Banco da China, Banco do BRICS ou Banco Mundial, eis a questão, por Luís Nassif

Quem será mais eficiente, um sistema subordinado ao mercado financeiro, ou um sistema embasado em um projeto de nação?

É curioso esse processo de reordenamento da ordem mundial. Hoje em dia há dois núcleos em disputa. De um lado, a estrutura agonizante de Bretton Woods, com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. De outro, uma organização que passa pelo Banco do BRICS e pela estrutura montada pela China na rota da Seda.

Historicamente, a Rota da Seda foi uma rede de rotas comerciais que conectavam o Oriente Médio, Ásia Central e Oriental com o Mediterrâneo, África e Europa.

Agora, a China lançou o projeto do Cinturão e Rota da Seda, também conhecido como a Nova Rota da Seda, envolvendo mais de cem países em todo o mundo. Isso inclui países da Ásia, Europa, África e Oriente Médio. Alguns dos países mais envolvidos no projeto são a China, Rússia, Cazaquistão, Paquistão, Indonésia, Irã, Turquia, Espanha e Itália. O projeto visa fortalecer as conexões comerciais e culturais entre esses países, promovendo o desenvolvimento econômico e a cooperação internacional.

Será o parceiro preferencial do Banco do BRICS.

Há uma diferença essencial entre os dois modelos.

Historicamente, FMI e Banco Mundial deveriam trabalhar os desequilíbrios das contas externas de países da Organização das Nações Unidas. O FMI acudia nas crises, com empréstimos, exigindo contrapartidas de políticas de austeridade e desvalorização cambial. Depois, o Banco Mundial entrava financiando projetos que trouxessem desenvolvimento e combate à miséria.

Do pós-guerra aos anos 70, essa fórmula permitiu um crescimento inédito da economia mundial. Com o fim do pacto cambial, o desatrelamento do dólar em relação ao padrão ouro, entrou em vigor a nova era de liberdade total para fluxo de capitais. E, aí, deu-se a diferença essencial.

De seu lado, FMI e Banco Mundial tornaram-se instrumentos de apoio à financeirização da economia. Na crise cambial de 1999, por exemplo, o governo Fernando Henrique Cardoso conseguiu um financiamento robusto do FMI que serviu exclusivamente para resguardar o capital financeiro, financiando sua fuga do país.

Já o modelo chinês é uma estratégia de nação. Por isso, seus aportes obedecem a interesses diretamente ligados à atividade produtiva. Interessa o fortalecimento de parceiros internacionais, ou de ajudar no financiamento de exportação de bens, serviços e empresas chinesas. Esse enfoque na produção faz todo o diferencial.

A resposta do Banco Mundial tem sido muito mais retórica do que efetiva. Em janeiro, o Banco Mundial divulgou uma declaração sobre seu realinhamento, em um documento chamado de Roteiro da Evolução.

O documento baseou-se em um estudo preliminar, “Desenvolvendo a Missão, Operação e Recursos do Banco Mundial: um roteiro“.

No Roteiro, o Banco enfatiza seu compromisso contínuo com os chamados objetivos gêmeos: erradicar a pobreza extrema e promover a prosperidade compartilhada de maneira sustentável.

Manifestou também a intenção de atender a todos os clientes. E jogou um amontoado de siglas:

“O Conselho também confirmou seu compromisso de atender a todos os clientes, incluindo países LICs, MICs, SIDs e FCV. Além disso, a Diretoria reafirmou a necessidade de trabalhar para tornar o WBG mais impactante e envolver-se de forma mais eficaz com outros MDBs, IFIs e outros parceiros internacionais”.

LICS é sigla de países de média e baixa renda. MICs são países de renda média. SIDs são países pequenos em início de desenvolvimento. FCVs são economias frágeis, afetadas por conflitos. WGB é o Grupo do Banco Mundial. MDBs são instituições financeiras multilaterais. IFIs são Instituições Financeiras Internacionais.

Em artigo recente, o presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, trouxe considerações gerais sobre o papel do banco, mas não saiu das generalidades. Propõe um pacto entre o Norte e o Sul globais, admite como compreensível a frustração do Sul Global.

“De muitas maneiras, esses países estão pagando o preço pela prosperidade de outros. Quando deveriam estar em ascensão, temem que os recursos prometidos sejam desviados para a reconstrução da Ucrânia; eles sentem que suas aspirações estão sendo limitadas porque as regras de energia não são aplicadas universalmente, e eles estão preocupados que uma geração florescente seja presa em uma prisão de pobreza”.

Na próxima semana, líderes de 20 das maiores economias do mundo se reunirão na Índia para a Reunião dos Ministros de Finanças e Governadores de Bancos Centrais do G20. A intenção é reformar todos os bancos multilaterais dentro dos princípios do Mapa da Evolução.

Mas como esse esforço exigirá trilhões de dólares, o BM pretende abrir espaço para parceiros do setor privado. Ou seja, admite que não há condições de obter esse apoio dos estados-membros.

E, ai, voltamos para o ponto inicial: quem será mais eficiente, um sistema subordinado ao mercado financeiro, ou um sistema embasado em um projeto de nação?

Luis Nassif

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  1. O “Mercado”, ou seja, os bancos sempre só enxergarão lucros imediatos. A financeirização do mundo, desde Waterloo, maximizada depois de Bretton Woods não permite nada diferente: os Estados geram a riqueza, através de suas políticas públicas e o suor de seus cidadãos: e a agiotagem leva o lucro. Bretton Woods foi meio que Liga de Delos; com Atenas sendo substituída pelos Estados Unidos.

  2. Sobre o compromisso de erradicação da pobreza extrema, o dirigente do banco mundial, esqueceu que tal compromisso é para a colonização de futuros planetas, aqui na terra não! Como os futuros colonizadores serão aplamente finaciados pelos países patrocinadores da empreitada, podemos supor que a extrema miséria não migrará tão cedo para outros planetas. Acredito que a nova rota da seda seja mais promissora.

  3. O mais eficiente, Nassif, para todos os efeitos, seria um sistema sem bancos. Os bancos são a cancela que separa o trabalho (a produção de valor) dos frutos do trabalho (o valor, em si). Essa cancela existe desde que se atribuiu a alguma coisa (sal, metais, papel, hoje sinais eletrônicos) a função de símbolo do valor, supostamente para facilitar sua circulação, e tendo como efeito prático a geração de valor sem trabalho e sua consequente (inevitável, eu diria) acumulação, nas mãos de quem os maneja. Mas o que eu gostaria de destacar é que a existência dos bancos (e seu primogênito talvez bastardo, o sistema financeiro) torna a noção de desenvolvimento uma falácia somente comparável a mais duradoura falácia do Ocidente desde a Revolução Francesa, a tal Democracia. A burguesia não derrotou o tripé Coroa-Nobreza-Clero; apenas tomou-lhe o lugar, mantendo, refinando, e aperfeiçoando os antigos métodos, e revestindo-os de uma aura humanista e igualitária. E a falácia do desenvolvimento é a mesma coisa: os europeus saíram pelo mundo invadindo, saqueando, pilhando, explorando (e seus sinônimos, matando, estuprando, massacrando – pra coisa ruim, o vocabulário humano é inesgotável), e, uma vez instaurada a falácia democrática, comprando (leia-se subornando) as elites nacionais, e fazendo tudo o que faziam antes com outras denominações: ajuda, investimento, cooperação, agência para o desenvolvimento internacional, etc. Eis a obra e o legado do que eu chamo de Binômio Bancos/Corporações. A farsa onomástica se dá com a invenção de expressões eufemísticas (outro campo em que a criatividade humana é de uma fertilidade inacreditável); quando percebeu-se que a expressão “países subdesenvolvidos” (a expressão original, e a única verdadeira), passamos a ser “países em desenvolvimento”; desgastada também essa, viramos “países emergentes”. Agora a China está inaugurando uma nova Era, e o gritante cinismo dessas expressões se torna mais claro a cada dia. Resta saber se, em algum momento, o Binômio conseguirá cooptar esse novo sistema que está surgindo. Ou se o Desenvolvimento, real e distributivo, realmente surgirá dessa nova experiência.

  4. Keynes, o engenheiro arquiteto de Breton Woods pensou num mundo onde seus netos (ele que não os teve) pudessem trabalhar menos dias.
    A mentalidade dos romanos na época do Imperium segundo o suíço Jung: “Todo romano era cercado de escravos. A escravidão e sua psicologia, inundaram a Itália antiga e todo romano se tornou interiormente e claro, incondicionalmente, um escravo”.
    Roma colapsou. Hoje somos cercados de quê?
    Xeque mate…

  5. Quem vai vencer ao final é o modo ocidental de ser, como sempre. Toda essa conversa é a mesma reação que o Ocidente teve de enfrentar desde que deu seu primeiro suspiro, em Atenas de 400 anos AC. Esparta, uma oligarquia, investiu contra as liberdades dos cidadãos de Atenas por medo de que o “mal” se alastrasse e derrubasse os chefetes da hora. A invasão da Ucrânia é uma em dezenas de reedições históricas disso. Assim foi Roma contra Cartago, a Prússia contra a França, a Alemanha contra novamente a França e gora esse mesmo papo de “decadência do Ocidente”. Alguém tem de avisar o Xi Jinping que a Rota da Seda “não lhe pertence mais”. O Ocidente se descobriu como Europa e América (incluído a América Latina, apensar de aqui imperar o realismo fantástico) e já demonstrou diversas vezes que prefere morrer a se submeter aos chefetes que querem dizer o que as pessoas podem ou não fazer. Não é mais tempo de países, que nos dias de hoje servem mais a interesses de oligarquias, mas de discutir o mundo globalizado, sem hegemonias de qualquer tipo. Nenhum país ou bloco tem condições de exercer qualquer hegemonia duradoura, muito menos China e Rússia com base na força, até porque elas dependem umbilicalmente dos outros, notadamente do “Ocidente”. Essa nova maneira já estava emergindo naturalmente, a Guerra foi um erro, a posição do Brasil é vexatória. O Lula saiu muito bem no início, quando condenou sem ressalvas a ação do Putin, mas parece que certo entorno estacionou no século XIX, onde o mais forte estava justificado a submeter o mais fraco, e não consegue sair dele. Parafraseando Lula quando falou sobre o Moro, tem intelectuais que preferem virar carvão a admitir que suas “teses” baseadas em modelinhos anacrônicos estejam erradas. Pena, pois o Brasil está perdendo mais uma oportunidade histórica de ter grandeza.

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