As incógnitas na transição energética brasileira, por Luís Nassif

O desafio é definir os setores nos quais o país terá efetiva competitividade, para não colocar dinheiro em setores sem futuro.

BNDES

O Senhor Crise sempre acudiu o Brasil nos momentos dramáticos. Em 1844 a Lei Alves Branco protegeu a indústria brasileira da invasão dos manufaturados ingleses e se valeu de tributos sobre o café para financiar a incipiente indústria nacional.

Nos anos 30, uma crise cambial brava obrigou o então presidente Getúlio Vargas a interromper os fluxos de capitais. E a consequência foi o dinheiro sair da financeirização fácil e ajudar na criação da indústria paulista. No seu período, uma brava crise energética permitiu a JK destravar a criação de Furnas.

Em 2008, a crise internacional obrigou Lula a sair dos cânones da financeirização e se consagrar como o estadista do período.

Agora, nada. Nem a crise da pandemia, obrigando a uma reestruturação completa das cadeias produtivas globais, nem a guerra da Ucrânia, mostrando a relevância de produção interna de insumos básicos, parece ter acordado o país.

Em entrevista ao programa Nova Economia, da TVGGN no Youtube, Sérgio Leitão, do Instituto Escolha, trouxe um diagnóstico relevante sobre a nova etapa da economia, da transição energética e da economia verde.

Hoje em dia está se falando em sustentabilidade, diz ele, está na proposta da política da neoindustrialização, mas não está roteirizado para acontecer de verdade.

A pergunta central é: onde vai se colocar os centavos que o país dispõe? Onde o país vai ser grande? Quais os setores prioritários, em um momento de ampla invasão chinesa? Sérgio lembrou as lições de Antonio Barros de Castro: a gente coloca 500 bilhões, a China coloca trilhões. Como competir?

O desafio é, então, primeiro definir os setores nos quais o país terá efetiva competitividade, para não colocar dinheiro em setores sem futuro.

O segundo desafio é saber o que entendemos como transição energética. Por quanto tempo continuaremos explorando o petróleo? É uma pergunta fundamental que o país não discute. Não se sabe por quanto tempo o país continuará investindo em petróleo. E não se sabe qual o montante do recurso que será preservado para financiar a nova matriz. Havia com o fundo soberano criado pela então Ministra Dilma Rousseff na lei da partilha do petróleo.

No plano decenal de energia, 80% dos investimentos é para exploração de petróleo, na viabilização da perfuração de poços. E não se fez o debate: quanto poços de petróleo o Brasil precisaria perfurar para garantir a transição e os recursos para a transição energética.

Hoje, segundo Sérgio, o Brasil tem problemas mais graves na transição do que a Europa e os Estados Unidos. Apesar de uma matriz mais limpa, 40% dos combustíveis de veículos vêm do petróleo. Nos países desenvolvidos, há recursos para a transição e autoridades que certamente estõa centralizando esse processo. E por aqui?

Na virada do século 19 para o 20 a indústria do petróleo só aconteceu quando houve uma forte intervenção do governo, coordenando a transição. Mas só aconteceu porque havia uma coordenação centralizada.

Por aqui, não ocorre nada. O Plano de Metas de JK só aconteceu porque havia uma forte coordenação.

O Plano de Metas

Aqui, um parêntesis para explicar o modelo de gestão do Plano de Metas.

. Conselho do Desenvolvimento:

  • Criado em 1º de fevereiro de 1956, era o principal órgão responsável pelo planejamento e acompanhamento do Plano de Metas.
  • Presidido por Juscelino Kubitschek, contava com a participação de ministros, técnicos e representantes do setor privado.
  • Subordinado à Presidência da República, o Conselho do Desenvolvimento tinha autonomia para tomar decisões e mobilizar recursos para a execução do Plano de Metas.

2. Grupo Executivo do Plano de Metas:

  • Órgão técnico composto por especialistas em diversas áreas, como economia, engenharia e administração.
  • Responsável pela elaboração de projetos, acompanhamento das obras e avaliação dos resultados do Plano de Metas.
  • Coordenado por Lucas Lopes, o Grupo Executivo do Plano de Metas era o elo entre o Conselho do Desenvolvimento e os órgãos responsáveis pela execução das metas.

3. Ministérios:

  • Cada ministério era responsável por um conjunto de metas específicas do Plano de Metas.
  • O Ministério da Viação e Obras Públicas, por exemplo, foi responsável pela construção de Brasília, rodovias e hidrelétricas.
  • O Ministério da Fazenda era responsável pela captação de recursos para o Plano de Metas.

4. Empresas estatais:

  • As empresas estatais, como a Petrobras, a Eletrobras e a Companhia Siderúrgica Nacional, tiveram um papel fundamental na execução do Plano de Metas.
  • Essas empresas investiram em setores estratégicos da economia, como energia, transporte e siderurgia.

5. Setor privado:

  • O setor privado também teve um papel importante no Plano de Metas, principalmente na construção de fábricas, usinas e outras obras de infraestrutura.
  • O governo concedeu incentivos fiscais e financeiros para atrair investimentos privados para o Plano de Metas.

6. Assessores e colaboradores:

  • Juscelino Kubitschek contava com uma equipe de assessores e colaboradores de grande capacidade, como:
    • Lucas Lopes: Economista e político, foi o coordenador do Grupo Executivo do Plano de Metas.
    • Israel Pinheiro: Empresário e político, foi responsável pela construção de Brasília.
    • Celso Furtado: Economista, foi um dos principais idealizadores do Plano de Metas.

O sucesso do Plano de Metas foi resultado da coordenação eficaz entre esses diversos órgãos, pessoas e setores da sociedade brasileira.

A neoindusrialização

Até agora, diz Sérgio, fala-se em hidrogênio verde. Fala-se em investimento pesados no nordeste, mas os investimentos teriam que ser o triplo do que ocorre hoje, com todos os conflitos sociais decorrentes.

Tem mais problemas. Quando teve início a industria do petróleo, criou-se um modelo de navios e de transporte que assegurou a expansão. Até agora não existe sequer modelos de navio para transporte do hidrogênio verde.

Sérgio considera que uma das vocações do país seria a bioquímica verde.

Formas de defesa da produção siderúrgica, por exemplo, poderia ser a cobrança de impostos sobre produção de carbono. A saída de minério de ferro de Carajás para a China, a volta ao país na forma de produtos siderúrgicos, tudo isso demanda enorme produção de carbono. Um dos caminhos para a defesa da siderurgia nacional poderia ser esse imposto.

O seguro cambial de Haddad

Na reunião do G20, o MInistro da Fazenda Fernando Haddad anunciou a criação de um fundo de hedge cambial. O maior entrave à entrada de investimento produtivo no país é a volatilidade cambial. A empresa entra, investe, estima o retorno do capital, em reais, mas tudo pode ser alterado pela mudança do câmbio. Esse fundo funcionaria como um seguro.

A partir dele, poderá haver um direcionamento dos investimentos, a criação de um conjunto de condicionalidades para o uso do fundo, que poderá canalizar recursos para a transição energética ou outros setores prioritários do governo. Tudo dependerá da regulamentação do fundo.

No caso, haveria uma novidade para um país que não respeita seus recursos: a criação de condicionalidades. Todos os planos de estímulo ao setor privado vieram sem condicionalidades. A indústria automobilística foi beneficiada por enormes subsídios, sem necessidade de compromisso com emprego, exportação, melhoria tecnológica. O agronegócio é amparado pelo Proagro, R$ 400 bilhões/ano, sem nenhum compromisso com melhoria da produtividade ou do meio ambiente.

O plano de Haddad poderá inaugurar uma nova época de respeito aos subsídios públicos.

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Luis Nassif

4 Comentários

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  1. 1) “Formas de defesa da produção siderúrgica, por exemplo, poderia ser a cobrança de impostos sobre produção de carbono. A saída de minério de ferro de Carajás para a China, a volta ao país na forma de produtos siderúrgicos, tudo isso demanda enorme produção de carbono. Um dos caminhos para a defesa da siderurgia nacional poderia ser esse imposto”. Imaginemos então como seria a emissão de carbono se em lugar de exportar minério, estivèssemos produzindo aço. Nada contra, pelo contrário, mas moeda tem no mínimo dias faces.

    2) Claro que em escala pequena, mas, porco, boi e cana já se sustentam e vendem energia, sorte nossa.

    3) Bioquímica verde?

  2. Somente poderemos parar de queimar petróleo se tivermos outra fonte de energia disponível 24 horas. Passar fábricas que utilizem queima de petróleo, automóveis e demais veículos para a eletricidade impactará em aumentar a geração de energia, somente a substituição de petróleo por eletricidade obrigará o Brasil a dobrar sua produção de energia elétrica. Então ao invés de queimarmos petróleo nos carro queimaremos em termoelétricas. A vantagem fica por haver melhor controle de poluição nas termoelétricas.

  3. Prezado Nassif,

    a maior parte da cadeia para transporte de hidrogênio já existe porque o hidrogênio será transportado na forma de amônia (NH_3) e não como moléculas de hidrogênio.

    Atenciosamente,
    Roberto

  4. Por que criar um fundo de hedge cambial? Para beneficiar só alguns escolhidos do rei? Não deveria o câmbio como um preço fundamental para economia ser estável para todos? Não é esse fundo uma gambiarra para não enfrentar o problema?

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