Imposto sobre carbono poderá salvar a siderurgia brasileira, por Luís Nassif

O minério de ferro sai de Carajás, vai até a China, é transformado em aço ou equipamentos e retorna ao Brasil, com alto consumo de carbono.

Peça 1 – o imposto sobre carbono

Quando se discute impostos globais, a cobrança mais óbvia é o imposto sobre carbono. Está sendo visto como alternativa inclusive para os problemas fiscais dos Estados Unidos.

Recentemente, o Instituto Peterson publicou estudo sobre o tema.

“ Em 2025, a reforma fiscal pode ser uma componente chave para responder às pressões fiscais e construir um sistema fiscal que seja mais justo, mais eficiente e mais adequado à liderança econômica dos EUA”, diz o trabalho.

“Um conjunto de reformas fiscais corporativas e internacionais ajudaria a enfrentar estes desafios, reduzindo ao mesmo tempo os incentivos à deslocalização e à transferência de lucros que estão incorporados na legislação atual. Estas reformas são agora mais desejáveis ​​do que nunca devido à adoção do acordo fiscal internacional em muitas jurisdições no estrangeiro, o que está a reduzir as pressões da concorrência fiscal”.

E aí se chega na política climática. “A imposição de uma modesta taxa de carbono além da Lei de Redução da Inflação poderia reduzir as emissões, gerar grandes fluxos de receitas e facilitar os esforços de cooperação com os nossos parceiros no estrangeiro para incentivar a redução das emissões a nível mundial”.

Peça 2 – a crise das siderúrgicas nacionais

Recentemente, a Gerdau demitiu 100 trabalhadores da fábrica de Pindamonhangaba, interior de São Paulo. Defendeu uma tarifa emergencial de ao menos 25% sobre as importações de aço, para assegurar a sobrevivência das siderúrgicas nacionais.

O Indicador de Confiança da Indústria de Aço (CIA) fechou em 40,9 pontos em janeiro. Qualquer índice abaixo de 50 é considerado negativo. É o 15º mês com o índice abaixo dos 50. 

A raiz da crise está na desaceleração do mercado imobiliário chinês desde a crise da Evergrande, uma das maiores empresas do setor. Essa desaceleração gerou um excedente na produção de aço. No ano passado, a China exportou 90 milhões de toneladas e o Brasil foi o sétimo maior destino de suas exportações.

No segmento de aços laminados, foram mais de 2,5 milhões de toneladas, competindo diretamente com as siderúrgica brasileiras – cuja produção total é de 4,4 milhões de toneladas/ano. Se somar os produtos semi-acabados, são mais 3 milhões de toneladas, 60% do volume importado pelo país.

O Instituto Aço Brasil prevê queda de 3% na produção de aço em 2024 e de 6% nas vendas internas. A produção anual é de 30,4 milhões de toneladas e as vendas internas são de 18 milhões de toneladas.

Calcula crescimento de 20% nas importações, um aumento de 79% em relação a 2022. Já as exportações devem crescer apenas 1,3% e o consumo aparente 1%.

O Aço Brasil calcula uma perda de arrecadação de R$ 3,4 bilhões, uma perda de faturamento projetada de R$ 36,7 bilhões e um número incalculável de desemprego.

Peça 3 – imposto de importação e sobre carbono

Em 2018, o governo Trump impôs tarifas de 25% sobre as importações de aço sob as seções 201 e 301 da Lei de Comércio Exterior de 1974. As tarifas da Seção 201 visam proteger a segurança nacional, enquanto as da Seção 301 visam práticas comerciais desleais da China.

Em 2021, o governo Biden iniciou uma revisão das tarifas da Seção 201. A revisão está em andamento e o resultado final ainda é incerto.

Em relação ao Brasil, há um movimento esdrúxulo. O setor defende um imposto de importação de 25% sobre o aço chinês.

Por outro lado, o minério de ferro sai de Carajás, vai até a China, é transformado em aço ou equipamentos e retorna ao Brasil. Esse trajeto impõe um alto consumo de carbono.

O trajeto do minério de ferro de Carajás até a China pode ser dividido em três etapas principais:

1. De Carajás até o porto de Itaqui:

– O minério de ferro é extraído da mina de Carajás, no estado do Pará, Brasil.

– É transportado por trem até o Porto de Itaqui, em São Luís, Maranhão. Essa etapa percorre cerca de 900 km.

– O modal ferroviário é utilizado por ser mais eficiente e ambientalmente amigável do que o transporte rodoviário.

2. Do Porto de Itaqui até a China:

– O minério de ferro é embarcado em navios cargueiros no Porto de Itaqui.

– A viagem marítima até a China dura cerca de 30 a 40 dias, percorrendo aproximadamente 24.000 km.

– A rota marítima mais comum passa pelo Oceano Atlântico, Canal do Panamá e Oceano Pacífico.

– Diversos portos chineses recebem o minério de ferro de Carajás, como Qingdao, Tianjin e Caofeidian.

3. Da China até o consumidor final:

– O minério de ferro é desembarcado nos portos chineses e transportado para as siderúrgicas.

– Nas siderúrgicas, o minério de ferro é transformado em aço.

Em média, um navio cargueiro com capacidade de 200.000 toneladas de minério de ferro emite cerca de 25.000 toneladas de CO2 em uma viagem de 10.000 milhas náuticas.

Uma locomotiva diesel-elétrica transportando 10.000 toneladas de minério de ferro em uma viagem de 1.000 km emite cerca de 2.000 toneladas de CO2.

Peça 4 – o imposto sobre carbono

O imposto sobre carbono é um instrumento de política ambiental que visa desestimular a emissão de gases de efeito estufa (GEE), principalmente o dióxido de carbono (CO2). O imposto é aplicado sobre a quantidade de carbono emitida por empresas, atividades ou produtos, e o valor arrecadado pode ser utilizado para financiar políticas de combate às mudanças climáticas, como investimento em energias renováveis, reflorestamento e desenvolvimento de tecnologias de baixo carbono.

Existem diferentes métodos para calcular o imposto sobre carbono:

1. Abordagem baseada na quantidade:

– Imposto fixo por tonelada de CO2: É estabelecido um valor fixo por tonelada de CO2 emitida. Essa é a forma mais simples de calcular o imposto, mas pode ser menos eficaz na redução das emissões, pois não leva em consideração a capacidade de pagamento das empresas ou o potencial de redução de emissão de cada atividade.

– Imposto diferenciado por setor: O imposto pode ser diferenciado por setor da economia, levando em consideração a intensidade de carbono de cada setor. Essa abordagem pode ser mais eficaz na redução das emissões, mas pode ser mais complexa de implementar.

2. Abordagem baseada no desempenho:

– Sistema de ‘cap-and-trade’: Um limite máximo de emissão é estabelecido para um conjunto de empresas ou setores. As empresas que emitem menos do que o limite podem vender seus créditos de emissão para empresas que emitem mais. Essa abordagem pode ser mais eficiente na redução das emissões, mas pode ser mais complexa de implementar e monitorar.

3. Abordagem híbrida:

– Combinação de elementos das abordagens baseadas na quantidade e no desempenho. Essa abordagem pode ser mais flexível e eficaz na redução das emissões, mas pode ser mais complexa de implementar.

Hoje em dia, há uma cobrança cada vez maior pela descarbonização na mineração. O Brasil tem avançado nessa linha. Mas a China tem um desafio enorme: o transporte do minério de ferro até o país e a volta, na forma de produtos siderúrgicos e máquinas.

É por aí que se poderia defender a siderurgia brasileira e, ao mesmo tempo, contribuir para a melhoria ambiental: um imposto sobre o carbono utilizado pela China na ida do minério e na volta dos produtos industrializados.

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Luis Nassif

4 Comentários

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  1. Ok, entendi.

    Mas estes tributos não deveriam ser dirigidos a mitigação de impactos socioambientais provocadas pela cadeia produtiva do carbono?

    Vão pegar o dinheiro para “salvar” o setor que ajuda em nossa danação?

    Até quando, Nassif, o capitalismo brasileiro vai depender de recursos estatais?

    Ou é a intervenção estatal para pagar juros, ou dinheiro de impostos para pagar a incompetência competitiva dos “bravos empresários”, que pegam dinheiro público, a arrostam liberalismo…livre iniciativa…

    Sequer aceitam, junto com os acólitos da mídia, que o acionista governo dê as cartas (como é o caso da Petrobrás e da Vale)…

    Uai, não é melhor acabar com essa agonia logo?

    Para que serve o capitalismo brasileiro, senão para massacrar os brasileiros e garantir a estabilidade da elite mundial europeia e dos EUA?

  2. Lembro que quando o Lula resolveu retomar a construção da ferrovia Norte-Sul, as siderúrgicas brasileiras fizeram cartel, impondo preço altíssimo na produção de trilhos. O jeito foi importar da China. Logo em seguida começaram a sair na imprensa notícias que o aço dos trilhos era de péssima qualidade, mas a ferrovia tá funcionando.
    Agora pedem penico.

  3. Nassif, a emissão de CO2 da locomotiva não parece estar certa.
    Para emitir 2.000 toneladas de CO2 em 1.000 km, a locomotiva teria que consumir mais do que 2.000 toneladas de diesel. Não sei quanto uma locomotiva diesel elétrica consome, mas este número parece exagerado.

  4. Senti falta da apresentação do valor da tonelada de aço laminado, ou qualquer outro, importado da China, e o valor do mesmo produzido no Brasil.

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