Como os saraus das cidades-sede colaboram com a mobilização comunitária

Do Centro de Referências em Educação Integral

Ana Luiza Basílio e Jéssica Moreira

A expressão sarau vem do latim seranus que significa relativo ao entardecer. O nome diz muito sobre a origem dessas manifestações que, por aqui, datam do século XIX e início do século XX e se configuravam como os mais elegantes da sociedade. Na época, reuniam-se em saraus “seres iluminados” que tinham gosto pela música e literatura e que desfrutavam dos requintes dos grandes salões, entre quitutes refinados e apresentações de músicos e poetas consagrados prontos para exibirem suas artes.

Os saraus viraram tradição com a chegada da Família Real, em 1808, e logo ganharam terreno no Rio de Janeiro. As reuniões eram frequentadas pela aristocracia e embaladas pelos ares europeus. Em São Paulo, o movimento chegou mais tarde, muito impulsionado pelos ricos fazendeiros de café.

Na capital paulista, o precursor foi o gaúcho Freitas Valle, que abriu as portas de suas Villa Kyrial, no bairro da Vila Mariana, para encontros regados a música, bons vinhos e suscitadores de discussões sobre estilo, arte, literatura e política.  Por ali, passaram figuras como Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Manuel Bandeira.

Com o tempo, os saraus deixaram para trás as formas luxuosas e encontros menos requintados foram surgindo entre figuras como o próprio Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, Paulo Prado e de Dona Olívia Guedes Penteado.

Hoje, os saraus alcançaram também as periferias e funcionam como importante ferramenta de comunicação que dá voz a grupos variados. Os eventos acabam por cumprir um papel mobilizador frente às questões dos territórios e articulador diante da comunidade neles inseridas. Além de enriquecer o repertório cultural dos participantes, a dinâmica dos saraus contribui com o empoderamento e a autonomia dos indivíduos.

Poeta Sérgio Vaz/ Divulgação

Poeta Sérgio Vaz/ Divulgação

1. Sarau Cooperifa, em São Paulo (SP)

“A periferia não tinha cultura, apenas bar e igreja. E como somos mais do bar, decidimos transformá-lo em um centro cultural”. A fala é de Sérgio Vaz e diz de uma história que começou há 12 anos no bairro do Parque Santo Antônio, zona sul de São Paulo. Ao lado de Marco Pezão, Vaz começou a fazer poesia dentro do bar Zé Batidão. O movimento despertou curiosidade, engajou as pessoas e caminhou para o que hoje é o Sarau da Cooperifa, que acontece todas as quartas-feiras, a partir das 21h, atraindo centenas de pessoas de toda a cidade para o espaço que é a base do movimento. O projeto ainda lidera várias atividades na comunidade e seu entorno, como o Cinema na Laje, que oferece exibição de filmes duas vezes por mês (às segundas-feiras); saraus nas escolas para apresentar a poesia, quinzenalmente às terças-feiras. A Cooperifa estabeleceu um diálogo que transcende a geografia da periferia e é capaz de propor reflexão e conhecimento a diversos atores da sociedade.

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2. Sarau Apafunk, no Rio de Janeiro (RJ)

Um microfone aberto na Rua Alcindo Guanabara, Cinelândia (RJ), em frente à ocupação Manoel Congo. Essa é a dinâmica do Sarau Apafunk que acontece às quintas-feiras, sempre na segunda semana do mês, às 19h. Desde sua primeira edição, que aconteceu há cinco anos, o Apafunk é apoiado pela Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (APAFunk) cuja sigla deu origem ao nome do Sarau. Hoje, a Associação quer afastar o funk da perseguição e criminalização e, por meio do diálogo, pretende fazer com que ele seja reconhecido como cultura. Para isso, faz uso da poesia e incentiva o posicionamento dos participantes. “Queremos mostrar que o funk tem o que falar, ao contrário do que apontam as críticas”, defende Mano Teko, presidente da APAFunk. Para ele, o sarau é uma importante ferramenta que possibilita a comunicação entre aqueles que acreditam na possibilidade de uma mudança. Nessa perspectiva, o Sarau ganhou o apoio do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, que colabora com a organização dos eventos.  Os encontros têm contribuído também para a agenda de questões raciais e de gênero, como a discriminação do negro e da mulher.

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3. Sarau Psicodélico, em Brasília (DF)

Nascido em meados de 2003, na cidade-satélite de Taguatinga (DF), o Sarau Psicodélico vem realizando a interação de bandas autorais com os novos poetas brasilienses. O objetivo é dar espaço aos artistas anônimos que surgem, principalmente, nas cidades-satélites. “Como o sarau é itinerante, já passamos por cidades-satélites como Guará, Taguatinga, Ceilândia e Paranoá”, aponta a organizadora Cida Carvalho, que conta apenas com o apoio dos amigos e familiares para a produção dos saraus. De acordo com a produtora, o sarau tenta também resgatar a cena roqueira e undergound da capital brasileira. Com entrada franca, o próximo sarau acontece no dia 25 de janeiro, na Colônia Agrícola Bernardo Saião – Chácara 12 – lote 1 – Guará II – Quadra 40.

Divulgação

Sarau Vira-Lata/ Divulgação

4. Sarau Vira-Lata, em Belo Horizonte (MG)

Há seis anos, moradores de Belo Horizonte ocupam o o espaço debaixo do viaduto de Santa Tereza para realizar duelos entre MCs. A partir desses encontros, pessoas ligadas à poesia marginal e à literatura de cordel fundaram, em 2011, o Sarau Vira-Lata, que tem como principal objetivo disseminar poesia e dar voz aos cidadãos da cidade por meio da literatura. Itinerante, o sarau já aconteceu em praças de BH, bairros periféricos, museus, Sescs ou até mesmo na porta do cemitério. “Sempre em lugares diferentes da cidade, como se fosse um cachorro vira-lata”, explica o organizador Carlos Eduardo dos Anjos, referindo-se ao nome do projeto. Durante o ano o Vira-Lata programa saraus temáticos de acordo com os feriados. “Na véspera do Dia de Finados, nós vamos até a entrada do cemitério local para fazer um sarau em homenagem aos poetas mortos”, diz Carlos. Antes do Carnaval, o evento irá acontecer debaixo do Viaduto Santa Tereza, palco do renascimento dos blocos carnavalescos de Belo Horizonte. De acordo com Carlos, após a divulgação do Sarau Vira-lata, outros saraus surgiram em cidades de Minais Gerais, como Barbacena, Juiz de Fora e Ouro Preto. O Vira-Lata recebe, frequentemente, convites para realizar workshops de literatura em escolas, assim como recebe diversos estudantes das escolas da região, principalmente os alunos de ensino médio e ensino superior, que já veem na literatura uma forma de contestação. O próximo sarau acontece no dia 24 de janeiro, no Centro Cultural Luiz Estrela, antigo casarão abandonado, que foi ocupado por grupos culturais da cidade.

Sarau das Artes Free/ Créditos: Geraldi Leiloeiro

Sarau das Artes Free/ Créditos: Geraldi Leiloeiro

5. Sarau das Artes Free, em Cuiabá (MT)

Realizado de forma colaborativa, o Sarau das Artes Free surgiu em 2011, no centro de Cuiabá (MT), a partir da iniciativa de amigos que gostavam de poesia e manifestações culturais de forma geral. Atualmente, é considerado um dos maiores eventos autorais da capital mato-grossense, atraindo diversos profissionais em prol da revitalização do centro histórico, como arquitetos e fotógrafos. Situado na Praça da Mandioca, na região central, o sarau acontece todas as terças-feiras, à noite. A próxima temporada tem início em fevereiro.

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6. Sarau Periférico, em Curitiba (PR)

O Sarau Periférico surgiu em 2013, após as mobilizações ocorridas em junho, em prol da redução da passagem de ônibus. A proposta do sarau é oferecer espaço ao que chamam de arte subversiva, “que nasce nas ruas da terra de qualquer periferia abandonada, regada à ódio e amor, pelas mãos de quem trabalha, pelos sonhos de quem está preso, pelo sangue dos que sofrem”, diz um dos textos de divulgação.

Em sua terceira edição, no dia 18 de janeiro, o evento reuniu poetas, rappers, cronistas, contos e outras manifestações artísticas.

O Templo da Poesia/Divulgação

7. Sarau Palco Aberto (Templo da Poesia), em Fortaleza (CE)

” O amor de todo mundo para mudar o mundo”. Esse é um dos trechos da poesia de Ítalo Rovere, que serve como texto tema para explicar como nasceu o Templo da Poesia, que vem reunindo pessoas apaixonadas por poesia e arte em Fortaleza.

Situado na região central de Fortaleza (CE), o espaço se tornou referência na luta pela revitalização do centro histórico local, além de servir como ponto de diálogo, discussão e economia solidária da capital cearense.

O Templo possui diversos projetos ligados à literatura, mas é o Sarau Palco Aberto que reúne os poetas e demais artistas da região. Realizado aos sábados, a partir das 17h, o sarau é gratuito. Nesse período, o espaço está passando por um processo de reforma, mas tem previsão de retorno até março de 2014.

Além do espaço no centro, o Templo da Poesia está estendendo suas atividades para Maranguape, cidade que fica ao lado da capital Fortaleza.

sarau da cidade/divulgação

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8. Sarau da Cidade, em Manaus (AM)

Criado em 2013 pela Fundação Municipal de Cultura e Artes de Manaus (ManausCult), o objetivo do Sarau da Cidade é  fomentar a discussão sobre a literatura manauara, assim como a produção voltada às artes cênicas, cinema e música.

Ainda em período de planejamento, em 2014 o sarau acontece em dois momentos. O primeiro será em abril, na Biblioteca Municipal João Bosco Pantoja Evangelista, no Largo São Sebastião, no Centro Histórico da cidade, e prestará homenagem ao escritor amazonense Aldisio Figueiras. Em junho, o ManausCult está organizando um sarau especial para falar sobre o Mundial de Futebol.

sociedadedospoetasvivos/divulgação

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9. Sarau Luareal, em Natal (RN)

Há 16 anos, nascia em Natal (RN), a Sociedade dos Poetas Vivos e Afins (SPVA), com um objetivo muito claro: fazer com que a população da cidade reconhecesse a nova cena poética e cultura que surgia na capital do Rio Grande do Norte. Dois anos depois, em 2000, a SPVA fundou o Sarau Luareal, que realiza rodas de poesia em praias potiguares, tendo como cenário as luas cheias de cada mês, que marcam a agenda do sarau, que não possui uma data definida, mas sim a fase da lua. Em praias menos movimentadas, é possível fazer ainda performances ao redor de fogueiras. O sarau já foi realizado em praias como a Praia de Ponta Negra, do Forte e de Piraji. A Sociedade dos Poetas realiza também homenagem aos poetas do Rio Grande do Norte. “Nós somos um coletivo independente e bastante eclético, com pessoas de variadas classes sociais e profissões”, aponta o diretor geral da SPVA, Zé Martins. Em janeiro, os membros da Sociedade irão programar o próximo sarau, que acontecerá em fevereiro, em praia ainda não definida. Na página do Facebook da SPVA é possível encontrar diversos poemas dos peotas associados.

Divulgação

Sarau Elétrico / Divulgação

10. Sarau Elétrico, em Porto Alegre (RS)

Tudo acontece às terças-feiras à noite, 21h, no bar Ocidente, esquina da Avenida Osvaldo Aranha com a Rua General João Telles, em Porto Alegre. Desde 1999, é ali que os professores Luís Augusto Fischer e Cláudio Moreno, a radialista Katia Suman e a escritora Claudia Tajes  entregam-se a contos, crônicas e relatos de nomes como Rubem Fonseca, Nelson Rodrigues, Veríssimo e outros internacionais. Tudo ao som de muito rock’n’roll. A ideia é sempre colocar em pauta temas como traição, futebol e classe média.

Sarau das Artes/ Divulgação

Sarau das Artes/ Divulgação

11. Sarau das Artes, em Recife (PE)

O Sarau das Artes, situado em Recife, nasceu em 2009, por iniciativa do Grupo de Teatro João Teimoso, com o objetivo de descentralizar as ações culturais ocorridas na cidade. É dentro do Bar Kibe Lanches, que os saraus acontecem aos sábados, de quinze em quinze dias, no bairro do Pina, em Recife. Os encontros promovem a interação de diversas manifestações artísticas.

Para difundir a cultura produzida por moradores da capital pernambucana, cerca de 100 saraus já foram realizados. “O intuito é realizar um encontro entre artistas de variadas vertentes, mostrando que se pode fazer cultura sem ficar à mercê do Governo, pois Recife, assim como o resto do Brasil, possui uma grande carência de atividades culturais”, aponta o diretor do grupo teatral Oseas de Moraes Borba Neto. O próximo sarau acontece no dia 18 de janeiro, no Bar Kibe Lanches. Para o Carnaval, promete uma apresentação temática. Os interessados em participar precisam enviar inscrição para o e-mail do grupo:  [email protected].

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12. Sarau Bem Black, em Salvador (BA)

Para quem gosta de ouvir e declamar poesia em Salvador, o ponto de encontro é o Sankofa African Bar, no Pelourinho. Todas as quartas-feiras, às 19h30. É lá que o Sarau Bem Black realiza seus encontros com o objetivo de difundir a arte pelo território, seja ela de autoria própria, do escritor predileto ou um trecho de música. O sarau é uma iniciativa do coletivo Blackitude – Vozes Negras da Bahia – e foi lançado em 2009. Inspirado no Cooperifa, importante movimento de São Paulo, o Bem Black adapta a ideia das rodas poéticas às questões da arte negra, essencialmente o hip hop.

Redação

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