Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O assombro cósmico e psíquico de aranhas e fantoches em “Possum”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

“Possum” (2018) é terror silencioso e psicológico. E principalmente simbólico: consegue articular dois simbolismos cósmicos e psicológicos – a aranha e o fantoche, aglutinados num bizarro boneco com corpo e pernas de aranha e a cabeça rachada de uma boneca. Alguma coisa entre os brinquedos mutantes de Toy Story e as animações de Jan Svankmajer. Um estranho fantoche que exerce um poder sufocante sobre o seu titereiro. Depois de muitos anos, Philip retorna para a cidade da sua infância para confrontar o seu cruel padrasto e os segredos que torturaram sua vida inteira. Mas o bizarro fantoche aracnídeo continua assombrando-o, por mais que tente destruí-lo. Filme sugerido pelo nosso leitor… bem, você sabe quem…

A mitologia em torno da aranha possui uma unidade de pensamento indo-europeu. Uma mitologia ambígua, tanto psíquica quanto cósmica. 

De um lado possui um simbolismo demiúrgico, como tecelã da realidade – a fragilidade aparente das teias representariam o próprio tecido do mundo: a ilusão, ou o véu das ilusões que esconde a Realidade Suprema.

Mas também possui um importante simbolismo psíquico: a aranha evoca a interioridade, por estar sempre no centro da trama da teia, ameaçadora. Seria o próprio símbolo da introversão e do narcisismo, a absorção do ser pelo próprio centro.

Possum (2018), estreia de Matthew Holness (conhecido ator de séries de TV como The Office e Man to Man), explora a fundo esse simbolismo aracnídeo. Mas torna esse significado ainda mais complexo ao fundi-lo com o moderno simbolismo dos fantoches e titereiros – em Possum, literalmente o fantoche composto por uma cabeça rachada de boneca costurada às pernas de uma gigantesca aranha rouba a cena. Lembra alguma coisa entre os brinquedos mutantes de Toy Story e os estranhos habitantes dos filmes do animador Jan Svankmajer.

Ao lado da aranha, fantoches (assim como autômatos, bonecos e demais simulacros humanos) têm igualmente um simbolismo demiúrgico ambíguo: pode tanto o desejo humano de imitar Deus ao criar pequenos homens (“mannikin”) e, dessa forma, traçar o caminho de retorno à Plenitude (aspiração da Alquimia); especificamente o fantoche (comandado pelos cordões manipulados pelo titereiro) seria a própria reprodução da condição humana, prisioneira em um Universo onde algum demiurgo nos manipula.

Possum é sobre tanto como somos capazes de criar teias interiores nas quais estamos presos em traumas que se sucedem ciclicamente, preso em algum lugar no passado; como também de como essas teias podem ser manipuladas numa relação familiar abusiva: a relação do protagonista com o seu padrasto.

 

O que torna Possum um surpreendente trabalho de roteiro no qual Holness consegue entrelaçar dois simbolismos arquetípicos dentro de uma complexa narrativa, lenta ao estilo “slow burn”. Um estilo narrativo recorrente nas atuais produções independentes. O “thriller” de uma relação parental abusiva com o “terror” das imagens do bizarro fantoche que assombra o protagonista.

O Filme

Philip (Sean Harris) retorna para a sua casa da infância na qual seus pais morreram após um incêndio. É um desajustado pálido, com ombros caídos, vestindo uma capa de chuva e segurando uma maleta. Philip parece que foi um titereiro – e também parece difícil imaginar que um sujeito tão taciturno possa ter trabalhado como animador infantil.

Philip tenta se livrar de um bizarro fantoche que carrega naquela maleta, com o corpo e pernas de uma aranha e a cabeça de uma boneca rachada. Mas o estranho objeto possui o domínio sobre ele, produzindo uma espécie de estrangulamento psicológico. Philip tenta incendiá-lo, afoga-lo, pisá-lo. Mas o fantoche aracnídeo sempre reaparece, como que espreitando-o na beira da cama no meio das madrugadas, ou nos corredores da antiga casa da sua infância.

A casa fica em uma região desolada e deteriorada de Norfolk, próxima a locais pantanosos e uma base militar abandonada. Lá ainda mora o seu Tio e padrasto Maurice (Alun Armstrong). Um homem cruel e desagradável. Ele tem o prazer perverso de menosprezar Philip. O diálogo é mínimo com subtextos sinistros. Na verdade, aquilo que não é dito e apenas sugerido é o que é mais aterrorizante.

 

O filme consegue capturar o comportamento emocionalmente infantil e atrofiado de Philip como se dentro dele estivesse um adulto danificado à espera de uma explosão.

Estranhos desaparecimentos de crianças voltando da escola são relatados na imprensa local. E tudo parece sugerir que o desajustado Philip possa estar envolvido nisso.

O drama psíquico de Philip

Os fãs de terror convencional poderão achar Possumum filme lento e entediante, sempre pontuado pela inquietante música eletrônica do Radiophonic Workshop, conjunto de músicos experimentais cujo trabalho para a BBC se estende há meio século. Por isso, Possum é um filme para cinéfilos aventureiros, pelo seu terror psicológico e oblíquo.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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