Ex-ministra da Justiça alemã critica Temer: “Brasil é outro mundo”

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Foto: DW Brasil
 
Jornal GGN – Ex-ministra da Justiça da Alemanha entre os anos de 1998 e 2002, Herta Däubler-Gmelin criticou o presidente Michel Temer e afirmou que o Brasil “é outro mundo”. Disse, ainda, que a “intromissão” de magistrados em conflitos políticos cotidianos “compromete a neutralidade e a independência do juiz”. 
 
Sobre Temer, foi direta: “nunca aconteceria na Alemanha de um presidente sob suspeita de corrupção, com denúncia apresentada pela própria Procuradoria-Geral da República, não renunciar imediatamente ao cargo”.
 
A afirmação da advogada, ex-deputada federal e professora na Universidade Livre de Berlim foi dada em entrevista à Deutsche Welle Brasil, que esteve no Brasil para participar de um debate público sobre democracia.
 
Leia a entrevista concedida à Agência DW:
 

DW Brasil: A senhora veio ao Brasil participar de um debate ao lado do ex-ministro Tarso Genro que, pelo título – “Política x Justiça: Qual o futuro da democracia?” –, coloca Justiça e política em lados opostos.

Herta Däubler-Gmelin: A intenção é refletir sobre a democracia que queremos. É uma democracia em que as decisões são tomadas de cima para baixo, em que algumas pessoas não são consideradas cidadãs, em que o sistema judiciário é usado apenas para privilegiar ricos e poderosos, para preservar privilégios? Ou queremos uma democracia participativa? Quais elementos precisam pertencer a essa democracia? Há bons exemplos, mas há exemplos muito ruins nesse sentido.

DW: Dentro dessas reflexões, qual é a tendência do Brasil?

Eu ouço que existem muitos acontecimentos preocupantes. Sob a perspectiva alemã, devo dizer que não é comum ver juízes interferirem nas disputas políticas cotidianas na Alemanha. Esse comportamento é, absolutamente, um “no go”. Isso não pode acontecer de forma alguma. Isso compromete a neutralidade do juiz, sua independência e até jurisdição. Isso coloca também a confiança da população na instituição em cheque.

Por outro lado, nunca aconteceria na Alemanha de um presidente sob suspeita de corrupção, com denúncia apresentada pela própria Procuradoria-Geral da República, não renunciar imediatamente ao cargo.

Tivemos um caso notório na Alemanha [renúncia do presidente Christian Wulff, em fevereiro de 2012]. Tratava-se de 700 Euros. Mas, obviamente, assim que o procurador-geral apresentou a denúncia, estava claro para a opinião pública que o presidente tinha que renunciar. E foi o que ele fez.

Aqui é outro mundo. Então eu posso entender a certa descrença que há aqui no atual desempenho do Judiciário, de alguns juízes e juízas – mas é claro que não estamos falando de todos, também há tendências completamente diferente, como sabemos.

DW: Como a senhora acompanha e avalia a atual crise política no Brasil?

Os acontecimentos políticos no Brasil estão sendo noticiados pela imprensa alemã e internacional. E depois de tudo o que vi e li nestes últimos dias, temo que esteja havendo um retrocesso cruel com impactos para a população mais pobre. É lamentável.

DW: O Brasil tem um sistema presidencialista, e, atualmente, boa parte do Congresso está sendo investigada. Como a senhora avalia o desempenho do Judiciário em garantir o bom funcionamento da democracia?

Quando o objetivo é garantir uma democracia participativa, os elementos que pude observar na Justiça daqui nem sempre são favoráveis. Existem muitas possibilidades de que alguns atores influenciem e conduzam processos de maneira parcial. E nessa interação, quando também se considera o papel do presidente, vemos uma estranha parcialidade entre Judiciário e Legislativo, ou até uma cegueira em relação às suspeitas de corrupção envolvendo políticos que precisam ser investigadas. Isso é muito preocupante e não é de se admirar a queda extraordinária da confiança nas instituições.

DW: Quão importante é investigar suspeitas de corrupção para manter a democracia fortalecida?

A corrupção parece ser um problema muito grave no Brasil. Por isso eu apoio muito o combate a corrupção. Mas é necessária uma luta ampla, em todas as direções, independentemente do partido. Se um presidente governa pelos interesses de poucos poderosos e recebe um tratamento diferente, mesmo anteriormente tendo se posicionado a favor de uma democracia participativa e da inclusão dos mais pobres, então é uma catástrofe.

DW: O autoritarismo e extremismo político parecem estar se espalhando pelo mundo. Como a senhora avalia essa tendência?

Há diferentes ameaças à democracia. As correntes mais autoritárias e conservadoras estão mais fortes não apenas na América Latina, mas também na Europa. Lá também vemos uma queda significativa da confiança na democracia, por motivos diferentes. Também há a questão do autoritarismo, como alguns partidos na Polônia ou na Hungria, que pregam de maneira muito forte elementos antidemocráticos e que tentam, dessa forma, se estabilizar como um poder. Pessoalmente, não acho que isso possa se concretizar em médio prazo.

Por outro lado, naturalmente há também problemas relacionados à globalização que têm um efeito muito negativo sobre a democracia. Pois muitas pessoas têm a impressão de que as decisões não acontecem mais na política, mas no campo da economia. Então elas ficam inquietas quando têm a sensação de que os políticos não cuidam mais de seus interesses ou de suas necessidades.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

3 Comentários

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  1. tapa na cara de todo (ou quase) judiciário!

    se tivessem vergonha na cara tavam escondidos atrás do armário, com medo de dar as caras.

    mas se tratando de terra brasilis, tão nadando de braçada e rindo do povo.

    ia ficar tão feliz se o povo brazuca tivesse a coragem de romper os laços com a senzala e o medo do pelourinho, pra botar a casa grande no seu devido lugar.

  2. Enquanto isto

    Fechados em seus palácios, os governantes, os senadores os deputados, pensam que o mundo que os cerca  esta na rede globo,

    Os juizes fechados em seu palacio  perderam de vez o significado da balança da justiça. E pensam ainda que surfam naquela onda das manifestações coxinhas. E em si mesmados ficam presos a discursos superficiais, falas manchetáveis, enquanto um bando de guris sai quebrando e  derrubando tudo no palácio. E sem ver o que está arredor insistem sem que seus superiores tomem as rédeas que nunca tiveram. 

    Fizeram do país uma terra arrasada, coberta de cinzas. Mas que se cuidem pois as queimadas começam nas cinzas. Estes acreditaram que podiam fazer tudo e que bastava o plim-plim, para esconder debaixo do tapete. Agora tomam carão internacional.

    Mas o país continua sequestrado, e  o preço do resgate vai ser monstruoso.

    1. enquanto….

      Continuaremos com discussõ estão rasas e medíocres?! Democracia Participativa? Uma ligação entre a democracia alemã e brasileira? Aqui o voto é obrigatório, fruto do interesse das elites. Principalmente as esquerdopatas. Com financiamento de 3,5 bilhões de reais, em urnas eletrônicas com biometria. O brasileiro votando em algo ou alguém que ele não faz nem idéia. Sua participação democratica é caricata. Fantasia, fraude, golpe travestido de representação democrática. Criminosos pegos em flagrante no exercicio de mandato público, usando deste cargo e poder para atividade criminosa e continuam no Poder. Democracia Representativa? 30 anos de Farsantes numa ConstituiçãoEscárnioCaricaturaCidadã. Fizeram acreditarmos em bandidos, não é mesmo Tancredo Neves? 

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