Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Uma versão sinistra do Mágico de Oz no filme YellowBrickRoad

Uma equipe de psicólogos, cartógrafos e fotógrafos tenta transformar uma lenda em registro histórico: por que uma cidade inteira desapareceu depois de assistir ao filme “O Mágico de Oz” em 1940? Inspirado em um caso real onde os habitantes de uma vila esquimó desapareceram repentinamente deixando todos os seus afazeres para trás, o filme “YellowBrickRoad”(2010) faz uma sombria releitura do filme clássico de 1939 por um viés metalinguístico do cinema, forte tendência dos filmes independentes atuais. Assim como Dorothy levantou a cortina e descobriu que Oz não era um mágico no filme clássico, em “YellowBrickRoad” os espectadores daquela pequena cidade remota descobriram da pior maneira possível, após saírem do cinema, que a Cidade de Esmeralda do Mágico de Oz não existia.

Em postagem recente sobre as origens ocultistas do filme O Mágico de Oz, falávamos que esse filme de 1939 tinha transcendido a sua condição de produto cinematográfico para se transformar em um poderoso arquétipo cultural. Após três gerações e muitas linhas de diálogo com referências ao filme em produções como ZardozMatrixO Campo dos SonhosAvatar e Depois de Horas de Scorsese, eis que um filme independente de terror com baixíssimo orçamento vai de encontro ao simbolismo gnóstico oculto da estrada de tijolos amarelos, para trazer a jornada de 1939 para os tempos atuais. Mas de uma forma sombria e muito menos otimista.

Estamos falando do filme YellowBrickRoad (2010), onde todos os elementos simbólicos do filme O Mágico de Oz (as bruxas boas do Norte e do Sul, as bruxas más do Leste e Oeste, a estrada de tijolos amarelos, Oz, o espantalho, a espiral etc.) transformam-se em elementos literais, fazendo um grupo de cientistas e pesquisadores descerem em uma jornada de loucura. E mais do que isso: acompanhando a tendência de filmes metalinguísticos e autoreferenciais (Mais Estranho Que a FicçãoO Segredo da CabanaResolution etc.), YellowBrickRoad faz uma metaficção ao tematizar o efeito contaminante coletivo do simbolismo do filme de 1939 e seus efeitos na audiência que vai ao cinema como um espécie de loucura contagiosa.

Isso não é pouco para uma jovem dupla de diretores (Jesse Holand e Andy Milton), fãs de filmes de terror dos anos 1970 como O IluminadoO Exorcista e Carrie, A Estranha, iconicamente citados no filme das formas mais estranhas possíveis.

 

O Filme

O filme inicia no melhor estilo mockumentary em que, através de supostas fotos e áudios da época, relata uma estranha lenda que envolve a localidade remota de Friar, em New Hampshire nos EUA. Em 1940 repentinamente todos ao mesmo tempo os habitantes da cidade resolveram abandonar tudo para se enveredar na trilha de uma floresta que rodeia a localidade. Deixaram para trás seus trabalhos, casas, vidas e até seus cachorros amarrados em postes até morrerem de fome. Jamais se descobriu o porquê desse estranho comportamento coletivo.

Tempos depois, o Exército organizou uma secreta busca nessa floresta e encontrou uma realidade desoladora: restos mutilados de mais de 300 pessoas, cadáveres congelados, muitos desaparecidos e o áudio incompreensível do único sobrevivente.

Como é de se esperar nesses casos, o Governo abafou o caso. A população da cidade foi recompondo-se e recuperou seu ritmo habitual e tudo foi esquecido sob o manto do segredo. Em 2008 um grupo de pesquisadores e especialistas formado por psicólogos, cartógrafos, fotógrafos, alpinistas tentarão descobrir o que realmente se passou a partir de um dossiê sobre o caso, adquirido através de um contato exclusivo, com as coordenadas geográficas que levarão a esse estranho caminho na floresta onde tudo ocorreu.

A música espectral

Mas, quando a equipe segue as coordenadas exatas do início dos acontecimentos de 1940, chegam a um velho cinema. Lá encontram uma estranha garota que mantém o projetor e os rolos de filme em funcionamento para um cinema vazio. E o mais importante: também encontram em um dos projetores antigas cópias do filme O Mágico de Oz. A garota, então, conduz o grupo ao início do caminho, na entrada da floresta, onde acham uma pedra com a inscrição “Yellowbrickroad” feita pelo sobrevivente dos trágicos acontecimentos do passado.

Aos poucos, o que parecia ser um misto de passeio, pesquisas e alegres festas em acampamentos, começa a se transformar em um progressivo estado de horror: primeiro os GPS, pedômetros, bússolas e uma série de equipamentos de cartografia começam a enlouquecer. Aleatoriamente dão estranhas coordenadas de qualquer ponto do planeta. Repentinamente, todos começam a ouvir o som espectral de músicas dos anos 1930, que parece executado por alguma antiga vitrola invisível. O som vem de algum lugar impreciso, espectral, ecoante e que os acompanha como se viesse de todos os lados da floresta. Aos poucos essa música começa a desorientar as mentes e a instigar comportamentos imprevisíveis e agressões mútuas que vão se tornando cada vez mais graves.

Por que o filme O Mágico de Oz?

Nas entrevistas, a dupla de diretor afirma que o argumento do filme foi inspirado no caso de uma vila esquimó encontrada abandonada cujos detalhes se assemelham aos do filme. Um caso assustador e nunca resolvido. Mas com uma diferença: o filme O Mágico de Oz. Por que a dupla de diretores escolheu esse antigo filme? Para Holland e Mitton, durante e após a Grande Depressão dos EUA o cinema era a grande forma de fuga de uma realidade desoladora. E O Mágico de Oz era o preferido. “Em nossa lenda urbana criada para o filme, há boatos de que os habitantes da cidade caminharam para o Norte através da trilha depois de ficarem obsecados pelo filme O Mágico de Oz. Por isso, marcaram ‘Yellowbrickroad’ na pedra que inicia a trilha”, diz Holland.

Dessa maneira, o filme pretende fazer uma versão em negativo de O Mágico De Oz. Todos os simbolismos de O Mágico de Oz são invertidos e transformados em não mais como índices da iluminação espiritual, mas em um mergulho nos fantasmas do inconsciente de cada um. Um exemplo é o simbolismo da espiral no clássico de 1939. A jornada pela estrada de tijolos amarelos começa com um espiral para, através dela, Dorothy, o Espantalho, o Homem de Lata e o Leão procurarem a realização dos seus desejos por meio do mágico de Oz na Cidade de Esmeralda. Em YellowBrickRoad a equipe de pesquisadores descobre que, na verdade, a misteriosa trilha na floresta os conduz em um movimento espiral que não leva a parte alguma.

Ao mesmo tempo, a perda de orientação dos cartógrafos da expedição remete a inversão da geografia espiritual proposta pelo filme O Mágico de Oz: as bruxas boas do Norte e do Sul (eixo vertical de ascensão espiritual) versus as bruxas más do Leste e Oeste (eixo material). Simplesmente o grupo perde a orientação e começa a andar aparentemente a esmo – mas na verdade, descobrem um padrão em espiral.

E a música espectral que atormenta os membros da expedição é uma nostálgica lembrança dos musicais dos filmes como o Mágico de Oz, isso sem falar que o tom melancólico e nostálgico das músicas ouvidas que remetem ao Hotel Overlook do filme O Iluminado de Kubrick – o que fica mais evidente na sequência final do filme.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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