Políticas de estabilização e estagnação econômica, por Luís Nassif

Nessa terra de brucutus, é possível ouvir economistas de consultorias celebrando estimativas de baixo crescimento como condição para um futuro crescimento

Um dos temas mais palpitantes da nova economia, em discussão nos principais centros acadêmicos, é o do papel das políticas de estabilização na estagnação das nações. Livro recente da economista Clara Mattei – “A ordem do capital – como economistas inventaram a austeridade e prepararam o caminho para o fascismo” – é o novo sucesso nas discussões econômicas mundiais.

O tema foi tratado por André Araújo, em seu portentoso, “Moeda & Prosperidade – o impasse do crescimento na política de estabilização” -, um livro de 900 páginas, que passou despercebido quando foi lançado, há cerca de 15 anos.

O ponto central está no primeiro parágrafo: “O crescimento econômico é compatível com a estabilidade natural de uma economia madura, mas historicamente é incompatível com um Plano de Estabilização Monetária. Um plano artificial de estabilização, como o Plano Real, necessita da estagnação da economia para se impor. O crescimento significa o fim do Plano de Estabilização”.

As contas externas – e o câmbio – são os obstáculos principais no crescimento de uma economia emergente. Nos anos 50 e 60, o Brasil enfrentou enormes desequilíbrios externos, carência de divisas, resolvido com gambiarras que deram certo, como a taxa múltipla de câmbio.

O problema das economias emergentes se agravou com a volta da financeirização da economia e a liberalização dos fluxos de capitais. Especialmente após os anos 90, houve sucessivas corridas contra moedas nacionais e títulos da dívida. Cada corrida especulativa provocava oscilações enormes no câmbio, com reflexos na inflação interna.

Desequilíbrios na balança comercial ou nos fluxos de capital eram resolvidos com desvalorizações cambiais e medidas restritivas ao fluxo de capitais. Para não mexer com interesses do mercado, economistas desenvolveram terapias que impactam emprego, crescimento, produção.
Nos anos 90, Mário Henrique Simonsen e o promissor economista Edmar Bacha tornaram-se os porta-vozes da teoria dos déficits gêmeos. Rezava que déficit externo e interno tinham correlação direta. Para combater o déficit externo seria necessário uma política de austeridade, com aumento de juros e redução dos investimentos públicos.

A lógica, extremamente cruel, era simples:

  1. Com políticas de austeridade, aumento de juros e cortes nos investimentos públicos, haveria uma redução da demanda.
  2. Aumento dos juros ajudaria a reduzir a demanda e os estoques, ajudando a derrubar os preços.
  3. Com menos crescimento haveria menos importação e estímulo aos empresários para exportar os excedentes.
  4. Juros altos desestimulariam investimentos produtivos e atraíriam dólares, provocando uma apreciação da moeda nacional, barateando as importações.
  5. Menos crescimento também reduziria o poder de barganha dos sindicatos, reduzindo a pressão dos salários.

Durante todos os anos 90, todas as crises foram tratadas com arrocho fiscal e aumento de juros. Pior que isso. Queda da atividade econômica reduz a arrecadação fiscal. Com menos arrecadação, há uma pressão sobre as contas públicas. Em vez de se estimular a economia com mais investimentos – que teriam a contrapartida de um aumento posterior da receita fiscal – recorria-se exclusivamente a mais corte de despesas, que pressionaram ainda mais a atividade econômica.

E, toda essa irracionalidade era vendida como decisão técnica, no padrão economia doméstica, na qual a austeridade é vista como virtude. Na vida pessoal, a economia de hoje serve como poupança de amanhã. Na economia, os cortes de gastos de hoje significam a prorrogação da estagnação da economia.

Mesmo assim, nessa terra de brucutus, é possível ouvir economistas de consultorias celebrando estimativas de baixo crescimento como condição para um futuro crescimento. Ou executivos celebrando aumento de taxas de desemprego, como sinais positivos.

Luis Nassif

1 Comentário

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  1. Como a economia é feita de um conjunto de atividades, cuja tendência natural é expandir, essas medidas só produzem pobreza. Por menor que seja, o aumento nos contingentes populacionais distribuidos entre todas as classes sociais já reduz a chance de sucesso dessa lógica. Esse caminho tem como fundamento a abdicação do desejo de desenvolvimento, pois nega o movimento de evolução na economia que é o que promove atingir os ganhos de produtividade com algum aumento de competitividade. Ao reduzir o potencial econômico e de desenvolvimento do País, fica afastado o termo “em desenvolvimento”. Uma vez que a economia é um processo de ações e intervenções buscando a eficiência do conjunto, o fator juros tem importância nesse funcionamento. Como foi citado “economia madura”; aos que já chegaram lá o peso dos juros não é o mesmo. Os títulos públicos tem mais a função de garantia dos recursos do que de remuneração. No Brasil que depende de crédito e financiamento para o dia-a-dia na maior parte dos negócios, fica difícil.

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