ao prefeito de BH. Mas, acho que o alvo era outro. Ou outra.

    1. “Onde a ignorância é uma bênção, é tolo ser sábio”

      Você dá inteira razão ao verso de Thomas Gray, ao tratar como “professorzinho” um acadêmico que, sem dúvida, você não conhece. Não é necessário conhecê-lo, basta não estar alienado dos debates atuais do urbanismo, para entender sobre as limitações do “rodoviarismo”, como solução da mobilidade urbana. Também não é preciso acompanhar o debate na academia e entre os profissionais do urbanismo, para estar informado sobre as soluções urbanas, que governantes demagogos vendem como milagrosas; uma busca pelo google com as palavras metrô e Curitiba deixaria você esclarecido, AQUI e AQUI,  de que o projeto BRT, que cita como exemplo, está esgotado na cidade que aponta como referência.

  4. O Brasil como receptor de tecnologias ultrapassadas…

    Não é de hoje que o Brasil recebe tecnologias ultrapassadas. Por isto que o programa Ciência Sem Fronteiras é importante para o país. Mas só vamos ver resultado dele daqui há 10 anos.

    Enquanto isto Aguenta Brasil!!!

  5. Concordo em parte

    O texto é corretíssimo em dois pontos, a insistência em construir supervias para carros nas nossas cidades e as relações promíscuas entre as construtoras e os políticos no Brasil. A Cowan financiou “democraticamernte” os dois principais candidatos à Prefeitura de BH em 2012. Como, de resto fizeram as grandes constutoras nas capitais brasileiras ,pois a boa gerência empresarial recomenda não correr riscos desnecessários. Esse sistema de financiamento das campanhas vem ocorrendo há meio século e não pode ser eliminado sem mudanças nas leis eleitorais.

    Mas não me parece que a crítica às grandes vias rodoviárias nas cidades se aplique bem ao caso do viaduto que caiu em BH. A obra de duplicação da Av. Antônio Carlos teve início quando Fernando Pimentel era prefeito. Construiu 400 metros da obra e Márcio Lacerda a completou. Para que a obra realmente fizesse sentido, era indispensável duplicar também os cerca de 3,5 km da Av. Pedo I que dão continuidade à Antônio Carlos e destinar as 4 vias centrais do eixo de 13,5 km, que vai do centro de BH à conexão com a Linha verde, ao sistema BRT. Este sistema, juntamente com outro paralelo que passa pela Av. Cristiano Machado, tem capacidade para transportar 700 mil pessoas por dia gastando a metade do tempo usado por ônibus convencionais. Nos 20 km que já estão operando, essa redução de tempo já foi comprovada. Muitas pessoas estão deixando o carro em casa e usando o BRT, e esse me parece o melhor indicador de aprovação do projeto pelo povo. Mas uma das condições indispensáveis para que o sistema funcione bem é a existência de poucos cruzamentos no caminho. Talvez os viadutos, sempre tão feios, pudessem ser substituídos por trincheiras passando por baixo das avenidas, mas essa é uma avaliação de cunho técnico que não me arrisco a fazer.

    1. Bom comentário, Daniel.

      Você questiona: “Talvez os viadutos, sempre tão feios, pudessem ser substituídos…”

      Isto é possível. Pode ser por obra que mergulhe a via de transporte, como você sugere, mas há soluções técnicas mais singelas, que não fazem a alegria das empreiterias, com os seus “generosos “, entre aspas, pois interesseiros, financiamentos de campanha para os partidos no poder – o PT inclusive, viu?

      Na figura abaixo, você verá uma linha de bonde em Paris, também chamada de tramway ou VLT, que tem as mesmas carecterísticas de um BRT. O carro passa por um cruzamento e tem a prioridade assegurada, por um moderno sistema de controle de trânsito, que prescinde de onerosas – no caso do Brasil escabrosas – obras de viadutos

       

      Você pode observar, Daniel, quantos imbecis compram a ideia de que essas obras de rodoviarismo são imprescidíveis, quando a tecnologia e conhecimento moderno mostram que são dispensáveis; mas como elas recebem a chancela das forças políticas demagogas que eles apoiam no poder, é disso que se trata, passam a endossar sem o menor grau de criticidade.  Então, para esse tipo de imbecil, quem se preocupa com a feiura estética dos viadutos apresenta “as abjeções do ambientalismo coxinha”. Só falta dizer que é coisa de viado, mas como essas coisas hoje pegam mal, ou seja, de modo pragmático eles sabem que retiram votos dos seus candidatos, eles aplicam eufemismos para suavisar os seus primitivos e toscos pragmatismos.

       

  6. Apenas uma noticia de um jornal

    De um país falido que ganhou horrores na privatização criminosa brasileira e que sonha a volta dos antigos parceiros tucanos para esfoliar mais ainda os brasileiros. O comentário nada sutil entrega o jogo. “”Acabou eliminando duas vidas e a confiança de brasileiros e gringos nas “obras da Copa”.

  7. Está certo. As obras eternas

    Está certo. As obras eternas do “socialista” tucano Márcio Lacerda em BH são o modelo fracassado de algo que só piora as condições de vida nas grandes cidades, além de alimentarem esquemas políticos com grandes empresas privadas, à custa de dinheiro público. Corredores de ônibus (mas com muitos ônibus circulando direto neles), metrôs e ciclovias – isso é o que tiraria os carros particulares das ruas, cabando com os congestionamnetos de trânsito.

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