O capital

Nos últimos dias vi o instigante filme do diretor Constantin Costa-Gavras, Le Capital (França, 2012), no qual ele adaptou o romance do francês Stéphane Osmont sobre o caráter tirânico das finanças na globalização. Ao buscar uma narrativa cinematográfica desse drama a partir do Velho Continente, Costa-Gavras afirmou em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo (21/05/2013): “A Europa se tornou um grande supermercado”.

O filme iniciou sua produção antes mesmo da crise de 2008 e ele não representa uma simplória condenação ao capitalismo, apenas uma crítica ao modelo vigente do processo de acumulação do capital. Conforme Costa-Gavras argumentou na entrevista citada, “quando eu era jovem, dizia-se que era preciso uma classe média forte para garantir a estabilidade, mas a classe média está cada vez menor e mais endividada”. Desde sua juventude, pode-se dizer que muitas mudanças ocorreram no regime de acumulação do capital.

Buscarei um apoio argumentativo na tese central de Zygmunt Bauman, que pode ser facilmente encontrada no livro Modernidade líquida (Zahar, 2001). Para tanto, opto por selecionar o seu capítulo 4, que versa sobre o trabalho e sua relação com o capital na transição do fordismo para o paradigma de acumulação flexível. Chamou minha atenção a seguinte afirmação do famoso sociólogo polonês: “Numa vida guiada pelo conceito de flexibilidade, as estratégias e planos de vida só podem ser de curto prazo”. Os horizontes do fordismo eram de prazos mais longos.

Se as regras do jogo econômico baseiam-se na flexibilidade das relações sociais de produção, na desregulamentação dos mercados e no downsizing, como se pode efetivamente esperar um maior comprometimento do trabalhador ou do capital? No Brasil, por exemplo, o sociólogo Ruy Braga sugere que os aumentos da taxa de acidentes, da terceirização e da rotatividade da mão de obra podem ser considerados sintomas do mal estar social entre os nossos jovens. Na última década, foram criados entre nós 2,1 milhões de empregos por ano, sendo que 94% pagando até um salário mínimo e meio (O Globo, 19/10/2013). Infelizmente, a precariedade na relação capital-trabalho parece estar se cristalizando como a norma do “pleno emprego”. O endividamento das famílias e o peso do pagamento mensal das prestações acompanham esse movimento.

Em um contexto mais complexo, “fluido”, exige-se muito dos governos, conforme observamos nas manifestações sociais do mês de junho. Acredito que a convergência entre as expectativas coletivas e a execução das políticas públicas não é obra do acaso. Esta obra é para uma Política com um P maiúsculo, algo que deve se processar a partir da valorização do espaço público de diálogo, “onde os problemas privados são traduzidos para a linguagem das questões públicas e soluções públicas para os problemas privados são buscadas, negociadas e acordadas” (Bauman, 2001, capítulo 1). A boa política, de mudança por natureza, se faz necessária para a busca de soluções e caminhos coletivos em um mundo acelerado e em um país que espera mais do seu futuro por ter melhorado em diversos aspectos gerais nos últimos anos.

Rodrigo Medeiros é professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)

Rodrigo Medeiros

2 Comentários

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  1. O  mundo cada vez mais indo

    O  mundo cada vez mais indo para o lado do estatismo. Me diga, onde vc viu a diminuição da ação estatal nos ultimos anos?

    O que se vê é mais leis, mais regras , mais burocracia e não o contrário.

  2. capital`$

    A fluidez do capital vem:

    1- com a desregulamentação neoliberal, e criação de agencias reguladoras aprelhadas pelas reguladas. 

    2- com a terceirização dos serviços, onde as multis e megas, se afastam da tarefa social de responder diretamente pelas legalidade, segurança, sustentabilidade de seus colaboradores, contornando de certa forma as obrigações sociais e da CLT.

    3- com a rotatividade da mão-de-obra não qualificada, para reduzir-se os ganhos trabalhistas de mais largo tempo.

    4- com a facilitação do fluxo de capitais -sujos e limpos- via paraisos fiscais, sem o menor fiscalização.

    5- com a contabilidade criativa de mega empresas exportadoras, permitida pela legislação corrente.

    6-pelos juros extorsivos cobrados pelas grandes redes comerciais que dominam o mercado varejista e seus financiamentos de zilhões de meses, juntamento com um sistema bancário que náo se contenta em ganhar menos de 200%.a.a….

    Para não me tornar cansativo, finalizo dizendo que, com tudo isto, o grande mal que atinge a todos é, a privatização e apropriação do lucro, do prazer, do bem estar, da dignidade, enfim, do bem estar social, por um punhado de capitalistas, em detrimento de mihões de cidadãos do mundo, por um lado, e a socialização do prejuízo deste mesmo grupinho de capitalistas, que entendem o prejuízo, como algo menor que 200%, por outro.

    Direitos sociais, para este grupinho de senhores, é entendido como o direito deles, de socializarem seus prejuízos, eventualmente, a aventura capitalista lhes prega uma surpreza abaixo de 200%. Se me permnitirem uma extravagância, diriam eles, fodam-se o resto, queremos o nosso, é pegar ou largar.

    Cada governo que se ageite no seu plano de crescimento, para que possa receber os investimentos desses senhores da vida e da morte.É simples assim. 

    É a tal da real política, que os países em desenvolvimento enfrentam na banca e no jogo internacional.

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