A marca da sabotagem, por Valter Duarte

Enviado por Roberto Bitencourt da Silva

Por Valter Duarte Ferreira Filho

Palavras do presidente da FIESP: “Com um cenário político estável, acreditamos que haverá uma retomada rápida da economia”. Palavras do presidente da CNA: “Temos de fazer um novo pacto social para reconstruir a economia”.

Não me canso de dizer, e tenho um livro fundamentando isso, que economia não existe. Das muitas coisas decorrentes dessa afirmação veio a descoberta de que dinheiro é direito/meio de comando, objeto político representante incruento da violência. Por isso leio de modo diferente o que dizem esses dois presidentes de associações burguesas.

Não me importa que falem em “economia”, pois sei o que pretendem significar e o que estão propondo, conscientes ou não da contradição que praticam. Com “economia” apelam para que se entenda uma realidade impessoal e autônoma. É confiança no resultado do que o imaginário liberal logrou produzir com imensa força cultural.

Porém, quando eles sugerem que essa ordem, a “ordem econômica”, precisa de “um cenário político estável” e que “temos de fazer um novo pacto social”, confessam que há entre eles comandantes monetários que não estão agindo, desse modo, provocando diminuição e até colapsos de comando monetário da produção, com queda de consumo, de empregos e de tudo o que a esse comando estiver relacionado.

Nota-se que não estão dizendo que haja falta de matérias-primas, de meios de produção, de trabalhadores ou de potenciais consumidores. Nada disso. Em rigor, os presidentes da FIESP e da CNA estão dizendo é que o comandante supremo, o Governo, não está agindo do modo que os comandantes monetários privados querem.

Eles estão dizendo que do jeito que está as atividades burguesas que impulsionam o capitalismo (fenômeno monetário que foi levado a ser forma de governo) foram diminuídas até que os burgueses tenham em seu favor, ou pelo menos encaminhando-as, as regras para as relações sociais da produção ao consumo de acordo com o que consideram conveniente para eles.

Caso contrário, que é como está, eles continuarão comandando o mínimo que possam e, assim, não pondo em circulação os direitos/meios de comando que têm em mãos para fazer o capitalismo brasileiro funcionar, com as graves consequências que isso acarreta.

A sabotagem é clara. No tempo do Jango houve boicote de abastecimento. Agora, o boicote é de dinheiro e de ações burguesas. Não que o dinheiro esteja em falta, pois como direito estocado está aí nos bancos em milhões de contas de pessoas físicas e jurídicas, fora o fato de até poder ser produzido pelo Banco Central.

Porém, é aí que entram os bancos, os banqueiros, os vendedores de dinheiro, os agiotas assim não reconhecidos, pois estão livres das leis contra a usura. Eles são credores do Governo, de burgueses, de assalariados com um preço altíssimo do dinheiro que emprestam (taxa de juros). É histórico o fato de os banqueiros exigirem austeridade por parte dos endividados. Eles sabotam a sociedade inteira em favor de seus balanços.

O Governo Dilma caiu nessa e fez o malfadado ajuste fiscal. Mas, o que fazer? As raízes desse aprisionamento dos governos por parte dos bancos são antigas e nunca foram estudadas. Estão lá no Art. 4° da Bill of Rights (1688) e na fundação do Banco da Inglaterra (1694), banco de particulares com funções de banco central. Deram em coisas muito desenvolvidas nos dias de hoje.

Assunto tão vasto, não tenho aqui como passar do pouquíssimo que escrevi. Acredito, porém, que dei uma ideia a respeito das minhas razões de discordar daqueles que dizem que o Lula, a Dilma e o PT estiveram ou estão no “poder”. Ser presidente não significa ter “tomado o poder”.

Quando, então, alguém chega à Presidência mal ou bem representando sociologicamente os comandados pode provocar essas reações de comandantes como as que as que ocorrem agora no Brasil e sofrer sabotagens as mais variadas para cair fora. É, me lembrei daquele filme: “Queimada”. Muito difícil acreditar que alguém do povo, pelo povo e para o povo possa comandar uma sociedade capitalista.

Não, não, democracia, não. Não me engana que eu não gosto de ver esses rituais em que os comandados têm mesmo é que legitimar os comandantes, ou vão mais cedo ou mais tarde serem sabotados para deixar a Presidência que conquistaram nas urnas.

Valter Duarte Ferreira Filho – professor de Ciência Política da UFRJ e da UERJ.

Redação

4 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1.  “Com um cenário político

     “Com um cenário político estável, acreditamos que haverá uma retomada rápida da economia”. 

    Se a bandidagem golpista abrir concursos para a contratação de uns 800.000 policiais militares para contenção de revoltas populares….Com muita dificuldades, serão capazes de conseguirem algum sucesso .

  2. Não é que não exista

    Não acho que a economia simplesmente não existe, mas que ela tem uma fortíssima influência das ações políticas, que os especialistas da mídia insistem em negar, como se tudo pertencesse ao domínio da técnica.

    É por isso que alguém “do povo” não tem como governar sem fazer as alianças e as concessões necessárias, caso contrário será implacavelmente sabotado. Tecnicamente, Dilma é até mais preparada do que Lula, mas não tem a mesma capacidade de articulação política, por isso não soube perceber o jogo que estava sendo montado contra ela.

    1. Não existe mesmo, Márcio

      Não existe mesmo, Márcio Carioca. Trata-se de um imaginário derivado de um argumento político com fundamentos religiosos e que virou um fortíssimo fenômeno cultural. Leia meu livro “Economia: obstáculo epistemológico” (estudo das raízes políticas e religiosas do imaginário liberal) para ver que não estou brincando. Não estou agindo de forma simples e gratuita..

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador