Como as decisões de Temer impactam no setor de soja e ameaçam bolsas internacionais

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Polêmica, a tabela de frete criada pela ANTT após a greve não é garantia de lucro para caminhoneiros autônomos e, de quebra, traz insegurança para setores que dependem do transporte rodoviário. Exportadores de soja já amargam perdas financeiras e, se nada mudar, o prejuízo será estendido aos produtores na próxima safra, gerando impacto no mercado internacional

Jornal GGN – Acuado pela greve dos caminhoneiros, decorrente da inconveniente política de preços de combustíveis praticada na Petrobras desde a antiga gestão de Pedro Parente, Michel Temer cedeu aos transportadores de carga e editou, a toque de caixa, a Medida Provisória 832, com a finalidade de estabelecer um preço mínimo para o frete rodoviário.

Em tese, a tabela deveria criar alguma margem de lucro principalmente para os caminhoneiros autônomos que, atingidos pelos sucessivos reajustes no diesel, passaram a ter sua atividade praticamente inviabilizada.

Mas, na prática, o tabelamento gerou insegurança para setores da indústria e do agronegócio, que dependem das rodovias para escoar seus produtos. Os exportadores de soja, por exemplo, já amargam perdas financeiras e estimam prejuízo da ordem de 700 milhões de dólares por causa do aumento do frete no transporte da safra atual. A soja é o maior produto de exportação no País.

Se nada mudar, o prejuízo será compartilhado, a partir da próxima safra, com os produtores de commodities, principalmente soja e milho. E aí já há quem aposte, com uma indesejável confiança, num grande impacto no mercado internacional.

Tudo depende do desfecho em relação à MP 832.

MP 832: HISTÓRICO E JUDICIALIZAÇÃO

Nesta semana, a Câmara dos Deputados votou, em 5 minutos,a MP 832/2018 com algumas alterações em relação ao texto original, mas a presidência da Casa ainda não sabe quando irá aprovar uma redação final. 

Paralelamente à discussão emergencial sobre a MP, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), designada para conduzir o tabelamento, decidiu abrir prazo até 3 de agosto para receber propostas dos setores interessados na confecção da tabela. Isso após já de ter alterado a primeira versão com duas resoluções, sendo que a última delas foi desqualificada pelo Ministério dos Transportes – decisão que só gerou mais confusão porque, em tese, a Pasta não tem competência para intervir na autarquia.

O atabalhoamento dos fatos, para Andre Milone Nassar, presidente da Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), gera situação é de “insegurança” e faz com que o empresariado não sabia com clareza qual o parâmetro de preços de frete que está em vigor.

Contra essa insegurança, representantes da indústria e do agronegócio já moveram cerca de 50 de ações judiciais na tentativa de suspender, ainda que temporariamente, os efeitos da MP. A briga foi parar no Supremo Tribunal Federal com CNI (Confederação Nacional da Indústria) e CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária) apontando a inconstitucionalidade do tabelamento por afrontar leis do mercado.

O ministro Luiz Fux não quis entrar no mérito e se dispôs a intermediar uma “conciliação” entre as partes mas, sem sucesso, suspendeu o debate até agosto, quando fará uma audiência pública. Até lá, proibiu a primeira instância de conceder liminares às empresas e indicou que a tabela que deve ser seguida é a que a ANTT publicou em 30 de maio.

PREJUÍZO IMEDIATO

André Nassar, presidente da Abiove – que representa 55% da soja para produção de farelo e óleo e 60% do grão exportado – afirmou em entrevista ao GGN que durante os primeiros 15 dias de vigência da tabela, as empresas associadas paralisaram a contratação de transporte de 500 mil toneladas de produto ao dia. Para evitar um prejuízo ainda maior, voltaram a carregar.

Apesar dessa turbulência inicial, não há expectativa de queda no volume de exportação de soja neste ano – que é recorte, de 117 milhões de toneladas – porque o mercado opera com a chamada “compra antecipada”. Isso significa que a produção já foi garantida e o exportador, que tem contratos a cumprir, não deixará de entregá-la.

O problema é que certamente haverá prejuízo porque quando a trade negociou o valor do saco de soja com o produtor, ela incluiu na conta o frete da época. Agora, após a greve e com o tabelamento e um novo custo de frete, “o preço subiu para todo mundo”.

“Disso eu fiz uma estimativa [para todo o setor de soja no Brasil] de 700 milhões de dólares em prejuízo, em função da tabela nova. Para transportar todo o resto de soja que ainda falta, vamos gastar ao redor de 3 bilhões de dólares em frete. Nós fizemos uma estimativa de que o valor do frete está subindo 25% em relação ao que estimamos na negociação antecipada”, apontou Nassar, acrescentando que “a conta do frete é enorme nesse setor. Ela é ao redor de 10% do negócio soja inteiro.”

Segundo o executivo, o balanço real do prejuízo sairá quando as empresas tiverem condições de apurar quanto pagaram a mais pelo frete, em meados de março de 2019. Até lá, uma coisa é certa: o peso cairá nas costas das empresas. “Não tem como cobrar parte do prejuízo do produtor porque eu já comprei a soja antecipadamente. E não tem como eu repassar isso para o chinês que comprou minha mercadoria em Chicago [a CBOT, Bolsa de Chicago].”

“Às vezes é esperado que a empresa leve um prejuízo quando erra numa operação. Mas, dessa vez, o prejuízo é causado pelo governo brasileiro”, disparou Nassar.

IMPACTO NA PRÓXIMA SAFRA E MERCADO INTERNACIONAL

Se, por um lado, a safra atual está segura graças à negociação antecipada e ao compromisso das exportadoras, por outro, o futuro parece incerto.

Nassar explicou que a negociação antecipada de soja permite ao produtor usar uma parte do lucro para garantir os insumos necessários à plantação, como fertilizantes. Só que o preço do frete não vai aumentar apenas no transporte do produto final: vai recair também sobre os itens que compõem o custo da produção. Isso, por si só, pode derrubar o volume de soja ou atrasar o plantio, o que gera um impacto no ciclo milho, que vem na seqüência.

Além disso, é de se esperar que o comprador da soja queira diluir seu prejuízo com frete na negociação com o produtor. “Aí vai ter produtor que vai dizer que nesse preço ele não produz.”

“Porque mudou o mercado de frete no Brasil, é muito grande o impacto que podemos ter no nível internacional. (…) Tem chances elevadas de termos uma produção de soja até menor que essa safra atual e que pode levar a um problema na produção de milho no ano que vem. Não é possível fazer projeção agora, mas isso vai ficar claro no ano que vem”, avaliou Nassar.

Ainda de acordo com o dirigente da Abiove, de toda a soja produzida hoje no Brasil, 65% vai para exportação. Na produção de milho, o índice é em torno de 45%.

A POLÍTICA DE PREÇOS DA PETROBRAS

Para o economista José Carlos de Assis, o futuro desse setor não estaria em xeque não fosse a “estupidez” da Petrobras em atrelar os preços dos combustíveis ao mercado. É possível que a greve dos caminhoneiros sequer tivesse existido, pelo menos não por conta do reajuste desenfreado do diesel. Sem perdas decorrentes do custeio deste produto, a tabela de frente talvez não fosse uma exigência.

“A pergunta chave é: como sair dessa? Por que ninguém se pergunta por que isso nunca aconteceu no Brasil antes? Porque antes o preço de gasolina, diesel e gás era tabelado pela Petrobras. Era razoável. Na medida em que meteram na cabeça colocar os preços vinculados ao mercado internacional, com reajustes quase diários, ao contrário do que pretendiam, desequilibraram totalmente o mercado”, disse Assis.

“A situação só vai voltar ao normal se voltar a política de preços da Petrobras”, avaliou. “Se não, isso vai ter impacto direto na Bolsa de Chicago, e através da Bolsa de Chicago, nas bolsas de Nova York e outras internacionais. Porque toda operação física é um mero pretexto para especulação no mercado secundário, no mercado futuro, essa quantidade de coisas que inventaram nessa chamada era da globalização. Tudo está amarrado ao preço físico, embaixo. Se você desarruma o preço físico, todo o sistema entra em colapso.”

Leia mais: Política de preços da Petrobras põe em risco mercados financeiros ocidentais, por J. Carlos de Assis 

E O LUCRO DOS CAMINHONEIROS AUTÔNOMOS?

FOTO: DOUGLAS MAGNO/AFP/JC - Jornal do ComércioOutra face controversa de todo esse debate sobre a tabela é que, além de criar um prejuízo imediato para os exportadores de commodities com alto risco de impactar nas bolsas internacionais, a MP de Temer tampouco parece ter resolvido o problema dos caminhoneiros autônomos.

Segundo Nassar, a MP não garante que esse preço mínimo do frete represente um lucro para o motorista, e não para a empresa transportadora que terceiriza o serviço.

Na prática, nada impede que as grandes empresas contratem transportadoras (“porque elas são obrigadas a fazer contrato com pessoas jurídicas”), e estas, por sua vez, façam os chamados “leilão de frete” entre os autônomos, mas “comendo” a “margem de lucro” que veio do reajuste do frete.

Na visão do presidente da Abiove, isso é algo para ser corrigido na revisão da MP pelo Congresso.

Ele também destacou que o setor demanda a exclusão das cláusulas que impõem sanções a quem não cumprir a tabela que está provisoriamente em vigor, justamente por causa da questão da “insegurança” vigente.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

3 Comentários

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  1. De volta ao passado

    Ao contrário do que os papagaios de pirata costumam repetir, os governos do PT fizeram uma verdadeira revolução, acabando com a miséria, pagando a dívida externa, deixando uma reserva de mais de 360 bilhões de dólares, o que atualmente ajuda o governo golpista a não ter resultados ainda piores. Eramos respeitados pelos outros países e nos aproximávamos do modelo Europeu. Já o “neoliberalismo” dos golpistas demotucanos e cia., que como a pimenta, só é bom só nos olhos dos outros”, destruiu a nação, nos igualando a países subdesenvolvidos e vendidos da África, neocolonias, e outros da América Central, vendidos ao capital estrangeiro. Então, é melhor se informar antes de vestir camisa da CBF, bater panelas e sair falando asneiras.

  2. Pensando

    A ferro e fogo, a Petrobrás subsidiava a soja. Pelo visto, a soja vai subsidiar o frete agora. Se o raciocínio do texto estiver correto, a quantidade de soja cai, vai sobrar caminhão para transportar, que vai cobrar abaixo da tabela de fretes e alguém vai acabar quebrando (no setor de transportes). Parece que apenas se adiou o inexorável.

  3. Fanfarra

    Ha! Ha! Ha!

    No governo do oportunismo, a bancada rural virou um problema para a apropriação do petróleo.
    Isso porque o lobby das transportadoras (muito forte porque tem muito mais maracutaia e ligações profundas com a administração pública) foi mais efetivo em defender os próprios interesses.

    O modelo de transporte de longa distância do país não vai se alterar tão cedo. É campo dominado pelas empresas do setor. Não vai ser reestruturado, não dá para a bancada ruralista lutar por isso.

    A alternativa seria os ruralistas confrontarem as alterações em curso no setor de petróleo. Mas o setor continuará a ser reorganizado, com impactos no preço interno – que, além do frete, também interfere no preço de insumos agrícolas.

    Outra batalha perdida.

    A solução será o lobby ruralista arranjar um subsídio maior do governo para compensar os custos da produção. Mas como, sem o BB e a Caixa?

    É uma turma que vai dar dor de cabeça. Vale lembrar que quando o governo brasileiro trabalhou de fato para limitar o desmatamento, a bancada ruralista foi forte o suficiente para mudar o Código Florestal. E depois do golpe, eles passaram diversas legislações favoráveis a seus interesses – a última é o pacote do veneno.

    Não será surpresa se o porrete cair sobre essa turma, e eles serem derrubados como foram as empreiteiras. A tática pode ser diferente, mas os efeitos serão semelhantes.

    E viva o caos, a nova realidade brasileira.

     

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