Artista plástico cearense compõe Exposição de Direitos Humanos da ONU

Gerson Ipirajá será o único representante do Brasil na Exposição de Direitos Humanos comemorativa dos 75 anos de criação da ONU. Confira entrevista com o artista

Artista plástico Gerson Ipirajá. | Foto: Divulgação
Contra o fascismo, a potência das “Ferramentas Ancestrais”
por Gerson Ipirajá e Túlio Muniz*

Setembro de 2020, têm início as comemorações dos 75 anos de fundação da Organização das Nações Unidas (ONU). A efemeridade se dá no momento da História em que a representatividade política e diplomática do Brasil está, como nunca, corroída por obscurantismos reacionários, marcada pela negação à ciência quanto ao clima e a Saúde (vide as posturas do governo frente às queimadas e à Covid-19). Outrora respeitado no plano internacional, desde as famosas atuações de Ruy Barbosa em Haia, em 1907, ou de um habilidoso Osvaldo Aranha nas primeiras Assembleias Gerais da ONU nos anos de 1940, a chancelaria brasileira hoje está sob jugo de um quinta colunismo (“ação subversiva e traiçoeira de um grupo, em função de suas simpatias pró-inimigo nacional”) sem precedentes na trajetória do Itamaraty.

Contudo, se a representação oficial do Brasil nos 75 anos da ONU suscita temores globais, com práticas e discursos devastadores contra a política, a Ciência, os Direitos Humanos e o Meio Ambiente, vem do Ceará uma contra ofensiva ao neofascismo internacional que, por cá, grassa e desgraça e ameaça conquistas as quais se supunham consolidadas. São as “Ferramentas Ancestrais” de GERSON IPIRAJÁ, artista plástico cearense que levará para sedes da ONU em Nova Iorque e em Genebra (Suíça) a batalha que trava diariamente, desde sempre, na seara local.

Ipirajá foi selecionado como o representante do Brasil na exposição “INTERCONTINENTAL ART EXHIBITION: UNITED NATIONS – Symbol of Life, Freedom and Happiness”, que ocorrerá simultaneamente em Nova Iorque e Genebra a partir de Janeiro de 2021, como parte das celebrações da ONU, com foco nos Direitos Humanos. A seleção de um artista plástico de cada um dos 193 países membros ficou a cargo da Fundatia Inter-Art, da Romênia, onde Ipirajá é bastante conhecido.

A seguir, em transcrição de conversas que mantivemos ao longo de Agosto e Setembro de 2020, Ipirajá discorre acerca do evento, e da potência e da multiplicidade de suas “Ferramentas Ancestrais”.

Confira entrevista com Gerson Ipirajá.

Túlio Muniz: Como surgiu o convite para participar do evento na ONU?

Gerson Ipirajá: O convite me foi feito pelo curador e crítico de arte romeno Stefan Ballog. Ele integrou o júri da International Print Biennial Varna, na Bulgária (2019), da qual participei e tive obras adquiridas para o Gabinete de Estampas de Varna. Esse circuito de bienais de gravura tem proporcionado participações em diversos museus e possibilitado colocar meu trabalho em algumas coleções relevantes. Esta da ONU é uma exposição comemorativa dos 75 anos, acontecerá simultaneamente em Nova York e Genebra, no início de 2021. As obras foram adquiridas para a coleção da ONU.

Túlio Muniz: A inspiração para ‘Ferramentas Ancestrais’, é indígena, afro…. ambas? 

Gerson Ipirajá: Na realidade são memórias ancestrais, mixagens de imagens que me vem no juízo. As referências vão desde a arte rupestre, arte indígena, simbologia africana, tribais celtas, armas medievais e orientais aí faço uma mixagem neste universo. Como não sou teórico e as imagens me chegam na mente como se fossem para ser psicografadas, quando vou pra ação me dou a liberdade de misturar todas essas referências e resultou nesses trabalhos, que chamo de “Ferramentas ancestrais “, e que vem tomando corpo desde 2016 , quando comecei a trabalhar com litografia . Estas obras são litografias, processo gráfico onde a matriz é uma pedra calcária.

Túlio Muniz: Trace uma narrativa recente de sua trajetória.

Gerson Ipirajá: Em 2011 eu fui a Bahia para uma residência de xilogravura com orientação do artista Gabriel Arcanjo [artista plástico], nos ateliês de Arte e Gravura do Museu de Arte Moderna (MAM) de Salvador. Passei 90 dias em Salvador, e lá no Atelier do Mar eu tive contato pela primeira vez com as pedras litográficas e com as prensas litográficas. Tive, sob meus olhos, várias pedras desenhadas pelo Caribé [artista plástico e desenhista, 1911-1997], que ainda eram lá conservadas, o professor Renato Fonseca [professor do MAM, artista plástico e litógrafo] me mostrou todo esse material, devido a minha curiosidade. Eu fiz essa oficina em Salvador e depois retornei mais duas vezes, mas não por tanto tempo, foram duas voltas de 15 dias. No MAM eu fiz muitos contatos legais, com Gabriel Arcanjo, com Renato Fonseca, com Carmem Mayan [artista plástica baiana], com Ana Rúbia [museóloga], com uma galera massa da gravura e da museologia do MAM da Bahia. Eu já conhecia a Litografia pelo acervo do José Tarcísio [artista plástico cearense], e, teoricamente, eu sabia o que era, aí lá eu tive o primeiro contato prático. Nisso estamos falando de 2011, 2012. Quando eu chego aqui de volta, num dos encontros do Fórum de Artes Visuais, tomei conhecimento de um projeto que a galera estava fazendo um núcleo de gravura pelo CE, Secretaria de Cultura do Estado, aquelas coisas faraônicas. Beleza, isso ficou na minha cabeça como informação e passa-se o tempo, eu fazendo xilogravura, gravura em metal, monotipia, forma-se um coletivo de gravura, o Coletivo InGrafika [coletivo de Arte cearense criado em 2016], que é a galera com quem eu trabalho desde 2016, juntamente com outro coletivo, maior, que é o Movimento Monólitos [coletivo de artistas gravadores criado em 2018] e, quando chega 2016, sou convidado pelo Coletivo Itaquatiara [coletivo de artistas], de Recife, pra uma residência de litografia na Oficina Guaianases [da UFPE] , uma referência na história da litografia brasileira, teve muita importância, e aí mais uma vez me encontro com uma pessoa que me proporciona isso, me convida e caio nas mãos do mestre Hélio Soares [artista e mestre impressor pernambucano, 1947-2020],  nada menos. Passei dois meses no Recife dentro desse atelier, praticamente o dia todo, me torno amigo de mestre Hélio, e me encanto mais uma vez pela litografia.

Volto pra Fortaleza e descubro que na época havia sido adquiridas peças, pedra, prensa, e rolava a discussão faraônica dos ‘faraós’ disputando quem teria a pirâmide maior da gravura a ser absorvida, pela sua grandiosidade, sua fabulosidade, para ter a possibilidade de ser apresentada ao Cid Gomes, que era governador na época. Se tratava de política pública da época, só que isso não deu em porra nenhuma e essas pedras, essas prensas estavam compradas. A gente começa a fazer então um movimento para que esse material fosse para a Escola de Artes e Ofício [equipamento da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará], onde já havia uma prensa e onde acontecia, acanhadamente, um curso de xilogravura, uma vez por ano, num espaço muito massa, mas que funcionava acanhadamente. Me agreguei com Eduardo Eloy [artista plástico cearense],que é uma figuraça, um expoente, uma referência das mais importantes na gravura cearense, e  a gente faz uma ponte com Marley Uchôa, que é a diretora da Escola, que era onde o Coletivo InGrafika estava abrigado, utilizando o atelier, e então damos início a esse movimento para que a prensa litográfica fosse para a Escola, um processo no qual a Marley foi e é imprescindível. Nesse meio tempo, de 2016 até o final de 2017, eu continuei indo para o Recife para me capacitar, a cada dois meses eu ia e passava de 20 dias a um mês, na rotina do atelier de litografia. Porque exista um argumento aqui de que ‘no Ceará nunca houve litografia e nem gente capacitada para trabalhar com ela’, então eu seguindo indo no intuito de me capacita. O Eloy articula e consegue que a prensa fosse montada a Escola de Artes e Ofício, e aparecem mais duas prensas mais isso, mais aquilo, todo um aparato que outrora iria para a ‘pirâmide’, do ‘faraó’.

Graças a isso hoje temos na Escola um dos ateliês melhores, mais bem equipados do Nordeste, senão do Brasil, com toda certeza. São duas prensas de gravura em metal, duas prensas de xilogravura, uma preso de litografia, com 50 pedras litográficas e com oito pedras litográficas onde foram mantidos os rótulos, porque a litografia foi muito utilizada na arte publicitária, na criação de rótulos de toda sorte, e daí termos esse material lá na Escola.

Isso foi uma coisa que eu, e Silvano Tomaz [artista cearense], o Coletivo InGrafika, junto com o Eloy, fomos responsáveis e por isso está hoje a pleno vapor. Então hoje me dedico a litografia com muito afinco, ela tomou mesmo a minha via de produção embora eu ainda faça muitas outras coisas, sempre estou desenhando, gosto de pintar, mas na litografia estou pesquisado sempre. E como mestre Hélio, que partiu recentemente, me dizia, no jeitinho dele: “Ipirajá, litografia a gente só deixa de aprender quando deixa de fazer, intendeu-se!? A pedra sempre tá ensinando pra gente, visse!?”.  E é isso mesmo, hoje sou pesquisador da Escola de Artes e Ofício, temos lá um programa de pesquisa e um grupo de trabalho através do qual a Escola oferta cursos, contratado pela escola quando há demanda de oficinas de gravura. E, sobretudo, faço parte de um grupo no qual eu, Tomaz, todo mundo ali articulou, hoje somos de 30 a 40 pessoas fazendo gravura na Escola, Tomaz e eu somos monitores voluntários e dentro desse processo uma forma que encontramos para sermos remunerados foi editar esses artistas, ficando o Tomaz responsável pelas edições em gravura e metal e eu pelas edições litográficas.

No final de Janeiro de 2020, fui pra Olinda e lá fiquei até o início da pandemia, retornei em 20 de Março, voltei porque aeroportos iam fechar aquela loucura, mas lá fiz residência no atelier de outro mestre, Ricardo Melo, e foi muito importante. Após a volta, devido a pandemia, não pude ainda praticar, na Escola, o que aprendi nesse atelier. Enfim, a litografia hoje ocupa grande tempo da minha vida nas práticas em arte.

Túlio Muniz: “Ferramentas Ancestrais” vêm a público num momento conturbado para o país e o mundo…

Gerson Ipirajá: No ano passado, iniciado esse governo [Bolsonaro] com uma grande interrogação quanto a Cultura, eu já estava numa realidade bem diferente do que era há 10 anos: não sou mais sozinho, constituí família, tenho o Miguel que é um filho massa, tá com cinco,  e estava complicado de manter um espaço de residência e outro de atelier. Tinha, tenho a necessidade de sair pra trabalhar, mas a gente vai se mandando e ‘em terra de sapo, de cócoras com ele’, como se diz no Ceará. Então alugamos uma casa maior e montei meu atelier num espaço aqui em casa. Porque tenho trabalhado mais com litografia e é um trabalho pesado e é difícil pra um artista manter sozinho um atelier assim, a não ser que seja rico. Então da rotina pré pandemia, que era de ir pra Escola e lá trabalhar três vezes por semana, eu ainda presto serviço ao Zé Tarcísio duas vezes por semana organizando o arquivo e acervo dele do qual hoje sou responsável junto com ele, que é vivíssimo e lúcido, e ele me delega o cuidado com esse material que foi o que sempre fiz desde meus 24 anos. E vou vivendo da arte, faço mil coisas, trabalho com associações, trabalho com o Zaquira [artista plástico cearense] tenho uma parceria com ele, também relacionado a projetos de arte e tal.

Com a entrada desse governo nefasto, ficou difícil e na pandemia se intensificou essa minha vida doméstica, acabei montando também um atelier para o Miguel, montei para ele uma mesinha onde ponho papel, tinta e ele gosta, tem o universo dele no qual não interfiro, e é uma coisa que me completa muito, se eu soubesse tinha sido pai bem mais cedo. Paternidade a gente pensa que não dá conta, mas a conta se dá quando a gente tem: tendo, dá conta, quando não tem, idealiza ou desidealiza. Então vivo assim, minha história é essa, minha companheira também contribui muito, ela acompanha o passo do tamanho da minha perna, confia, acredita e a gente tem uma vida onde há, sobretudo, harmonia, patrimônio maior que a gente consegue construir enquanto família aqui em casa, é patrimônio imaterial que talvez não seja roubado a não ser que outros fatores venham atrapalhar isso…mas aí já é outro assunto. Mas acho que não acontece não porque é uma coisa tão massa que tá rolando na vida da gente que é… é um paraíso mesmo, o Miguel, a minha vivência e relação com ele, sobretudo de amizade que eu quero construir, quero fazer uma coisa massa. Meu filho, quero estar perto dele, sempre. Perto no sentido de que ele pode saber que conta comigo, não que eu vá ficar no pé dele toda vida, não, ele vai ter que voar também.

Túlio Muniz: As ‘Ferramentas Ancestrais’ são também transversais.

Gerson Ipirajá: Elas vêm de elementos iconográficos, grafismos que comecei a desenhar em 1998, que comecei a achar interessante e comecei a pesquisar, a ver relações atávicas, subconscientes, que estavam na minha imaginação, comecei a relacionar com a minha existência, e, claro, somos brasileiros, temos referências sobretudo indígenas e africanas, permeadas pela cultura moura também, e reúno tudo isso no meu trabalho. Depois, a partir de 2006, passei a sair dos grafismos para ferramentas, elementos, objetos, nos quais já é bem mais visível essa mixagem ancestral que eu proponho inconscientemente. Essa fase começa em 2006, depois vem um hiato, eu retorno aos grafismos.  Agora, já mais recente, em 2016, já com a litografia, eu retomo esse corpo, saio da linha, saio do gráfico e entro num corpo quase que escultural, nessa imagem que está gravada aqui no meu chipsinho [cérebro], quando ela é acessada e vai para o papel ou para a tela, ela toma corpo de uma forma mais escultórica, mas de objeto. Isso é a fase que estou agora que chamo de Ferramentas Ancestrais, que têm esse link com tudo que eu penso acerca de ancestralidade, onde entra África, indígenas, entra também armas orientais porque houve um momento da minha infância em que eu fui muito ligado ao caraté, ao kung fu, e vejo muito dessas armas nos desenhos dos meus objetos, o tribal celta, a própria caligrafia oriental na leveza de certos movimentos desses elementos. Hoje, nesse momento pandêmico, de questionamentos existenciais de tudo no mundo, de espiritualidade, de reconexão, de medo da morte,  eu tive um sonho muito doido, nos primeiros dias depois de chegar de Olinda, no qual eu saia da minha varanda e eu via uma batalha, uma grande guerra de luz, de energia, de coisas que cintilavam, e se batiam, e eu havia lido um texto que tratava de algo que os espiritualistas acreditam e repassam, a gente sempre tá lendo principalmente quando é um momento desses em que o mundo está aflito, e aí comecei a colocar essas armas, essas ferramentas em confusão, em guerra, em espadachim. Dessa série surgiram primeiros 10 desenhos, os quais penso em transformam em litografia, os quais estou chamando de ‘Batalhas que se travam nos universos sutis’. Todos são desenhos, o nanquim, a técnica mista aquarela-lápis, grafite de várias numerações e vários tons, então já tem uma série grande. Ante de viajar eu havia iniciado elas em nanquim, já eram uns desenhos nesse sentido, e agora elas guerreando, disputando quem é que vence, se que eu identifique o que é bem, o que é mal…

É isso, são essas armas, esses conflitos que hoje eu penso que, de repente, depois saia uma exposição desse material. É depois que você começa a fazer é que começa a visualizar. Eu penso também em fazer telas grande, de pintura mesmo, a minha pintura é conhecida por ter muitas cores, muito colorido, exuberante, quente, e tô querendo trabalhar com cores mais frias, terrosas, quero usar muito preto, ferrugem, cinza, sépia, ocre, e fazer essas guerras também em tela grande. Mas primeiramente elas estão concebidas para litografia e os desenhos, que têm uma linguagem autônoma. Então acho que depois vai dar rock’n roll, vai dar forró, vai pintar uma exposição, quando as coisas voltarem a ter alguma atividade. Porque as Ferramentas Ancestrais, o trabalho também é uma crítica a esse momento, essas guerras, essas armas é também uma forma de dizer que posso me apoderar, posso empunhar, estou aqui, sou forte, tô pra guerra, pode vir que eu disputo.

O momento que o Brasil passa talvez seja o mais, o mais…. Eu nasci na época da Ditadura, nasci em 1973 então não me lembro do governo Médici [1969-1974], que foi o pior. A primeira referência que tenho de presidente da República é do Figueiredo [1979-1985], e muita coisa já era proibida de se dizer na escola. Então depois daquela euforia do Tancredo [morto em 1985 antes da posse], eu cresci vendo isso aí, Collor de Mello [1989-1992], Fernando Henrique Cardoso [1993-2002], e amadureci no governo Lula [2003-2010], que pra mim foi o governo que, apesar de a máquina brasileira parece ser feita pra galera roubar, uma engrenagem que só roda se tiver a macacada, mas o governo Lula fez a diferença. Eu tive emprego, fui bem remunerado, tive condição de viajar, condições de fazer uma série de coisas, trabalhei dentro de programas sociais e de arte, e então foram coisas que vi crescer até 2015, 2016, quando também eu saí das instituições, e vi o retrocesso de 2016 até esta merda em que estamos hoje, esse fascismo, essa família, que merecia uma punição,  porque essa galera é nociva. Infelizmente, quando começo a falar, o que me vem é ódio. Eu não consigo fomentar outra coisa para esses que hoje estão à frente do nosso país a não ser exercer o meu direito de ter ódio. E não me furto disso, sei perfeitamente que me faz mal, mas também é o dínamo que vai fazer com que eu ataque e acerte o alvo.

A condição de produção institucional, hoje, é muito doida. As instituições de Arte estão enfraquecidas, por total, o que já começa no governo Temer. E de certa forma estão aparelhando fascistamente. Eu nunca fui um artista ‘ queridinho’ das instituições, tenho Salão [Premio Salão de Abril, Prefeitura de Fortaleza], tenho prêmio, essas coisas, mas nunca fui um artista querido pelas instituições, sempre fui da contramão, do outro lado, e entrei porque em alguns momentos consegui furar o cerco, momentos em que tinha pessoas aliadas que estavam em posições que me possibilitaram também isso. Porque quando você faz um currículo, não quer dizer que você seja o melhor, não. Quer dizer que você busca e encontrou parceiros que tiveram afinidades com aquilo que tu faz, e que também tu via tua relação e tudo. O contexto hoje, a obra em si, ela fala, mas às vezes ela não consegue alcançar. E isso é muito injusto dentro do processo da arte, sempre foi. Hoje mais porque perpassa por tudo isso e o artista hoje, como a gente vive num mundo que institucionalizou a Cultura, a arte e a economia delas dentro de mecanismos duvidosos. E quando se fala em instituição, em dinheiro, os mecanismos sempre são duvidosos. Então os termômetros da arte, que vão eleger aqueles que vão fazer parte deste rol, que tem a visibilidade do jornal, que vão ter a ‘chanfra’ da instituição, que, queira ou não queira a galera dá uma importância a isso, ainda que subjetivamente o meio artístico dá importância, o artista dá importância e se sente mais alicerçado…Por outro lado a gente sair deste contexto e tentar construir uma coisa, numa contramão, uma furada de esquema aqui acolá pra dar um nó cego pra você se aguentar um pouco, é também uma via.  É mais difícil, mas hoje acho que os artistas, a Arte em si, vão ter com começar a aprender a andar por esse lado. Porque por outra parte, como todo esse aparato institucional que é de direito constitucional, o direito à Cultura, ao acesso ao investimento nela e a gente, enquanto cidadão, enquanto profissional da Arte, a gente tem direito a ter condição de vida dentro daquilo que a gente faz. Mas por outro lado se criaram artes e artistas a fazerem coisas para editais. E eu acho que é o inverso. Dias desses eu vi o Galvão [Roberto Galvão, artista plástico cearense] falar algo que bate com o que eu penso: é muito mais importante a gente construir uma obra, e essa obra que se coloque num circuito que seja engajado conforme ela é, mas é o contrário: a galera começa a fazer uma coisa pensando em edital e aí é empresa, é produtor muitas vezes tolhendo o que você realmente propunha. Eu, quando trabalhei com cabelo e entrei um salão nacional, eu questionando vaidade e nojo com o mesmo elemento, e ganhei um edital aqui, Projeto Abolição [antigo projeto de artes visuais do Governo do Estado do Ceará ], que era menina dos olhos da Secretaria de Cultura do Estado na época, em 2002, mas a exposição individual só veio a acontecer em 2005 e quiseram tolher e direcionar o que eu propunha. E com muito custo, muita teimosia minha, ouvia ‘rapaz se você fizer assim você vai se queimar’, então eu ‘me queimei’ (risos), fiquei um tempo como persona non grata na Secretaria de Cultura, mas a exposição foi um êxito, fiz do jeito que queria, não me arrependo. Paguei a consequência por um tempo e depois as coisas voltaram ao normal, cê tem que ter o pescoço grosso e aguentar as consequências do que faz. Então, por outro lado, a gente vai aprender a se reorganizar, a se aproximar, a saber que ninguém faz nada sozinho, a gente agora está com essa experiência do Fórum das Artes Visuais [grupo aberto de artistas cearenses que se reúne periodicamente em Fortaleza], que voltou uma galera querendo retomar associação, os coletivos da cidade, os espaços alternativos, as galerias de artistas, e acho que é o caminho para enfrentar o dragão e pintar suas escamas é dessa forma. Não há outra a não ser pela via da contramão do institucional. Porque dentro do institucional você vai ter que se moldar, vai ter que bater continência, então é melhor dar cotôco do que bater continência. Claro, há exceções, o MAUC (Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará) por exemplo, hoje é grande parceiro dos artistas, agora mesmo há uma exposição sobre gravura da qual sou curador, dá para acessar pela internet.

*Gerson Ipirajá, artista plástico, e Túlio Muniz (Jornalista e Historiador, Dr. Na área de Sociologia pela Universidade de Coimbra, atualmente professor na FACED/UFC) são amigos desde 1997, quando se conheceram no atelier que o artista plástico José Tarcísio mantinha em Aracati (CE), onde Ipirajá trabalhava.

Redação

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