Ronaldo Bicalho
Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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Da picaretagem à burrice: A saga de um governo otário, por Ronaldo Bicalho

Sobre o acordo que o BNDES fez com a Eletrobras para desenvolver projetos de descarbonização na Amazônia e recuperação de bacias hidrográficas

Agência Brasil

Da picaretagem à burrice: A saga de um governo otário

por Ronaldo Bicalho

Segundo o Poder 360, o foco da cooperação está no desenvolvimento de parcerias de restauração ambiental para impulsionar recursos que serão investidos em fundos regionais. O horizonte de ações da parceria contempla planos de descarbonização na região amazônica, melhoria da navegabilidade dos rios Madeira e Tocantins, e projetos para interligar comunidades isoladas.

O acordo envolve R$ 10 bilhões a serem aplicados ao longo de 10 anos.

Essa história está mal contada.

A privatização da Eletrobras envolveu um valor total de R$ 67 bilhões. Compostos da seguinte maneira.

R$ 25 bilhões: Valor pago ao Tesouro Nacional como bônus de outorga pela renovação da concessão de 22 usinas hidrelétricas. Renovação esta que libera a Eletrobras para sair do regime de cota e passar a cobrar o preço de mercado.

R$ 32 bilhões: Desembolsado em 25 anos, esse valor serve para reduzir o aumento das tarifas causado pela descotização fruto da privatização e é depositado pela Eletrobras na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).

R$ 10 bilhões: Valor desembolsado pela Eletrobras ao longo de dez anos para constituir um fundo de recuperação de bacias.

O que nos interessa é esse último item.

Ao longo da privatização foi alertado várias vezes que esse fundo era um recurso público e não deveria ficar sob a gestão privada da Eletrobras porque eles seriam usados como moeda de troca política pela empresa. A boa prática aconselha que fundos públicos, principalmente dessa monta, sejam geridos por entes públicos, de acordo com o interesse público.

São esses R$ 10 bilhões que a Eletrobras está colocando na roda de negociação com o governo. (Como havia tentado anteriormente com os R$ 32 bilhões da redução dos impactos da descotização.)

Em outras palavras, a empresa está fazendo um favor ao governo com o dinheiro de um fundo que deveria ser público. Ou seja, no limite, com o dinheiro do próprio governo.

Para culminar a lambança, segundo a Isto É, “Com a benção do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o ex-presidente do Tribunal de Justiça Desportiva de Alagoas Rogério Melo Teixeira foi escolhido para comandar a Diretoria de Engenharia de Implantação dos Fundos Regionais da Eletrobras. Advogado de formação, Teixeira deverá administrar uma montanha de R$ 10 bilhões nos próximos anos. Lira foi um dos principais responsáveis no Congresso Nacional pela privatização da Eletrobras.”

Se há alguns meses, aventou-se a picaretagem de antecipar os R$ 32 bilhões destinados a reduzir os impactos do aumento da tarifa em função da descotização advinda da própria privatização para reduzir as tarifas agora, nesse momento se concretiza uma picaretagem de usar um fundo público para fazer agrados a um governo que não se furta de fazer acordos com uma empresa que ele, a princípio, está lutando para reaver o controle.

Alguém deveria informar ao presidente Lula que estão usando o dinheiro dele pra comprar apoios e fazer presença na área ambiental. Isso tudo sem botar um tostão furado, como é a característica da rapaziada que controla a Eletrobras.

Isso não é incompetência. Isso é burrice. É fazer papel de otário.

Ronaldo Bicalho – Engenheiro químico e doutor em Economia pela UFRJ. Trabalha como pesquisador do IE-UFRJ e suas áreas de interesse são a política energética e as transformações estruturais do setor de energia.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

2 Comentários

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  1. Capitalismo sem risco, lucro sem inovação ou investimento em redução de danos ambientais, investimentos privados com dinheiro público e, é claro, total impunidade garantida pelo sistema de justiça com ajuda dos “canetas” do neolineralismo na imprensa. O que no Brasil os vagabundos chamam de concorrência e capitalismo são respectivamente cunhadismo e feudalismo extrativista. Assim como os portugueses extraíram pau-brasil do litoral, os descendentes deles 520 anos depois extraem dinheiro do orçamento em Brasília. O futuro do Brasil está no passado… e a matança de índios vai continuar, porque o Estado não foi construído para abrigá-los e sim para legitimar a conquista dos territórios deles.

  2. O Brasil ainda vive os “bons tempos” do Brasil colônia e a escravatura ainda não foi abolida; vivemos sob o comando de D.João VI e sua claque. Tudo ao melhor estilo Lampedusa.

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