O usurpador e seu ímpio graal foram salvos

A um observador internacional, pode parecer estranho que os mesmos deputados brasileiros tenham derrubado Dilma Rousseff fraudulentamente com argumentos distintos daqueles que foram apresentados para impedir Michel Temer de responder pelos crimes que ele cometeu. Os argumentos, porém, são os mesmos e podem ser vistos sob a superfície dos discursos proferidos na Câmara dos Deputados.

Ao votar no Impedimento, os deputados invocaram deus, a família, o pai, a mulher, o marido, os filhos, o combate a corrupção e até o coronel Ustra. Ontem o que mais se ouviu na Câmara dos Deputados foi o argumento da garantia da governabilidade.

Dilma Rousseff congelou a execução de emendas parlamentares e caiu http://veja.abril.com.br/economia/governo-anuncia-corte-de-r-234-bi-no-orcamento-de-2016/, Michel Temer as liberou com a condição de ser salvo https://www.cartacapital.com.br/politica/governabilidade-de-temer-e-construida-na-base-da-compra-de-votos. A divindade a que os deputados se referiam ao aprovar o Impedimento era obviamente o deus dinheiro, aquele do qual Michel Temer se tornou o sumo sacerdote.  Nesse contexto, a “governabilidade” é uma espécie de Santo Graal, capaz de curar o presidente enfermo como curou o Rei Artur.

Ao tomar posse, o usurpador disse que como Carlos Magno da távola redonda venceria todos seus inimigos. Ele cumpriu o que prometeu. Além de transformar o mitológico rei inglês num rei histórico dos francos, Michel Temer conseguiu transmutar a natureza mística do Graal: de cálice sagrado que continha o incorruptível sangue de Cristo, ele passou a ser o ímpio receptáculo que garante toda a corrupção no Brasil.

Os brasileiros podem eleger seus deputados, mas não podem revogar os mandatos que lhes foram atribuídos. Desligados de quaisquer responsabilidades eleitorais e democráticas, os parlamentares estão absolutamente livres para fazer o que quiserem. E raramente eles deixam de transformar o poder político em algo em algo pessoal e familiar.

Isso explica satisfatoriamente, porque os parlamentares invocaram suas famílias, pais, filhos, esposas, esposos, etc… ao derrubar Dilma Rousseff. Também explica porque eles não precisavam usar os mesmos argumentos para salvar Michel Temer. Viver numa república em que o poder está desligado do povo, da ética, da legalidade, da moral e de qualquer legitimidade que não seja a pessoal é familiar é algo que as vezes pode ficar implícito.

Acusada de dar pedaladas fiscais, a presidenta Dilma Rousseff foi condenada em nome do combate da corrupção. Ela de fato havia corrompido o sistema político brasileiro, presumindo que ele poderia funcionar sem a utilização das emendas parlamentares como moeda de troca. Acusado de corrupção, Michel Temer se safou da acusação estimulando a corrupção estrutural da vida parlamentar brasileira. O paradoxo evidente é único na história republicana mundial: no caso do Brasil corrupto é quem realmente deixa de comprar apoio parlamentar, só quem banaliza a corrupção na Câmara dos Deputados consegue restabelecer a ética na política.

Famoso por torturar prisioneiros, o coronel Ustra foi reverenciado durante o Impedimento. Ele também poderia ter sido invocado durante a votação que salvou Michel Temer. O usurpador institucionalizou a boa e velha corrupção naturalizada da ditadura para poder continuar torturando os brasileiros com um programa econômico que reduz nossos direitos e entrega aos norte-americanos tudo que tem valor no Brasil. Ao salvá-lo, a Câmara dos Deputados transforma nosso país num imenso campo de concentração. 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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