Crônica de domingo: a era dos cassinos

Outro dia li sobre a morte de Eros Volusia, dançarina de muitas décadas atrás. Lembrei-me dela porque, certa época, andava atrás de Alzirinha Camargo, cantora mignon que fizera muito sucesso em Poços de Caldas nos anos 30, durante algum tempo rivalizou com Carmen Miranda e conquistou o coração do então jovem banqueiro Walther Moreira Salles.

A filha de Januário de Oliveira, ator e cantor da época, me enviou um recorte de jornal que informava a morte e o enterro de Alzirinha em Santos, em 1980, e dizia que a única amiga dos tempos de glória a comparecer ao enterro foi Eros.

Agora, meu historiador predileto, Hugo Pontes, me envia cópias de jornais de Poços de Caldas dos anos 40, com anúncios e notícias sobre os shows dos cassinos -e estão todos lá.

No jornal de 2 de dezembro de 1943, pode-se ver o anúncio do show da Urca com os “Milionários do Ritmo”, “o maior quinteto da América do Sul”, apresentando seu novo crooner, Luiz Gonzaga, mais Odete Baptista. Naquele dia, a grande atração foi Dircinha Baptista, “consumada intérprete da música popular brasileira”. E havia ainda Janet, “renomado cantor brasileiro interpretando as mais modernas músicas yankees”. Seria por acaso Janet de Almeida, o grande compositor de samba choro?

Havia nomes que se perderam no tempo, como o cantor Milton Moreira, a cantora lírica Glória Tómas e as irmãs Campos Babys, “lindas garotas trapezistas”. Do Cassino da Urca, do Rio, vieram Jorge Del Prado, Príncipe Maluco e as Dhasant Brothers, além da “voz do México”, Toña. E La Negra, acompanhada do pianista cubano Pedro Tarazza, e suas “harmonias estranhas”.

E 1944 foi um grande ano para os cassinos brasileiros. A Segunda Guerra interrompera o circuito musical para a Europa, e grandes nomes europeus e norte-americanos vieram para a América Latina se apresentar.

Naquele ano, visitou a cidade Leonora Amar, que, quatro anos antes, viera cantar na inauguração da temporada oficial do Pálace Cassino. Depois, tinha seguido para os Estados Unidos, se apresentou na NBC cantando “Aquarela do Brasil”, “Na Baixa do Sapateiro”, “Star Dust” e “Carinhoso” com tal sucesso que foi contratada pela Warner e se tornou a estrela do filme “Equador”, estrelado por Errol Flyn, e, depois, de “Pirata”, filme de largo sucesso na época.

Leonora dividia com Linda Darnel um apartamento em Burbank, Califórnia. Viera ao Brasil por conta da morte do pai e aproveitara para rever Poços. Acabou aceitando um convite para se apresentar no Pálace Cassino.

Na mesma temporada, o Cassino Imperial apresentava Alda Garrido, em dupla com Pedro Dias. E o Pálace Cassino arrebentava, oferecendo uma seqüência de shows com Orlando Silva, a cubana Margarita Lecuona, Dorival Caymmi, Dercy Gonçalves, “a incrível”, a Menina-Prodígio, com espetáculo de telepatia, o Garoto do Banjo, “o homem dos nove instrumentos”, a Orquestra Carioca do Maestro Guary e o Garoto com os Enciclopédicos Musicais.

Em uma das noites, mesmo com a presença da cantora norte-americana Dorothy McKinley (falecidas uns três anos atrás), a atração principal foi Zé Fidélis, “o inimigo número um da tristeza”.

Naquela temporada histórica, o maior nome estrangeiro foi o do francês Jean Sablon, no salão nobre do Pálace, numa noite em que se apresentavam também Dalva de Oliveira e a Dupla Preto e Branco. Vieram ainda Grande Othelo, “o maior artista brasileiro”, apresentando um programa de calouros para maiores de 12 anos, e Matilde Broders, “o rouxinol dos Andes”.

As atrações anunciadas na edição de 23 de janeiro eram insuperáveis. O nome maior foi Orlando Silva, “o cantor das multidões”. No mesmo show apresentaram-se Leonora Amar, a cantora mexicana Chelo Flores, Anita Otero, Dercy Gonçalves, os bailarinos Monteiro e Naldi e as “lady-crooners” Ivete Ribeiro e Dinah Reis. No “grill” da Urca a atração foi a bailarina clássica Carmen Gautier, além de Moreira da Silva, “o tal do samba com molho”.
Daí eu olhava aqueles jornais do Júlio Dinucci, com aquela constelação de astros e, no rodapé, o anúncio da Farmácia Central, Salva Sempre. E me deu uma ponta de inveja do velho.

Luis Nassif

5 Comentários

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  1. Nassif, estive visitando 2 deles: o Quitandinha e o Pálace Cassino , este último apenas por fora, rodeando-o e imaginando ”ene” histórias daqueles tempos. No Quitandinha, fui em dia de visita orientada, fotografei tudo e revivi meus tempos de menina na região. Acabei me desvencilhando do guia da visita … porque as histórias me perderam por todos aqueles salões, piscinas, cozinhas, cinema, área do cassino com bar e tudo o mais. Hoje o Hotel Quitandinha, em Petrópolis, área de quartos e suítes, tornou-se um condomínio de apartamentos, não sei se alugados apenas -”uma fotografia na parede, mas como dói”.

  2. Muito boas histórias. Sem dúvidas que o período dos cassinos em Poços de Caldas – mais ou menos entre 1890 e 1946, quando dona Carmela Dutra botou pressão sobre marido para acabar com os jogos de azar no Brasil – merecia uma versão local de ‘Paris é uma festa’ de Hemingway. Quem sabe o Nassif possa nos brindar algum dia. Ou mesmo o Hugo Pontes!

    à propósito, feliz em saber que o velho poeta está na ativa e pelo jeito bem. Perdi o contato com o velho colega de mestrado, responsável pela minha ida para a PUC-Poc.

    Salve Hugo. Onde estiver, meu abraço carinhoso.

  3. Muito boa a cronica de domingo.

    Vamos reabrir os cassinos e assim matar a saudade e dar milhares de emprego.

    A tanta gente necessitada de emprego.

    Com os cassinos abertos resolveremos parte do desemprego.

  4. Caro Luís Nassif,
    Enviei para você o meu último livro “Visitantes Ilustres – Poços de Caldas 1886-1986. Nele registro o episódio da presença da cantora Libertad Lamarque e a breve entrevista que o Oscar Nassif fez com ela. Pergunta: Você recebeu o livro?

  5. Procuro insistentemente qualquer notícia a respeito de Luiz Gonzaga de Alencar, trombonista, que venceu concurso no cassino da urca. Tocando trombone.
    Qualquer informaçao seria muito útil

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