Belluzzo: “Neoliberalismo está moribundo, mas não sabemos para onde vamos”

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: RBA

Por Eduardo Maretti

Na RBA

No jogo econômico e geopolítico global de hoje, as principais cartas estão colocadas por um gigante do Oriente. “A escalada da China não tem como ser contida. A não ser que se tente fazer uma coisa de enorme violência”, diz o economista Luiz Gonzaga Belluzzo.

“O que a China fez foi se encaixar de maneira adequada na globalização, proposta pela expansão americana financeira e produtiva”, diz. Prova disso é que os chineses estão comprando empresas em todo o mundo. Inclusive no Brasil, nos setores estratégicos de energia e petróleo.

Por outro lado, os Estados Unidos continuam a possuir uma carta fundamental no jogo da economia e finanças globais: o dólar. “É o ativo em que o mercado confia.” O resultado da complexa disputa pelo protagonismo mundial ou por posições estratégicas não está claro, considerando que o mundo passa por uma transição que parece apontar para o fim da hegemonia neoliberal, mas sem horizontes muito claros.

“Acho que estamos num momento de passagem, não sabemos bem para onde. Eu diria que o arranjo internacional está moribundo, está sendo fundamentalmente sustentado pela exceção chinesa, que é uma parte do conjunto”, diz Belluzzo. “Acho que esse arranjo proposto lá atrás, nos anos 80, que o pessoal chama de neoliberalismo, está moribundo, mas não morre.”

Enquanto isso, o Brasil é hoje apenas formalmente parte integrante do Brics – bloco em que está ao lado de Rússia, Índia, China e África do Sul –, pois na prática perdeu completamente o protagonismo e caminha por uma opção geopolítica equivocada, ao reaproximar-se da esfera norte-americana.

“Estamos fazendo uma aproximação geopolítica errada. Os chineses estão entrando aqui e não estamos exigindo ou negociando nada com eles.” E, no Brics, o Brasil de Michel Temer “não faz nada”.

Principalmente porque, segundo Belluzzo, sob o governo de Michel Temer e seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o país está sem comando. “Eles não têm noção de nada, não têm noção do que estão falando”, diz o economista, em entrevista à RBA. “Conheço bem o presidente da República. Ele tem uma inteligência bem restrita”, garante Belluzzo.

Recentemente o FMI informou que a dívida global chegou a 225% do PIB mundial, com valor de U$ 164 trilhões. Como interpreta esse dado?

Depois da crise de 2008-2009, os bancos centrais entraram firmemente para impedir que a crise se espalhasse de maneira incontrolável e bloqueasse os mercados interbancários, que ficaram paralisados. Sem a presença dos bancos e dos mercados financeiros numa economia como a de hoje, haveria um colapso de grandes proporções. Vamos olhar as dívidas públicas. A do Japão, por exemplo, é de mais de 200% do PIB, o que já vem dos anos 90 pelas operações que fizeram, para segurar a economia japonesa, depois da crise iniciada em 1989.

Em 2006, antes da crise, a dívida pública dos Estados Unidos estava em torno de 60% do PIB, e hoje está em torno de 110%. Por que subiu a dívida pública? O governo americano gastou mais em infraestrutura, obras públicas? Não. Foi porque o tesouro foi obrigado a socorrer os bancos, com títulos da dívida pública, o título considerado mais seguro, a cúspide do sistema financeiro internacional. É o ativo em que o mercado confia. Quando há insegurança maior, todo mundo corre para o título da dívida pública americana.

Então aumentou a dívida pública americana por causa dessa operação. Em seguida, por causa das taxas de juros muito baixas, os fundos e bancos de investimento começaram a se realavancar. Há uma tremenda expansão do crédito intrafinanceiro e também para as empresas transnacionais.

O excesso de liquidez – muito dinheiro considerado confiável, o dólar americano – forçou o endividamento das empresas da periferia. No Brasil, por exemplo, as empresas privadas começaram a tomar muita dívida em dólar, sobretudo porque era barato, a taxa de juros baixa. Então há um endividamento elevado das empresas brasileiras em dólar. Isso foi percebido agora, porque o dólar começou a ficar caro e isso afeta o estoque de dívida das empresas.

Isso globalmente…

Globalmente: Turquia, Brasil, Índia, vários países que fizeram endividamentos altos. Quando se desvaloriza o dólar, o Federal Reserve (banco central americano) deu sinal de que poderia começar a diminuir a compra de ativos privados, o seu papel de market maker, como comprador e vendedor nos mercados secundários. Quando ele começou a dar o sinal, correu todo mundo pra sair das posições nos países que estavam com moeda valorizada. Esse é o fenômeno da extrema dependência que os países têm dos movimentos da política monetária americana. Ela dá um soluço lá, isso afeta todo mundo.

Essa discussão não é feita no Brasil, porque os economistas de bancos não querem saber dessa história. Eles querem dizer que o Brasil tem essa vulnerabilidade, a despeito das reservas altas (U$ 380 bilhões), porque a situação fiscal é ruim. A situação fiscal é ruim no mundo inteiro, porque todas as moedas se desvalorizaram em relação ao dólar. Todas. Menos algumas, como o yuan chinês, porque eles têm uma política de controle de câmbio.

Está existindo uma fuga de investidores de países emergentes?

Isso é um pouco mais complicado, porque você opera nos mercados futuros. Você muda a posição de estar vendido em dólar para ficar comprado. É uma mudança de posição dos seus estoques de riqueza. Por exemplo, quando o investidor percebe que vai haver uma desvalorização do real ele deixa de apostar no real e passa a apostar no dólar…

Mas está acontecendo isso?

Claro que está. Mas o Brasil tem uma proteção (as reservas). A questão central é que você não pode ter um preço tão fundamental, como o câmbio, sujeito a essas flutuações, a essas incertezas. Quem fez um projeto de aumento da produção em cima do aumento das importações, quando dá uma paulada dessa no dólar, ele fica a perigo, da mesma maneira que o exportador, quando faz um projeto de exportação com uma taxa de câmbio a R$ 3,70 e ela cai para R$ 3,20, por exemplo, os planos dele ficam ameaçados. Essa volatilidade do câmbio, uma característica da economia atual, sempre nos deu problema, e nos deu mais problemas quando estávamos mais desprotegidos.

Vamos lembrar do Fernando Henrique Cardoso, que ninguém lembra. Ele fez a estabilização com câmbio fixo, destruiu uma parte da indústria brasileira. Lembro do (José) Mindlin me falando que ia vender a Metal Leve, porque não aguentava mais. Hoje ninguém fala nada, eles (os empresários) levam na cabeça e devem achar bom, viraram rentistas também. Mas o Fernando Henrique fez essa aposta, valorizou o câmbio, destruiu uma parte da indústria brasileira importante, sobretudo as cadeias produtivas, danou o setor de bens de capital e carregou isso ao longo dos anos 90, meados de 94 até 98, quando houve uma sucessão de crises cambiais – México em 94, Ásia em 97, depois Rússia, Brasil e Argentina. Mas para os economistas da banca não aconteceu nada, era só para os países que estavam com suas situações domésticas ruins.

Viemos de uma dívida pública, que Collor deixou, de aproximadamente 30%, e chegou a cerca de 70% . A economia cresceu pouco, taxa média de 2,5%, e só fomos nos recuperar a partir de 2003…

Com Lula…

Com Lula. Na época, houve um choque brutal de commodities e de demanda na economia mundial. Isso beneficiou muito os países que tinham um setor de agronegócio muito forte, como Argentina e Brasil. A Argentina cresceu até mais que o Brasil, 8,5%, 9% nesse período. Lula pegou esse momento e fez as políticas corretas de inclusão, foi muito hábil nisso. Colocou 40 milhões de pessoas para dentro da economia, não é pouca coisa, é um prodígio. Mas isso tem a ver com ciclo de commodities, ainda que ele tenha mantido a tendência de valorização do câmbio. A indústria continuou a perder peso. A indústria brasileira tinha uma participação de 25% do PIB no início dos 80 e passou a ter 12% (dados recentes do IBGE).

Passamos a década de 80 inteira, a “década perdida”, tentando resolver o problema dos efeitos da dívida externa, efeitos fiscais – porque houve estatização de dívida pelo Tesouro –, incapacidade  de pagamento, várias cartas de intenção com o FMI. A economia tinha momentos de crescimento e queda sucessivos. Saímos da crise em 94, com o Plano Real. Por quê? Porque tínhamos 40 bilhões de reserva.  Aí começa o negócio de privatização. A economia mundial já estava se tornando o que ela é hoje, muito inclinada a tirar proveito da propriedade, que é o rentismo, em vez da produção. Vieram para cá e compraram as empresas brasileiras.

Mais ou menos como hoje?

Sem dúvida. Dizem: “vamos melhorar a eficiência das empresas”. Mentira. Pergunta se o setor elétrico melhorou a eficiência ou se aumentou as tarifas brutalmente. Não tem nada a ver com eficiência.

Na verdade, no caso da energia elétrica, é a produção de um insumo universal. Todo mundo usa. Na China e nos países asiáticos, os setores que produzem insumos universais são públicos para ajudar o setor privado, permitir custos baixos. Aqui não se faz a discussão das interrelações entre privado e público. Isso é que é o capitalismo!

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Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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