Uma síntese das aventuras da família Dallagnol no Mato Grosso, por Sergio Guedes Reis

Avôs, pais, tios e primos de Dallagnol participaram, nas últimas décadas, de um esquema de grilagem de terras que rendeu mais de 40 milhões de reais à família.

Foto Reuters

Uma síntese das aventuras da família Dallagnol no Mato Grosso

por Sergio Guedes Reis

Na semana passada, o site “De Olho nos Ruralistas” publicou um impressionante dossiê a respeito de uma série de práticas ilegais da família do Coordenador da Força-Tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, no Mato Grosso. Avôs, pais, tios e primos de Dallagnol participaram, nas últimas décadas, de um esquema de grilagem de terras que rendeu mais de 40 milhões de reais à família. O caso é extremamente interessante por nos mostrar, de forma didática, como as elites sustentam e expandem o seu poder a cada momento histórico – em geral a partir da obtenção de privilégios junto ao Estado.

A cada época, essas elites se aproveitam de um pólo dinâmico da economia para se locupletarem: na ditadura militar, a expansão das fronteiras agrícolas no Centro-Oeste; no período democrático, a ocupação de postos de destaque na alta burocracia, os quais lhe permitem a realização de negociatas de alto nível com elites posicionadas em outros segmentos de relevo – enquanto se aproveitam do prestígio auferido em virtude da condução de pautas de ocasião encampadas pela opinião pública, como a agenda anticorrupção.

O dossiê também nos permite compreender como as diferentes elites se conectam nesses processos de espoliação dos bens públicos. E, ainda mais interessante, nos ajuda a perceber como as frações que concentram o poder são diminutas – ou, melhor, são sempre as mesmas. No Mato Grosso, os Dallagnol, os Maggi e os Mendes (parentes do Ministro do STF) se articulam, se apoiam e se salvam em fraternais correntes, consubstanciadas em parcerias econômicas, alianças políticas e acordos judiciais.

A repercussão desse dossiê tem sido bem menor do que o igualmente brilhante trabalho realizado pelo The Intercept e parceiros a respeito de como Dallagnol atuou à frente da Operação Lava Jato. Faço, aqui, um compêndio dos principais elementos trazidos pelo “De Olho nos Ruralistas”:

1) Na década de 70, a família Dallagnol grilou (ocupou irregularmente) cerca de 400 mil hectares de um território no norte do Mato Grosso, com apoio da ditadura militar. A propriedade viria a corresponder a metade da área do município de Nova Bandeirante, o qual viria a ser formado em 1982. Comparativamente, essa área corresponderia a dois terços do Distrito Federal.

2) O terreno viria a ser regularizado em 1978. A “colonização” da região viria a ser feita por Daniel Meneghel, usineiro da região de Bandeirante (PR), e que em virtude de sua origem nomearia a nova cidade, no norte de MT, como “Nova Bandeirante”. No ano passado, Meneghel foi acusado de bancar voos do atual vice-Presidente, o general Mourão, ao longo da campanha eleitoral. Em troca, o general apoiou um fazendeiro local, filiado ao PSL de Bolsonaro, ao posto de Deputado Federal.

3) A desapropriação de uma fração desse terreno – uma faixa de 37 mil hectares, em 2016 – rendeu a 14 parentes de Dallagnol a bagatela de R$ 37 milhões. Alguns desses parentes, por sinal, dirigem a empresa de eventos citada pelo próprio Deltan como a responsável por seu milionário negócio de palestras (feitas inclusive para empresas investigadas por ele e seus pares no âmbito da Lava Jato). O próprio Incra pediu o bloqueio dos valores por identificar irregularidades no processo.

4) O diretor do Incra responsável pela desapropriação das terras em questão, o qual havia sido indicado pelo deputado federal Carlos Bezerra (MDB), é conhecido como advogado de ruralistas e é apontado como o responsável por enviar mesadas para que um filho de FHC pudesse viver na Europa.

5) Um deputado estadual do MDB/MT (que hoje é Secretário Estadual de Agricultura Familiar) revelou em pronunciamento na Assembleia Legislativa do Estado o acerto com a família de Dallagnol para a regularização das terras.

6) Laercio “Tenente”, tio de Deltan, é formalmente acusado de invadir terras na região junto a grileiros locais. Ele, seu irmão e sua cunhada já assinaram Termos de Ajustamento de Conduta junto ao Ministério Público por destruírem áreas de reserva legal. Tenente também responde a dois processos por loteamento ilegal de terras.

7) Xavier, o outro tio de Deltan mencionado acima, advoga para José Pupin, o “rei do algodão”, formalmente acusado por empregar trabalho escravo em suas fazendas. Em recuperação judicial, Pupin vendeu uma de suas fazendas para a família Maggi. Xavier foi flagrado em áudios tentando comprar sentenças em favor de Pupin. Xavier também defende um dos principais empresários do Paraná, Rovílio Mascarello, acusado de grilar terrenos no Pará que equivalem a 3 vezes as propriedades da família Dallagnol (a maior parte em área de preservação ambiental), bem como de crimes contra a ordem tributária, sonegação fiscal e até mesmo por estupro de vulneráveis.

8) Em uma das fazendas disputadas por Xavier, um sem-terra foi morto em 2016. Os Dallagnol e madeireiras buscam controlar propriedades no entorno da região, e se acusam mutuamente pelos casos de violência contra comunidades de camponeses. Cinco camponeses foram mortos nos últimos anos em meio a essas disputas.

9) Ninagin, prima de Deltan, foi um dos 10 maiores favorecidos em indenizações por desapropriações de terras em 2016 (R$ 17 milhões). Seu marido, juiz eleitoral, foi flagrado em áudios combinando decisões favoráveis a um candidato a prefeito (MDB) de Lucas do Rio Verde (MT), o qual é um dos proprietários de um dos principais – e mais tóxicos – agrotóxicos a venda no Brasil. Por sinal, o juiz também concedeu polêmicas decisões favoráveis a Gilmar Mendes e família, os quais haviam sido acusados por uso excessivo de agrotóxicos em área de proteção ambiental no MT.

A excelente coleção de reportagens desnuda acusações graves de corrupção, improbidade administrativa, trabalho escravo, desmatamento, grilagem, homicídios e outros potenciais crimes envolvendo o clã Dallagnol e seus aliados. Práticas ilegais cometidas há décadas, mas que permanecem em boa medida impunes, graças à imensa rede de poder e proteção mútua dessas elites – as quais, a cada época, adotam estratégias e formas de predação mais eficazes e perniciosas contra as instituições e o patrimônio público do Brasil.

Aqui, o índice de matérias: https://www.pewresearch.org/fact-tank/2019/07/09/u-s-newsroom-employment-has-dropped-by-a-quarter-since-2008/

 

Redação

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador