Sem exagerar nas ilusões, por Paulo Moreira Leite

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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no Brasil247

Sem exagerar nas ilusões

por Paulo Moreira Leite

Num país indignado diante da deposição de Dilma, num processo vergonhoso que a maioria dos brasileiros imaginava pertencer aos arquivos de uma história tumultuada e lamentável, convém não cultivar ilusões exageradas a respeito do caráter benigno do golpe de 31 de agosto de 2016. Os antecedentes ajudam a entender o que quero dizer.

A reação padrão ao golpe de 1964 foi do próprio João Goulart, o presidente deposto. Convencido de que seria uma iniciativa passageira, Jango  deixou o país certo de que logo estaria de volta. Só pode retornar num caixão. em 1976. O regime militar durou 21 anos, se você considerar que a posse do civil José Sarney, escolhido por regras criadas pela ditadura, marcou o início da democracia. Ou 25, se você definir a eleição direta para a escolha de presidente da Republica, realizada em 1989, como o marco divisório.

Não se trata de uma peculiaridade brasileira. Em 1922, a posse de um ditador como Benito Mussolini, líder de hordas fascistas que abriram o caminho até Roma com ataques a sindicatos, pancadaria e assassinatos de lideres socialistas, foi acompanhada de um ambiente de otimismo e boa vontade. Como a média de idade dos novos governantes era baixa, o tom geral era celebrar o espírito renovador da juventude. Como o Rei Vitório Emanoel nomeou Mussolini dentro do ritual de uma monarquia parlamentar, não havia do que reclamar. Quando os jornais tentaram publicar as primeiras queixas, era tarde. Se algumas penas estavam paralisadas pela censura, outras perderam a tinta pela covardia.

O futuro da democracia brasileira depois de segunda-feira não permite otimismos. Como era previsível, e já apontei aqui neste espaço, a fragilidade do golpismo de ocasião que sustenta Michel Temer apenas começou a exibir contradições e surpresas que devem ampliar-se ao longo do tempo, já que carregam um defeito de fábrica — a falta de compromisso com o voto popular e as necessidades de uma população que será a grande prejudicada pelo pacote de medidas regressivas do ponto de vista econômico, político e, acima de tudo, histórico.

Temer é um chefe de governo com prazo de validade, condição que estimulará atos de infidelidade e chantagens infinitas em seu próprio bloco de sustentação. Como se sabe, será protegido de todas as formas até 31 de dezembro, pois até lá sua saída irá abrir uma vaga que a Constituição determina que seja preenchida por eleições diretas, justamente o que se quer evitar. Mas, depois de 1 de janeiro, um eventual substituto de Temer será escolhido pelo Congresso, num pleito indireto. Não é difícil imaginar qual a opção dos arquitetos de um golpe promovido após quatro derrotas consecutivas nas urnas. A consolidação da ditadura de 64 não seria possível sem a institucionalização de eleições indiretas não só para presidente, mas governadores de Estado e prefeitos de capital.

Para Dilma Rousseff, o golpe representa uma catástrofe, ainda que tenha sido amenizado pela votação que protegeu — pelo menos! — seus direitos políticos. A medida permite imaginar que se tentou colocar um freio a possíveis medidas arbitrárias que o novo governo pode executar. Também permite até que se alimente hipótese de uma retomada na vida política, em 2018, quem sabe. Muito bem. O país só terá a ganhar com sua voz e sua crítica, em qualquer caso. Sua experiência tem um valor único.

Cabe uma ressalva, porém. Ao deixar a presidência, Dilma perdeu a prerrogativa de foro. Isso quer dizer que, daqui para a frente, terá uma imensa dificuldade para escapar das medidas de exceção da Operação Lava Jato. Em breve, corre o risco de enfrentar uma caçada semelhante à que é enfrentada por Lula. Não faltarão delações premiadas nem prisões preventivas. Alguém duvida?

Esta é a questão.

Num país onde os adversários de Lula-Dilma nunca foram capazes de uma vitória pelas urnas desde 2002, o golpe de Estado de 2016 teve causas econômicas e sociais. Mas será de grande utilidade para ajudar Sérgio Moro a terminar o serviço.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

12 Comentários

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  1. A ameaça do Parlamentarismo

    É um risco sério, o que corremos de que Temer, para assegurar sua governabilidade – sempre ela -, saque da sua manga de “constitucionalista” o fim das eleições diretas para a chefia de governo. Existe por aí quem veja em José Serra – sempre ele – uma avidez extremada pela adoção dessa via, na qual ele enxerga uma chance de ser o que o voto direto não lhe permitiu. Há quem vislumbre em Michel Temer, por outro lado, características típicas de ditador. E é isso que resta a quem não conseguiu aboletar do poder o Partido dos Trabalhadores pela via do voto.

    O quadro não é nada alentador, em termo de futuro político brasileiro. O país está em estado avançado de decomposição política – virou piada, em apertada síntese. Nunca antes foi tão válida a frase atribuída a estadista europeu do séc. XX: o Brasil não é um país sério.

  2. Dilma enfrentou o Ustra. Moro

    Dilma enfrentou o Ustra. Moro é pinto. Não passa de um provinciano coxinha, mesmo que venal como todo fascista. Ela o encara de frente, assim como Lula o faz. Agora é o confronto sem disfarce, estou do lado deles

  3. Paulo Moreira

    Acho jornalista que o senhor também ficou devendo ao povo brasileiro sua parte na luta contra este golpe.O senhor e todos os jornalistas que foram suspensos da TV Brasil. De repente o único canal que nos dava a oportunidade de conhecer o outro lado do golpe que estava sendo armado é praricamente desativado.Mas o MinC estava ocupado, por que não levar seus pro gramas para lá e os realizar regularmente, com a oportunidade de serem gravados e postos em redes sociais? Claro que os que estavam ocupando o MinC os receberia.Os programas eram cultura.Ficamos órfãos de um dia para outro, e só houve reação do povo que fez uma manifestação em frente a TV Brasil, com a fala de vários políticos, depois a manifestação seguiu para o MinC. Eu falo porque participei desta manifestação.

    Ná Ditadira Militar, jornalistas fizeram malabarismos para oferecer ao povo um jornalismo de reacão. Lembra-se do Pasquim? Era esperado com ansiedade pela população pensante.Falado, comentado, era uma válvula de escape ás frustações reinantes. E o jornalista Carlos Castelo Branco que no Jornal do Brasil, sem radicalismos fazia uma crítica firme contra a Ditadura.Meu marido fazia assinatura do Jornal do Brasil e a primeira coisa que eu fazia ao acordar era lê-lo para adquirir forças para enfrentar mas um dia daquela noite que durou 21 anos..

  4. Alma (pátria)
    Alma minha gentil, que te partiste
    Tão cedo desta vida descontente,
    Repousa lá no Céu eternamente,
    E viva eu cá na terra sempre triste.

    Se lá no assento Etéreo, onde subiste,
    Memória desta vida se consente,
    Não te esqueças daquele amor ardente,
    Que já nos olhos meus tão puro viste.

    E se vires que pode merecer-te
    Algũa cousa a dor que me ficou
    Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

    Roga a Deus, que teus anos encurtou,
    Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
    Quão cedo de meus olhos te levou.

    1. Caro José Carlos Vieira

      Caro José Carlos Vieira Filho, gostaria de colaborar com a indicação de que este é um dos sonetos mais famosos de Luís Vaz de Camões; entretanto, embora outros existam de diferentes poetas que se referem à Pátria, queria – para não roubar ao poeta lusitano sua autoria e nem a quem lhe inspirou os versos – registrar que estes foram devotados a sua mulher amada que morrera muito jovem.  

  5. Eu duvido que haverá

    Eu duvido que haverá temporada de caça meganho-midiática contra Dilma. Sua cabeça não está mais a prêmio. Se houvesse alguém disposto a vender uma delação, já o teria feito. Certamente devem ter tentado, pois teria sido muito mais fácil derrubá-la assim. Só que não encontraram nada contra ela, então tiveram que inventar toda essa artimanha de pedalada. Dilma é uma pessoa idealista, e seus ideais são bem diferentes, opostos, aos dos golpistas, pois ela é honesta. Diógenes a teria encontrado mesmo sem sua lanterna.

  6. Creio que no mínimo os
    Creio que no mínimo os golpistas tramam um casuísmo para adiar a eleição 2018 para 2020 alegando fazer coincidir com as eleições municipais.
    Vai ter sempre um Gilmar Mendes e Globo a apoiarem.

  7. Não estou fazendo apologia ao

    Não estou fazendo apologia ao crime. 

    Mas a classe politica do país só vai ter respeito pelo povo, quanto alguns brasileiros corajosos, destemidos e sem medo de correr risco, meter uma bala na cabeça de uns quatro politicos ou autoridade importante desse país.

    Enquanto não houver um choque dessa magnitude, nunca respeitarão o povo brasileiro.

    Porque somos um povo pacífico e ordeiro, ou seja, em outras palavra uns merdas.

    Pouco países do mundo aceitaria um politico como o Eduardo Cunha, por tudo que fez, faz e fará.

    Ele já teria escorregado numa casca de banana há muito tempo.

    Que se danem os que acham que isso não adianta nada.

    Somos uma parcela de  povo de bosta.

    A direita teve força para depor um candidata eleita pelo povo,  e parte da sociedade não teve a mesma força para derrubar um golpe.

  8. Inicio de 2017 Temer será

    Inicio de 2017 Temer será cassado pelo TSE.

    O congresso elegerá o primeiro ministro JOsé Serra, preposto dos EUA no Brasil.

    Na Argentina cpnseguiram emplacar um preposto através de eleição aparentemente sem roubo.

  9. o próximo golpe

    Considero o temor de Paulo Moreira Leite plenamente verossímil. Pacificando e normalizando um bloco de apoio politico, calando as vozes das ruas, o próximo passo natural deste golpe será o cancelamento das eleições de 2018 com votação indireta para presidente. Já foram longe o suficiente e não podem mais recuar.

  10. eleições para prefeito

    Engraçada a sua interpretação de que a reeleição do Fruet fortalece a Democracia. Parece-me mais um oportunista. Em 2010 , filiado ao PSDB, era o mais veemente crítico da gestão de Dilma e da impostura do PT. Como o PSDB não o fez seu candidato,  bandeou-se para o outro lado, foi eleito e agora quer ser reeleito com os votos petistas. Belo exemplo ético.

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