O golpe chegou na Embrapa, por Ana Guerra

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

O golpe chegou na Embrapa

por Ana Guerra

 A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), um dos maiores patrimônios públicos do Brasil e reconhecida internacionalmente por sua excelência em ciência e tecnologia, está sob riscos após o golpe contra a democracia ocorrido em 2016.

Empresa idônea em um país com quadro social, político e institucional permanentemente corroído pela corrupção, a instituição agoniza com a burocratização excessiva da atividade científica. Cada vez mais, seus pesquisadores doutores são obrigados a assumir responsabilidades não científicas na gestão de projetos, como o uso obrigatório de inúmeros sistemas eletrônicos inoperantes e não integrados, que os fazem gastar mais tempo em atividades “meio” pouco relevantes, em vez de se concentrarem em atividades “fins” para a construção de conhecimento que envolva pesquisa, desenvolvimento, inovação e transferência de tecnologia em benefício da sociedade brasileira.

Sem perspectivas de novos concursos desde o golpe institucional, a Embrapa detém 9.680 funcionários, sendo 15,24% aposentados pelo INSS que se mantém na ativa e mais da metade com faixa etária acima de 50 anos de idade, um cenário que coloca em risco sua sobrevivência no curto e médio prazo. Ademais, a instituição vem se submetendo a sucessivos cortes orçamentários que comprometem os resultados de pesquisa, com maior gravidade que em outras áreas de conhecimento, pois as ciências agrárias estão envoltas em processos de investigação com seres vivos (animais, plantas, microrganismos e outros) que não podem ser submetidos a interrupções. 

Entre seus funcionários, divididos em pesquisadores, analistas e assistentes de pesquisa, há a desconfiança de que o quadro acima não ocorre por acaso, mas para justificar intervenções privadas que colocam em risco seu papel institucional e sua própria existência estratégica como geradora de conhecimentos desde sua criação, em 1973. A suspeita não é em vão, a partir da proposição do projeto de lei 5234/2016, que autoriza a Embrapa a criar uma subsidiária integral, denominada Embrapa Tecnologias Sociedade Anônima, a EmbrapaTec.

De acordo com o mesmo projeto, a Embrapa fica autorizada a criar uma subsidiária integral, sob a forma de sociedade por ações de capital fechado, que terá por objetivo social a negociação e a comercialização das tecnologias, dos produtos e dos serviços desenvolvidos pela Embrapa e outras instituições científicas, tecnológicas e de inovação, e a exploração dos direitos de uso das marcas e dos direitos de propriedade intelectual deles decorrentes, de modo a promover a disseminação do conhecimento gerado em prol da sociedade.

A proposta está assentada em um projeto de lei sucinto, que abre a possibilidade de relações imprevisíveis com as grandes corporações internacionais do setor agropecuário e florestal. Ademais, a existência da proposta passou a ser de conhecimento de seus funcionários somente após sua formalização na Câmara dos Deputados, com ausência absoluta de discussão interna, além da primeira audiência pública sobre a criação da EmbrapaTec, ocorrida na mesma casa em setembro de 2017, não ter sido divulgada dentro da empresa.

Um dos argumentos utilizados pela nova diretoria da Embrapa, empossada recentemente pelo Governo Temer, para a criação da subsidiária é de que o Estado não mais apresenta condições de financiar a pesquisa devido aos seus altos custos, ou seja, admite-se covardemente o Estado Mínimo, em vez de se lutar pela valorização da ciência e tecnologia, além de se admitir que a pesquisa agropecuária e florestal representa custos, e não investimentos estratégicos para a sociedade brasileira.

Outro ponto que apequena a nova diretoria é defender a subsidiária com a justificativa de que os novos desafios de pesquisa, que resultem em comercialização de tecnologias, produtos e serviços desenvolvidos pela casa, requerem profissionais de excelência em outras áreas, como economia e direito, como se a Embrapa não tivesse legitimidade para demandar novos perfis profissionais por meio de concursos públicos. Afinal, a EmbrapaTec é solução inovadora ou consequência de problemas estruturais que deveriam ser solucionados pela nova diretoria da Embrapa?

Falta clareza também sobre o retorno dos recursos financeiros que a Embrapa irá investir na sua subsidiária durante os três primeiros anos de criação da última. Se o lucro da nova instituição não se consumar, quem irá arcar com o rombo orçamentário, o Tesouro Nacional, a Embrapa ou as empresas privadas parceiras? Um dos argumentos explícitos do representante da CNA, na primeira audiência pública da Câmara dos Deputados, foi de que o retorno do investimento em ciência e tecnologia é alto e moroso, logo, não se justifica a criação de uma estrutura que envolve campos experimentais, laboratórios e recursos humanos de excelência pelas empresas privadas se a Embrapa já os possui, sem mencionar como ficam as repartições de lucros e prejuízos. 

É fundamental que a sociedade brasileira esteja ciente de que o que está por traz de todo esse jogo oculto de intenções é o acesso de grandes corporações multinacionais do setor agropecuário e florestal ao banco genético brasileiro formado por introduções, doações e coletas de material realizadas, prioritariamente, junto aos agricultores. Este banco genético, sob a responsabilidade da Embrapa e avaliado em mais de US$ 1 bilhão, conta como mais de 200 mil acessos e conserva material estratégico para a soberania nacional na pesquisa agropecuária e florestal (com não menos importância para a pesquisa médica e farmacêutica), para a mitigação e a adaptação de cultivares agrícolas em um cenário crítico de mudanças climáticas, e para a segurança alimentar e nutricional da população brasileira. O banco genético é tão importante para o país que pode ser considerado o “banco central” da agricultura brasileira.

A criação da EmbrapaTec, ao abrir a perigosa possibilidade de acesso ao acervo contido no banco genético da Embrapa, fere os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil na assinatura (2002), ratificação (Decreto Legislativo 70/2006) e promulgação (Decreto Presidencial 6.476/2008) do Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e Agricultura (TIRFFA-FAO), aprovado em Roma (2001), que inclui os direitos dos agricultores de participar dos processos de decisão relativos aos acessos de germoplasma (sementes e mudas) coletados junto a eles. É mais um exemplo de descaso do Governo Temer com a relação internacional.

Os riscos são intangíveis, uma vez que atualmente apenas três empresas multinacionais dominam o mercado de sementes no Brasil, que representa cerca de 1/3 do mercado mundial, de cerca US$ 30 milhões ao ano. Com a EmbrapaTec, os bancos de germoplasma da Embrapa, contido em seu banco genético, já não representarão um lugar seguro e soberano para conservar tão importante patrimônio brasileiro. E pelo viés assumido pelos gestores da Embrapa, não fica clara também a relação e os interesses da nova subsidiária junto à pluralidade de categorias produtivas e perfis socioculturais contidos no meio rural, como setor agroexportador, agricultura familiar, populações tradicionais e povos indígenas. Enfim, o que está por traz da EmbrapaTec? A nova diretoria da Embrapa, empossada recentemente pelo Governo Temer, ainda não conseguir responder aos seus funcionários e ao povo brasileiro, resta saber se há o interesse em fazê-lo.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. o golpe…

    Cara sra., a Embrapa representa muito deste Brasil. Fantástico e Medíocre, ao mesmo tempo. E a divisão existente dentro da nossa Cleptocracia. De um lado um bando de ratazanas, que são rotulados como Direita, e nada são, fora achacadores. Venderiam a Bandeira Brasileira para ganharem dinheiro e escondê-lo em Paraísos Fiscais. Do outro lado, nossa eterna Esquerdopatia, que enxerga a Agropecuária Brasileira como fonte de Latifúndiários e Capital a serem combatidos. Então combatida também a Embrapa, que seria um braço tecnológico deste tal Capitalismo. No meio, nós Brasileiros, que insistimos em ficar de boca calada e ver a História e a Vida passar ao largo. Levantemos a bunda do sofá. Antes que não sobre nem sofá. Talvez nem bunda.  

  2. A verdade é que não somos
    A verdade é que não somos mais de um regime democrático, visto que a população não tem mais voz, população brasileira a qual não é dona dos seus próprios pensamentos na visão do “REI” que está em um poder absoluto.
    A nação brasileira sendo esta o seleiro do mundo, em vez de tomarmos vantagens a respeito dessa qualidade, entregamos o que é nosso, tomando como exemplo o nosso aquifero e agora o nosso banco genético, poderíamos tirar proveito dos nossos bens, com certeza lucrando bem mais do que vir a o barganhar. Como disse o ministro da agricultura: “O mercado externo é ganho por socos e cutuveladas, e não com beijinhos e abraços”.

  3. A verdade é que não somos
    A verdade é que não somos mais de um regime democrático, visto que a população não tem mais voz, população brasileira a qual não é dona dos seus próprios pensamentos na visão do “REI” que está em um poder absoluto.
    A nação brasileira sendo esta o seleiro do mundo, em vez de tomarmos vantagens a respeito dessa qualidade, entregamos o que é nosso, tomando como exemplo o nosso aquifero e agora o nosso banco genético, poderíamos tirar proveito dos nossos bens, com certeza lucrando bem mais do que vir a o barganhar. Como disse o ministro da agricultura: “O mercado externo é ganho por socos e cutuveladas, e não com beijinhos e abraços”.

  4. MODUS OPERANDI USURPADOR

    Parabéns à autora do artigo, por usa objetividade, clareza e coragem.

    Os fatos relatados mostram a gravidade do crime de lesa pátria preparado pelo ilegítimo e desleal governo em exercício.

    A criação da embrapatec é prenúncio de criminosa apropriação indevida do patrimônio científico construído durante décadas, e viola o Tratado internacional de 2001, além de colocar em risco o futuro da segurança alimentar do povo brasileiro.

    O modo como a proposta foi lançada, sem a indispensável discussão prévia junto aos pesquisadores da Embrapa, aos agricultores e comunidades tradicionais parceiras da pesquisa, deixa claro um modus operandi usurpador.

    Ademais,  as alegações falaciosas exibidas por defensores da proposta de mercantilizar o acervo fitogenético, relativas à impossibilidade do Estado brasileiro bancar a produção cientifica e o desenvolvimento tecnológico, são atitudes características de mentalidades obscurantistas, serviçais do capitalismo selvagem e do imperialismo predatório.

    Urge reunir denúncias de descalabros como este para embasar a criação de um projeto de resgate da soberania nacional, através do uso adequado dos meios democráticos.

  5. Filme antigo

     

    Alguma dúvida que a criatura EMBRAPATEC vai matar o criador EMBRAPA…?

     

      Troque o nome EMBRAPA  pelo de qualquer instituição de pesquisa e ensino no Brasil, e a situação é a mesma sob o o atual “governo”. Estão todas sendo sucateadas rapidamente para abrir o espaço ao “mercado”.

     

      Se alguém ainda quiser fazer algo a hora é agora: Domingo (8/10). Terceira Marcha pela Ciência. Avenida Paulista, concentração em frente ao MASP  às 15h. Vejam onde vai acontecer na sua cidade.

    https://www.facebook.com/anpgbrasil/

     

  6. É necessário criar uma

    É necessário criar uma disciplina nas escolas (desde ensino fundamental) voltado para técnicas de manipulação usadas pela mídia e em operações piscológicas 

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador