O corte de recursos para C&T e a “Marcha pela Ciência”, por Renato Dagnino

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Foto: Marcos Corrêa/PR

Por Renato Dagnino
*Professor titular da Unicamp

Ao contrário do que ocorre com outras políticas públicas, é ainda incipiente no âmbito da esquerda a discussão sobre a política de ciência, tecnologia e inovação (PCTI). Dado que a retomada de nosso projeto de desenvolvimento exigirá, mais do que no passado, sua orientação para resolver os déficits cognitivos associados às demandas materiais da maioria da população, é importante uma reflexão sobre o que está por trás do corte de recursos para C&T.

O governo golpista diz que o corte, assim como outras medidas de “austeridade”, se deve a uma pretensa crise fiscal. Os líderes da corporação (ou da comunidade) científica reagem esgrimindo a meia-verdade de que ele “compromete o futuro do país”, etc. Tentando reeditar o que ocorreu décadas atrás quando a elite cívico-militar golpista foi convencida da importância da C&T para seu projeto político, se pretende fazer com que a PCTI, dado seu caráter particular, não seja afetada.

Os analistas críticos da PCTI, que até agora foi hegemonicamente controlada pela corporação científica sem atentar que seu caráter público exige que ela atenda aos interesses de outros atores sociais, ficam numa situação delicada: é difícil não se somar a essa reação, mas também é difícil fazê-lo incondicionalmente.

Eles atribuem o corte ao fato de que aquela meia-verdade já não convence os dirigentes políticos. Os de direita vêm há anos criticando a postura auto referenciada daquela corporação e alegando que o recurso que recebe não tem retorno para a “sociedade” (leia-se a empresa). E muitos da esquerda, provavelmente devido à percepção de que ele nem induzia à inovação empresarial nem alavancava as políticas-fim atinentes ao seu projeto de governo, já haviam reduzido a previsão de gasto no nível federal.

As forças políticas afinadas com os “interesses globais” que articularam o golpe optaram por um modelo de desenvolvimento neoliberal que prescinde ainda mais do que o anterior das atividades de pesquisa e da formação de pessoal universitário custeadas pelo Estado. A racionalidade da classe proprietária que desbancou a elite científica na elaboração da PCTI, será muito mais “pragmática” e ainda mais afastada dos desafios cognitivos embutidos nas demandas materiais da maioria da população; que é quem a custeia com seu imposto.

O corte não reflete uma simples mudança quantitativa. Ele prenuncia uma alteração qualitativa acerca da percepção da sociedade sobre como a PCTI deve ser orientada. Ele deve ser entendido como um “ponto de viragem” de uma “reação química” que vinha ocorrendo e que o golpe, atuando como “catalisador”, deslocou num sentido coerente com o projeto neoliberal.

Uma autocrítica que permita conectar a PCTI ao processo de radicalização da democracia que sucederá ao golpe é o caminho para que, com o apoio e a participação daquela maioria, se possa utilizar produtivamente o potencial cognitivo nacional ameaçado.

Entendo que é com uma perspectiva como a aqui esboçada que @s professor@s e pesquisador@s de esquerda devem participar de eventos como a “Marcha pela Ciência”, programada para 22 de abril. 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

6 Comentários

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  1. Dificil ler tanta bobagem.

    Dificil ler tanta bobagem. Alem dos casos mais conhecidos da contribuicao da ciencia como Embrapa, Coppe (Petrobras), Ita Embraer eixtem milhares de exemplos de contribuicoes da ciencia para o pais, incluindo a area da saude como politicas de saude publica formuladas pelos cientistas, vacinas, estudos de doencas como Zica, Chagas, Dengue e etc. Contribuicoes da antropologia no estudo dos indios quilombolas, populacoes mais pobres, toda uma area da engenharia que nao tem nada a ver com petroleo, studos da biodiversidad e politicas de conservacao contribuicooes na Fisica – aplicada e Teorica  e etc e etc.

    Alem disso inumeros casos de pesquisa basica que nao devem ser tratadas como menos importantes para a democracia (sic)

     

     

    1. É necessário separar Lenda

      É necessário separar Lenda Urbana da realidade. É claro que o Brasil tem algumas pesquisas úteis. No entanto, é exagero muito do que se diz da Embrapa (a maior parte da tecnologia agríicola é mera adaptação de tecnologia velha). INPE/ITA/CTA estão sucateados faz muito tempo. Os egressos do ITA trabalham no mercado financeiro e não na Embraer.

      A nossa classe científica é corporativista, preconceituosa e muito espertalhona. Concordo que não há (salvo raros casos) qualquer relação entre as pesquisas e a realidade. Os projetos são pontuais, fora de contexto, dependentes de insumos externos.

      Trabalho no campo da pesquisa e vejo que um volume considerável de recursos estão sendo direcionados apenas para aumentar o número de publicações em revistas internacionais.

      Como não há um projeto nacional de grosso calibre e considerando que o único objetivo do governo golpista é apenas vender o Brasil a preços módicos não há nenhuma razão para formar doutores e para se investir em ciência.

      Apesar de tudo acredito que a comunidade científica vassala nacional cavou o próprio buraco.

      Duvido que essa marcha pela ciencia tenha sucesso haja vista o caráter egoísta do pesquisador tupiniquim.

  2. Seja bem vinda!

    Achei que a “inteligência” brasileira se calou e acreditou que era apenas um golpe contra o PT e beneficiários do Bolsa-família, minha casa minha vida e luz para todos…

    Que isso não era com eles…

    Este é um golpe para bilionários e corruptos ansiosos de se tornarem bilionários e ou se dar bem!

    O resto se ferrou!

    No Brasil nos próximos 20 anos o juros é mais importante que capital e trabalho!

    Nem Karl Max ou Keynes previam que existiria isso!

    Até as Forças armadas, que foram logicamente poupadas, terão em seus soldados vindos das classes que estão lista das que serão ferradas!

    A classe média alta vai conviver num país mais violento, menos criativo, a caminho da subalternidade.

    Haja gastos com segurança particular, cibernética e carros blindados…

    Vão sentir, quando saírem do Brasil, como quem vêm de um país que sucumbiu de forma infantil a um golpe vergonhoso tanto para a inteligência, quanto para a dignidade humana – trocamos o combate a miséria pelo enriquecimento fraudulento de poucos, trocamos redução da mortalidade infantil e atendimento médico aos mais pobres pela corrupção dos escolhidos, trocamos a educação para formação de cidadãos com honra e dignidade por messianismo fascista!

    Até o PAPA viu isso!

    Mas, se inteligência abriu mais uma percepção, antes tarde, do que nunca…

    1. os intelectuais

      Como bom intelectual ele são apolitico, por acharem que são intocáveis. Algins dissem que ficam no País porque querem, e se desejarem podem ir para o exterior. 

      Talvez agora entendam que toda atividade depende de vontade poltica e aliado a ideologia.

       

  3. ciência e politica

    Nenhuma politica nacional de C&T sobrevive sem um planejamento estatal vigoroso e afirmativo. O governo golpista hoje desmonta a economia, a educação , a saúde e  tudo indica que seu grande projeto é devolver o Brasil à condição de capitania hereditária. A marcha dos cientistas desprovida de um vigoroso ” FORA TEMER” não passa de um movimento elitista e sem foco. Embora a prática cientifica não tolere métodos politicos a instituição cientifica não pode prescindir de cientistas politizados e engajados.

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