Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Pedradas, por Rui Daher

E assim João Gualberto e Valéria seguiram ajustados e felizes, na medida do possível da Federação de Corporações, até cinco anos atrás, quando foram demitidos.

Pedradas

por Rui Daher

Há 27 anos, o carioca, João Gualberto Santos Xavier, ingressara, por concurso, no ministério das Relações Exteriores, Itamaraty, Brasília. Vaga de contínuo. Estava feliz, empregado e orgulhoso. Manteria limpa uma das obras-primas do arquiteto maior, Oscar Niemeyer.

Na época, estava noivo de Valéria Francisca Souza e Silva, que vendia badulaques nas praias da Barra da Tijuca.

– Vou ou não vou? Não quero te deixar.

– Oportunidade assim não se perde. Amor não paga as contas da prontidão, da pobreza.

– Por que não nos casamos e vamos juntos?

– E em que trabalharei lá?

– No mesmo. Largo Paranoá, casas luxuosas, políticos riquíssimos, juízes cheios de benefícios, funcionários do Congresso com mais folga do que trabalho. Muda os badulaques por sanduíches naturais. No pior dos casos, abrimos um bordel. Com o tempo, passo a indicar clientes para sua equipe. Há boa matéria-prima em Tabatinga e cercanias.

– De jeito nenhum. Não sou disso. Prefiro a dureza no morro de São Carlos. Lá e no Pinto é aonde a cabrocha gosta de te esperar subir.

– Safada (risos).

– E como é que você ficou sabendo desse mercado de prostituição em Brasília?

– Uai, lendo, intuição, vivem falando que a cidade, apesar de não ter esquinas, é um puteiro.

– Vou não!

Casaram-se em uma igrejinha de Ramos, e se mandaram. Não sem que antes João Gualberto soubesse que Valéria estava grávida. 

Em 1993, o presidente da República era o mineiro Itamar, vice que assumira depois do impeachment de Fernando Collor. Para o comando do Itamaraty indicou Celso Amorim, homem culto e com alta sensibilidade humana.

Quando o rebento nasceu João Gualberto, ao mesmo tempo em que quis homenagear o diplomata, dando-lhe o nome de Celso, lembrou dos egressos do Instituto Rio Branco, nomes compostos, sobrenomes longos, quando não se referindo a personalidades históricas ou monárquicas.

Foi assim registrado Celso Joval Souza e Silva dos Santos Xavier, o Primeiro.

– Mô, não acha muito comprido esse nome? Mais tarde, vai ser uma complicação pro menino. E por que, esse Primeiro.

– Do jeito que estamos sempre em atividade, virão outros filhos ou filhas. Ficará mais fácil. Dependendo do sexo (da criança, não do nosso, infindável), basta trocar o primeiro nome, e o resto segue Segundo, Terceiro, Quarto, e por aí vai.

– Tu és maluco, mesmo, Jogual.

De todos os empregos antes pensados por João Gualberto, tudo foi melhor. Muito querido no Palácio, amável e solícito, era frequente o Dr. Celso trocar umas palavrinhas com ele. Contou das agruras de Valéria com procura de emprego.

– Ela gosta de animais, aves principalmente?

– Muito. Lá no morro, cuidava de galinhas, uma até angola, dois patinhos, vários canarinhos e maritacas. Tinha cachorro e gato, também.

– Pede para a Valéria vir aqui e falar com meu assessor. Ela será treinada a cuidar dos cisnes do lago do Palácio, e outros animais que convivem no entorno.

– Muito obrigado, Dr. Celso. É uma bênção. Eu cuido do interior e ela do exterior de Niemeyer.

E assim João Gualberto e Valéria seguiram ajustados e felizes, na medida do possível da Federação de Corporações, até cinco anos atrás, quando foram demitidos.

– João, não entendo, sempre fizemos tudo direitinho, por que nos mandaram embora?

– Valéria, o tal do Estado mínimo. Acharam que ele estava máximo, e era preciso demitir muitos funcionários públicos até ele se tornar mínimo.

– E como fica o Palácio? Os cisnes? Os gramados?

– Médios.

– Não entendi.

– O dedo médio enfiado no rabo do Estado.

Rui Daher

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