Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Em “Lua de Fel” a contagem regressiva de fim de ano é uma bomba-relógio, por Wilson Ferreira

Por Wilson Ferreira

Mais um final de ano e outra contagem regressiva para a meia-noite. Por que essa contagem, como fosse uma bomba relógio? Essa é uma pergunta feita por pensadores como Jean Baudrillard até chegarmos ao filme “Lua de Fel” (“Bitter Moon”, 1992) de Roman Polanski. A poucas horas da festa de réveillon em um cruzeiro marítimo, forma-se um bizarro triângulo amoroso entre um casamento que tenta sobreviver e outro que se transformou em ódio mútuo. Um flashback episódico da história de um homem destruído pela paixão. “Por que as coisas boas nunca duram?”, pergunta-se Polanski. A aproximação que o diretor faz dessa questão com a festa do réveillon, sugere uma resposta: a percepção do tempo como bomba-relógio cria as doenças espirituais contemporâneas: o niilismo e o hedonismo.

A contagem regressiva para o Ano Novo sempre foi a principal instituição do réveillon. Na rápida contagem regressiva de dez segundos é como se repassássemos nossas resoluções para o próximo ano, transformando mente e alma em uma página em branco novinha em folha.

O pensador Jean Baudrillard via com desconfiança essa contagem regressiva, fazendo uma analogia com a contagem regressiva de uma bomba prestes a explodir – a liquidação de todo e qualquer futuro em uma contagem regressiva, o futuro transformado em bomba relógio – Baudrillard chamava de “necrosgectiva” – clique aqui.

Por trás da comemoração de uma efeméride sobre a obsolescência e fim de validade de um período do tempo está a percepção pessimista de que tudo tem um fim. O tempo faz qualquer coisa caminhar para a entropia, esgotamento e, finalmente, a morte. 

Roman Polanski parecia ter em mente alguma coisa nesse sentido ao escrever e dirigir o filme Lua de Fel (Bitter Moon, 1992) quando o protagonista Oscar (Peter Coyote) sentencia de maneira sombria a poucas horas antes da festa de réveillon em um cruzeiro: “Os casais deviam se separar no auge da paixão, e não esperar o inevitável declínio”.  

Polanski aproxima essa percepção esmagadora do tempo (como uma inexorável flecha que aponta sempre para o futuro) com o tema do amor, da vida conjugal e do matrimônio. Assim como sabemos que todo ano irá terminar, também sabemos que algo bom nunca dura para sempre. As coisas boas nunca duram, e nada temos a fazer a não ser lamentar e lutificar.

E se tentarmos agarrar com as mãos para evitar que esses bons momentos se dissolvam como “lágrimas na chuva” (como lamentava o replicante Roy em Blade Runner), o amor pode se converter em algo amargo e perverso. 

O amor pode se transformar em algo que nos faz em pedaços, como cantava Ian Curtis na clássica música da banda pós-punk Joy Division: “Love Will Tear Us Apart”.

O pior filme de Polanski?

Lua de Fel é um filme que não goza da mesma reputação das obras primas do diretor como O Bebê de Rosemary ou Repulsa ao Sexo. As críticas negativas, a maioria, falam de “embaraço” de Polanski – demasiado artificial, exagerado, overacting, extremamente misantrópico. O filme seria o retrato de um casamento “condenado a alta pornografia e baixa arte”.

E o que é pior: Polanski lançava na época sua própria esposa, Emanuelle Seigner, no papel central como uma sedutora voraz com tendência a viúva negra cuja diversão é destruir os homens através da sua sexualidade. Sua performance foi criticada como o trabalho de uma atriz que só conseguiu o papel por ser esposa do diretor.

Mas parece que os críticos passaram batidos por uma sutil autoconsciência da narrativa: o protagonista Oscar é um escritor fracassado que jamais publicou um livro se quer. Por isso, a narrativa em flashback que faz da vida conjugal com Mimi (Seigner) é de pouca imaginação. Por isso, repleta de clichês e overacting: frases como “inseparáveis durante o dia e insaciáveis à noite” e o acúmulo de clichês pornográficos como, por exemplo, o café da manhã com o leite espalhado pelos seios de Mimi explicitam isso. 

Polanski parece querer brincar com esses clichês e mostrar o porquê de Oscar ter se tornado um escritor fracassado – na verdade não passava de um playboy rico que queria viver os clichês literários de Paris fingindo ser intelectual e escritor apenas para seduzir mulheres.

O Filme

Nigel (Hugh Grant) e Fiona (Kristin Scott Thomas) fazem um cruzeiro marítimo até a Índia para tentar renovar os seus sete anos de casamento. Em primeiro lugar, conhecem um amigável indiano viúvo com sua filha que recomenda ao casal ter filhos para equilibrar o casamento – primeiro tema polanskiano: o ajuste de um casal sempre está alinhado com a ausência total de sexo).

Mas não demora muito para o casal ser introduzido à sexualidade transgressiva. São apresentados ao casal Oscar e Mimi, obviamente presos a algum tipo de ódio mútuo – ele um escritor preso a uma cadeira de rodas, cínico e autodepreciativo; ela, uma mulher voluptuosa que sugere a possibilidade de traição a Nigel em todas as oportunidades.

Oscar convida o jovem e fleumático britânico Nigel a sua cabine para revelar-lhe sua história longa e sinuosa de como o paixão o destruiu entre impulsos doentios, obsessão sexual, encontros amorosos até um ficar cansado do outro e entrarem num ciclo infernal de traição, abusos e tortura.

De início Nigel sente repulsa àquela história que Oscar começa a contar, mas sente um incontrolável impulso de olhar para o abismo e mandar Fiona e o casamento às favas em troca de uma noite com a sedutora Mimi – ouvir a história até o fim é a condição imposta por Oscar para que a traição receba suas bênçãos.

Se para Oscar a narração da sua tragédia (o primeiro flerte, a sedução, sexo compulsivo, ódio, traição e crime até ficar entrevado em cadeira de rodas sob os cuidados da vingativa Mimi) é uma forma de espiar o ódio de si mesmo, para Nigel é tudo aquilo que os sete anos de vida conjugal nunca tiveram no que se tornou a “tumba matrimonial” do casamento.

E para alimentar ainda mais a obsessão de Nigel, Fiona é uma mulher fria, distante, um pouco seca que parece que oferecerá pouca resistência à voluptuosa Mimi. Mas Fiona alerta Nigel: “o que você fará, eu posso fazer melhor!”. Sugerindo a lendária crueldade e frieza femininas das mulheres quando sentem-se traídas.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

3 Comentários

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  1. Não é só o abuso de clichês

    Não é só o abuso de clichês que deixam claro que a narrativa em flashback é quase que totalmente inventada, ou, no mínimo, bastante alterada em relação aos supostos fatos que contém.

    A própria sequência dos acontecimentos contém diversas sutis inverossimilhanças. E a personagem de Emanuelle Seigner, em tempo real, é bem diferente da que aparece nos flashbacks.

    Um dos melhores filmes de Polanski, sem dúvida.

  2. Bad Moon seting not to rise never more

    Se preocupa não, o Trump é o Obama retardatário e não vai cumprir o que prometeu ao povo do seu país pois já se meteu o nariz no Oriente Médio; Prenderam seu rabo antes dele assumir

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