As tolices ditas sobre os 100 dias do governo Lula, por Luís Nassif

A grande discussão é analisar o conjunto de políticas públicas e seu impacto sobre o cidadão e deixar o opinionismo de lado.

Em princípio, há dois públicos distintos no país. Um deles, o público supostamente bem-informado, consumidor da primeira divisão da mídia – jornais, rádio, TV e sites. O outro, o público terraplanista, usuário de WhatsApp e redes sociais.

Há uma diferença fundamental de tratamento entre ambos, para que o primeiro grupo não mergulhe na rede de desinformação do segundo: o tratamento jornalístico mais aprofundado. Mas o que se vê, na maioria dos casos, é o grande veículo emulando todos os truques caça-likes do segundo.

As diversas análises sobre os 100 dias do governo Lula demonstram uma superficialidade exasperante.

Uma das críticas está no fato de Lula frequentemente referir-se ao período Bolsonaro. Um comentarista da Globonews definiu como “olhar para trás” e “fomentar a polarização”.

Na Folha, um editorial diz que Bolsonaro, se contivesse seus arroubos, seria um bom contraponto ao Lulismo. Ele, o homem responsável por centenas de milhares de mortes, pelo desmonte do Estado brasileiro, pelo estímulo à criminalidade.

Ora, o maior trunfo de Lula é, justamente, o contraponto ao bolsonarismo. Seu maior feito foi ter livrado o país de um segundo governo Bolsonaro, que seria fatal para a democracia brasileira. Qualquer político minimamente esperto trataria de utilizar esse argumento em todas as oportunidades. É o que poderá segurar as manobras golpistas que inevitavelmente ressurgirão, caso Lula resolva avançar em reformas que atinjam os bilionários.

A segunda crítica imbecilizada é a de que, com apenas 100 dias de gestão, o governo Lula só tenha apresentado projetos, e não obras feitas. É inacreditável a falta de percepção sobre os tempos de maturação de projetos.

A terceira crítica, é que Lula não apresentou nenhuma cara nova, limitando-se a retomar ideias antigas, como o Bolsa Família. É uma visão de marketing cretina. É o mesmo que afirmar que a Globo está no passado, porque utiliza o mesmo nome desde os anos 30. Retomar o Bolsa Família em 100 dias é um feito. O BF é reconhecido, internacionalmente, como um dos programas sociais mais bem sucedidos.  Mas esse pessoal, que confunde programas de governo, construção de Estado, com campanha publicitária, que exige uma “marca” de governo, trata a política com a mesma superficialidade de um publicitário de campanha eleitoral.

É evidente que o governo tem cara. Todas as manifestações, até agora, foram no sentido de colocar novamente o cidadão comum nas políticas públicas. A grande discussão é analisar cada uma das políticas, para saber se cumprem com as promessas de campanha.

Por exemplo, ontem falou-se em modificar as vinculações orçamentárias para Educação e Saúde, uma das maiores conquistas da Constituinte. Dias atrás, o Secretário de Tesouro afirmou taxativamente que haveria uma desvinculação, para se enquadrar nas regras do arcabouço fiscal.

As vinculações foram essenciais para impedir o desmonte das políticas sociais essenciais. As declarações do Secretário do Tesouro me levaram de volta ao pós-Constituinte, quando economistas como Antônio Delfim Netto e outros, diziam que o país não caberia na nova Constituição. Ou seja, tentando enquadrar uma Constituinte eleita na política econômica, e não providenciando uma política econômica à altura dos desafios da Constituinte.

Ainda há muitas dúvidas se e como Lula irá cumprir com suas promessas de campanha. Mas a grande discussão é analisar o conjunto de políticas públicas e seu impacto sobre o cidadão. E deixar de lado esse opinionismo típico de quem não tem o que opinar.

Luis Nassif

5 Comentários

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  1. Oligarquias tem horror a progresso, logo, quaisquer projeto desenvolvimentista será bombardeado com publicidade negativa! Não se pode esperar nada de novo no PIG!

    Mouro, que tal apontar isso em artigos futuros?

  2. Hoje estava relendo um livro do geneticista marxista, professor de Harvard, Richard Lewontin, Not in our genes.

    É uma contestação da interpretação de que o QI inferior dos negros americanos encontrado numa pesquisa publicada no livro The Bell Curve fosse geneticamente determinado.

    O capitulo introdutorio cita a emergência da nova direita americana nos anos 80.
    Acho que nos faria bem aprofundarmos nosso entendimento dos argumentos do debate ideologico. Tudo isto ja foi discutido há 30 anos.. impressionante..

    Livro disponível em pdf. Vejam o índice.

    https://www.google.com/url?sa=t&source=web&rct=j&url=https://ia903102.us.archive.org/21/items/r.c.lewontinstevenroseleonkaminnotinourgenesmassimomorigirepubblicanesimogeopolitico/R.%2520C.%2520Lewontin%252C%2520Steven%2520%2520Rose%252C%2520Leon%2520Kamin%252C%2520Not%2520in%2520Our%2520Genes%2520%252C%2520Massimo%2520Morigi%252C%2520Repubblicanesimo%2520Geopolitico.pdf&ved=2ahUKEwi3n7au7qL-AhXVCLkGHQ_rDIkQFnoECAoQAQ&usg=AOvVaw1xoagcb1Aiu-E3qKHbg1A3

  3. (risos) Bem, é difícil comentar um texto de opinião de um jornalista sobre a opinião de outros jornalistas… Para dar hierarquia ao seu (dele) comentário, Nassif estabelece um sofisma: a boa informação e a má informação, partindo do pressuposto que a tarefa de “informar” divide-se em manipuladores dedicados a arrastar os trouxas e outros que se dedicam a instrumentalizar os mais sabidos… Se não fosse a ingenuidade arrogante que essa ideia já traz, temos a realidade a cortar-lhe as pernas: a informação é sempre uma arma política que cria e ao mesmo tempo é resultante de disputas nesta esfera, onde não há neutralidade, ou boas intenções… Dito isso, temos que de um lado a mídia tenta encurralar o (ainda mais) dócil e domesticado governo Lula III, e tenta evitar a única narrativa que assusta a mídia, ou seja: que falar do governo Bolsonaro possa fazer as pessoas enxergarem que o período anterior só foi possível com a combinação de interesses da mídia, da direita e do centro (leia-se tucanos), das milícias judiciárias e EUA, e, enfim, das elites locais subordinadas às de fora…Mas eu não me preocuparia, em um país que se orgulha da Lei da Anistia, e que acredita piamente em democracia sem conflito, LULA é um produto acabado e perfeito para tocar esse “projeto covardia nacional”….

    PS: democracia, qual democracia? quando é que o capitalismo permite alternância de poder que ameace a si mesmo? então, qual democracia?

  4. Existe entre análises e opiniões, muito de torcida no que é apresentado aos públicos do primeiro grupo. Alguns analistas são contaminados pela paixão ideológica e acabam refletindo nas opiniões essas preferências comprometendo o produto das análises. Mais do que apresentar políticas sociais nascidas nos governos anteriores, o que o País precisa é questionar o porquê após todos os anos que passou, o Brasil continua com esse quadro social em que mais de 100 milhões de pessoas estão em situação de insegurança alimentar. Que razão não permite que essa população não entre na vida econômica do Brasil e não faça parte do seu progresso, que aliás é pouco e insuficiente. A falta de rosto desse País, a falta de rumo para o crescimento, de querer se organizar e desenvolver é um grande entrave. Deixa de caminhar pra frente porque não sabe pra onde vai e nem como pode fazer pra chegar. O custo de não crescer, não progredir e não prosperar é infinitamente maior pra todos do que as políticas públicas para colocar o pobre na agenda do Brasil. Esse quadro antigo da BELÍNDIA, de uma ilha de cidadãos com dinheiro, cercada por esse oceano de abandonados vai impedindo o País de poder estar no mesmo caminho dos que buscam chegar. Lamentável, é podendo, não sair do lugar. É necessário reconhecer que há a necessidade de se construir um País e para isso todos precisam pôr a mão na massa. Soluções que brotem para melhorar as atividades produtivas poderão fazer muito mais ao País e a todas essas pessoas pelo aumento de emprego e de renda também para os empreendimentos. Isso não vale pra 100 dias apenas.

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