Urariano Mota
Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".
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Sob o coronavírus, “saúde e economia são complementares”?, por Urariano Mota

Em português mais claro, em uma forma educada que veste a barbárie, ele poderia dizer: “A vida não pode se sobrepor à economia, porque a economia também é vida”. 

Sob o coronavírus, “saúde e economia são complementares”?

por Urariano Mota

Até parece que na crise o mundo capitalista mudou para melhor, ou partiu para melhor. O que podemos concluir? Segundo Nelson Teich, o mais recente ministro da saúde:  “Economia e saúde não competem entre si, são complementares. Quando você polariza, você coloca uma competição entre vida e dinheiro, bem e mal”. 

Em português mais claro, em uma forma educada que veste a barbárie, ele poderia dizer: “A vida não pode se sobrepor à economia, porque a economia também é vida”.  Bem compreendemos o quanto a economia capitalista é a expressão de melhor vida.  

Ora, vejamos o comportamento dos bancos, até antes desta violenta crise. Os bancos, ou dizendo melhor, os banqueiros, desejam o mesmo que sair da área econômica para entrar na área criminal, porque, para eles, tomar medidas mais duras equivale a tomar tudo de quem deve, até a vida. É sério. Os sofridos donos de banco reivindicam sempre até maior “velocidade processual”, para a retomada mais rápida dos bens financiados. Na tora.

O leitor, que apenas tem com os bancos a relação em que entra com o pescoço e os banqueiros com a guilhotina, atente para como os banqueiros agem com outros mais explorados, os bancários empregados no sistema.

Segundo pesquisa da CUT e do Dieese, os bancos abrem novos postos de trabalho, mas os novos contratados receberam salários inferiores, aos trabalhadores demitidos. Na ponta das contratações oportunistas, o bravo Bradesco. O que isso significa? Mais carga de jumento para quem entra por preços mais baixos. Mas economia é saúde.

De minha experiência de bancário, posso dizer que nunca quis ser caixa, pois grande era a tentação de pedir empréstimo sob sigilo de anistia. Mas lá na retaguarda bem pude sentir a parafernália tecnológica, aquela propaganda maravilhosa de financiamentos fáceis, que se contraem com um piscar de olho à recepcionista, naquele ambiente de ar-refrigerado, de eficiência, teclados on-line, telefones e sorrisos, muitos sorrisos, como eu poderia chamar a isso trabalho? Era a própria expressão do sofrer no paraíso.

Há muito as estatísticas põem os bancos em primeiro lugar no ranking dos Dort (Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho), que inclui doenças da coluna, tendinite, bursite e LER (Lesão por Esforço Repetitivo). Talvez os números de sucesso empresarial de um lado e sucesso em mandar trabalhadores para o inferno de outro não sejam capazes de ferir a percepção. Mas economia e saúde se completam.

Uma afirmação dessa natureza só poderia vir de um médico na função de  monstro. Olhem por favor o depoimento da filha de uma paciente do recente ministro Nelson Teich:

Este monstro, mesmo sabendo do estado terminal e das dores absurdas que minha mãe estava sentindo, deixou ela esperando um tempão por atendimento. Depois de reclamarmos, ele saiu do consultório dele, se dirigiu a nós e disse o seguinte, para uma pessoa que estava já agonizando. ‘Não adianta fazer nada, ela vai morrer. Deitem ela na maca da sala ao lado, quando tudo terminar, irei atender’ ” 

Comportamento natural, de um monstro. Mas se lembramos que o novo ministro é da iniciativa privada (e nunca vi nome mais próprio, privada), podemos concluir:

Para Nelson Teich, de fato, saúde e economia não se opõem. No seu caso particular, elas ajudaram muito: o ministro da saúde do capital é um empresário próspero. E que deus nos acuda. Em lugar do SUS, teremos um novo SUSto. 

*Vermelho https://vermelho.org.br/coluna/sob-o-coronavirus-saude-e-economia-sao-complementares/ 

Urariano Mota

Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".

2 Comentários

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  1. Alguém disse:

    “Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro esquecem do presente, de forma que acabam por não viver nem no presente nem no futuro. E vivem como se nunca fossem morrer… e morrem como se nunca tivessem vivido”.

  2. Dirigindo-se a Antônio, Mercador de Veneza, que tentava obter uma quantia emprestada das mãos do agiota judeu $hylock, este diz:

    “Vede como vos exaltais! É meu desejo prestar-vos um obséquio, conquistar-vos a amizade, esquecer-me das injúrias com que me maculastes, suprir vossa necessidade, sem tirar proveito nenhum do meu dinheiro. É amiga a oferta. (…) Quero dar-vos prova dessa amizade. Acompanhai-me ao notário e assinai-me o documento da dívida, no qual, por brincadeira, declarado será que se no dia tal ou tal, em lugar também sabido, a quantia ou quantias não pagardes, concordais em ceder, por eqüidade, uma libra de vossa bela carne, que do corpo vos há de ser cortada onde bem me aprouver”.

    Então não há competição, mas complementariedade, entre vida e economia?

    Quer dizer que quando, apesar da fome, os capitalistas queimam parte dos seus estoques a fim de reduzir a oferta e, como consequência, elevar os preços dos seus produtos, vida e economia não competem, ao contrário, se complementam, né?

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