Calote não é ajuste fiscal, por João Santana

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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da Folha

Calote não é ajuste fiscal, por João Santana

É a primeira vez, em quase 60 anos, que não recebemos nem para honrar a folha de pagamento. Em vez de propor cortes, o governo só não paga

É lamentável anunciar algo assim, mas, depois de quatro meses sem receber o que lhe é devido contratualmente, a Constran não poderá dar prosseguimento ao trecho da Ferrovia Norte-Sul que vinha construindo em Goiás.

Temos dois contratos assinados com a Valec, empresa do Ministério dos Transportes, um referente a 150 quilômetros, na Norte-Sul, e outro, por 170 quilômetros, na Fiol (Ferrovia Oeste-Leste), esse no interior da Bahia. Os pagamentos de ambos encontram-se atrasados.

Em quase 60 anos de história é a primeira vez que não recebemos nem sequer para honrar a folha de pagamento da obra. Falei na segunda (2) com o ministro Antônio Carlos Rodrigues, dos Transportes, que me informou não ter recebido recursos do Ministério da Fazenda.

Em situações assim, as empresas podem recorrer aos bancos, onde descontam a fatura. Agora, nem isso é possível. O sistema financeiro bloqueou qualquer operação com o nosso setor, se envolver o governo federal como pagador.

Atenção: os bancos não estão recusando recebíveis de uma prefeitura pequena do interior. Eles querem distância do Tesouro Nacional. Sabe quais são os primeiros bancos a fechar as portas para a operação de desconto de duplicatas? O Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, controlados pelo governo. Detalhe: embora não recebamos a fatura emitida, somos obrigados a recolher os impostos a ela relacionados.

Nossa situação financeira só não é delicada porque mais da metade do faturamento é oriundo da iniciativa privada. Alguém poderá relacionar esse inferno astral à Operação Lava Jato –já que a Constran é controlada pela UTC. Mas não é o caso. Primeiro porque a Constran não integra a lista de empresas investigadas. Depois porque o governo vem atrasando centenas e centenas de contas devidas, até mesmo do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec).

O gestor público tem a obrigação de equalizar suas contas. Mas estamos diante de um ajuste fiscal?

Nos anos 90, tive o privilégio de tocar a Secretaria da Administração durante o governo Fernando Collor.

O país estava destroçado financeiramente. Cortamos cargos de confiança, desligamos funcionários, fechamos ou vendemos empresas, acabamos com as mansões dos ministros de Estado e leiloamos mais de 4.000 automóveis. Fomos à lista de despesas do governo e cortamos vários e vários itens. Gostem ou não do que foi feito naquele tempo, tratava-se de um projeto de ajuste fiscal de verdade.

E agora? Em vez de propor cortes e eliminar linhas de despesas, o governo apenas não paga. Em outros países, o nome disso é calote e rompimento de contrato. No Brasil, batizamos de “ajuste fiscal”.

Historicamente, quando o governo tem planos de enxugar despesas, ele chama seus fornecedores e informa o que será cortado, dando às empresas condições de se planejar. É chato, é ruim, mas é honesto e transparente.

O oposto é manter, de um lado, o discurso de que nada será cortado, que o PAC será mantido, que os programas sociais não sofrerão cortes –e, de outro, reter pagamentos devidos por serviços prestados, como se faz neste exato momento.

Criou-se uma realidade discutível. Enquanto o governo federal empurra para a sociedade o peso do “ajuste”, na forma de mais impostos e mais desemprego, não aplica ao Estado qualquer ajuste real.

Por exemplo: quantos dos 39 ministérios foram fechados nos últimos meses? Para termos de comparação, o governo Sarney, considerado inchado, operava com 34.

Outro dia, fui olhar a lei complementar nº 101, a famosa Lei da Responsabilidade Fiscal. Ela diz claramente que “a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente”. Um doce para quem encontrar algo planejado e transparente nesse processo.

JOÃO SANTANA, 57, é presidente da Constran e vice-presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada. Foi ministro da Infraestrutura e secretário da Administração (governo Collor)

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

20 Comentários

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    1. Não …

      … é o fator “Guidarno”, uma bomba de efeito retardado que está explodindo com toda força agora. Que bom que a Dilma ganhou, ela que conserte a imensa trapalhada que foi feita no seu primeiro governo …

  1. Todo ano acontece a mesma

    Todo ano acontece a mesma coisa, com a transição de um exercício para o outro. Nos anos pós-eleitorais costuma ser um pouco pior.

    Tempestade em copo dágua.

    1. O atraso sim

      É noramal em transições de governos, e o autor do texto até diz isso, e que o normal é antecipar em bancos os valores.

      Agora, dizer que é normal os bancos, inclusive os estatais, não aceitarem dívidas da união como garantia, é uma estupidez.

  2. Uma vez houve uma discussão

    Uma vez houve uma discussão neste blog sobre os atrasos de pagamentos do governo federal. Sustentei que a culpa é exclusiva do governo, por falta de dinheiro em caixa, irresponsabilidade fiscal. Outros diziam que era culpa da Lava-jato, e dos órgãos de controle (né Daniel Quirqueza?). Pois bem. Taí um exemplo de ilustra que o problema é falta de dinheiro em Caixa, tem nada a ver com órgãos de controle, até porque as poucas propostas de paralisação não passam pelo Congresso, ou são vetadas pelo governo.

  3. Realmente, muito mais simples.

    “Nos anos 90, tive o privilégio de tocar a Secretaria da Administração durante o governo Fernando Collor.

    O país estava destroçado financeiramente. Cortamos cargos de confiança, desligamos funcionários, fechamos ou vendemos empresas, acabamos com as mansões dos ministros de Estado e leiloamos mais de 4.000 automóveis. Fomos à lista de despesas do governo e cortamos vários e vários itens. Gostem ou não do que foi feito naquele tempo, tratava-se de um projeto de ajuste fiscal de verdade.”

    Realmente, é muito melhor sucatear o estado do que atrasar o pagamento de algumas obras. Bons tempos o do Collor.

  4. Coisa lamentável de se ler.
    O

    Coisa lamentável de se ler.

    O próprio BB e a Caixa não avalizarem os créditos a serem recebidos do governo federal… é que a coisa tá feia, mesmo.

    Alguém do governo ao menos respondeu?

  5. “Calote não é ajuste fiscal,

    Calote não é ajuste fiscal, por João Santana

    só faltava mais essa pra entornar o caldo de vez da cozinheira fogo brando do lulopetismo:

    o governo dilma mais o partido dos trabalhadores deu calote caixa 2 no guru joão santana…

    o qual ganhou sozinho a última eleição puro malte pão e circo místico do marketing político…

    sem chance!

      1. É. Mas é bem óbvio também que

        É. Mas é bem óbvio também que o post não faz nenhuma questão de desfazer a confusão. Quem só lê a manchete fica com a forte impressão de um governo em estado de putrefação, de um navio sendo abandonado pelos ratos. Bem ao estilo PIG…

        É um novo método, bastante inusitado, de defender o governo: apedrejando-o…

  6. Paralisação de projetos de investimentos

    Bom dia senhores. Se não paga o que deve imagina se dá dinheiro pra investimentos.

    Estamos sofrendo nos processos de investimento. A dotação orçamentária existe para as diversas linhas do BNDES e particularmente aqui, FCO; mas, não tem o dinheiro de fato.

    O BNDES está liberando a conta gotas verbas de investimento na agropecuária.

    Quebramos?

     

  7. No meu setor

    Cotação do SENAI correndo solta para compra de materiais para os cursos e todo mundo fugindo.

    Quem tá com estocado e precisa vender, está colocando 200% em cima do custo para descontar a dívida sabe Deus a quanto de juros.

    Tá feia a coisa.

  8. Era Collor

    Ministro do Governo Collor? Vale o que vier?

    Bons tempos aqueles que, além de pagar comissão de 30% ao esquema PC Farias – Casa da Dinda, os pagamentos atrasavam 60 a 90 dias, com infllação mensal acima de 30%, para aplicação na ciranda financeira antes do repasse.

    Vi a repercussão desta noticia em todos os portais, porem não vi a versão oficial. É bom investigar mais antes de atestar o esperneio deste senhor.

    De denuncias vazias a imprensa tupiniquim é um oceano…

  9. Caos como resultado

    Nassif,

    Este é o quadro programado de desmonte das empresas nacionais.

    Os da LavaJato e também alguns do MP já se declararam a favor da falência das empresas envolvidas em negociatas, e graças a estes luminares da estupidez o PIB do país leverá um golpe em 2015 de, no mínimo, 1%, além de do desmantelamento de inúmeras empresas que fazem parte da rede de produção que a Petrobras, por exemplo, exige.

    Quanto a como evitar novos atos de corrupção no futuro, ainda não consegui ler nem ouvir uma frase sobre o assunto, todo o rito burocrático existente, assim permanece.

    Imaginando que a Petrobras ou o a Valec resolvam liberar os $$$, existirão doidos varridos para atestar o encaminhamento do numerário para as empresas X e Y ? Estarão arriscados a acordar no dia seguinte com a PF dentro do seu quarto, com direito a filme prá ser exibido no JN.

    Em minha opinião, esta é a caótica situação no setor de fornecedores com contratos em vigência com os governos, caos dos dois lados.   

    1. Eles não estão nem ai com

      Eles não estão nem ai com empregos ganham mais de 20 mil pormês mais auxílio moradia de 4.300,00 mensais, bom para a HALLIBURTON e outras construtoras estaengeiras.

  10. “Detalhe: embora não

    “Detalhe: embora não recebamos a fatura emitida, somos obrigados a recolher os impostos a ela relacionados.”

    Não quero duvidar da palavra do ilustre ex-ministro de Collor, mas não sei bem como isso é possível.

    Os impostos, até onde eu saiba, são pagos no ato do pagamento da fatura. É uma coisa meio esquizofrênica: a União paga um milhão de reais para o fornecedor, e cem mil reais para si mesma, na forma de impostos (CSLL, PIS, COFINS, IRPJ). O empresário na verdade, não “paga” absolutamente nada.

    E, é claro, no caso de vendas a particulares, o empresário na verdade recebe os impostos, circula com eles durante alguns dias (ou seja, empresta esse dinheiro à União, na forma de depósito bancário remunerado), e somente depois os repassa à União.

    E se acham muito perseguidos, discriminados e injustiçados.

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