Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Para que serve a astrologia de massas?

Acima: Roland Barthes. Abaixo: Theodor Adorno

Na década de 1950 o alemão Theodor Adorno (pelo olhar sócio-psicanalítico) e o francês Roland Barthes (pelo ponto de vista da semiologia) empreenderam pesquisas sobre as colunas de astrologia, respectivamente do Los Angeles Time e do semanário Elle. Ambos chegaram à mesma reposta: a astrologia de massas serve para exorcizar o real. A astrologia deixa de ser uma abertura para o Oculto, o Onírico e o Imaginário para se transformar num espelho realista e disciplinador da própria rotina diária dos leitores. Será que essa resposta pode ser aplicada à astrologia de massas atual, mais de cinquenta anos depois dessas análises?

A astrologia, pelo menos como é apresentada nos veículos de comunicação diários, não é uma abertura para um mundo onírico, um contato do homem ordinário com o Oculto ou uma previsão de eventos futuros. Pelo contrário, é uma descrição realista de um meio social preciso dos leitores. Não é uma abertura para um sonho, mas um espelho motivacional da instituição da realidade.

Essa é a conclusão que dois autores chegaram na década de 1950 ao se debruçarem sobre o crescente fenômeno das chamadas “previsões astrológicas” nas mídias de massa no período pós-guerra: Theodor Adorno nas suas análises sócio-psicanalíticas sobre a coluna do horóscopo do Los Angeles Time e de Roland Barthes na análise semiológica do horóscopo no semanário francês Elle.

Primeiro, Adorno encontrou nos textos dos horóscopos uma “abordagem bifásica” quem em psicologia refere-se ao comportamento neurótico oscilante entre alguém que age em relação a si mesmo como criança travessa e, em outras situações, como disciplinador severo. Adorno localizou o mecanismo de criação de dependência quando as previsões criam a imagem do leitor como alguém frustrado e, ao mesmo tempo, possível de obter sucesso. Paradoxalmente, a afirmação do sujeito só ocorreria mediante a negação diante das instituições sociais – trabalho, família e relacionamentos. Aos leitores recomenda-se sempre obediência, bom-senso e moderação diante da figura do chefe e hierarquia do trabalho (veja ADORNO, Theodor, As Estrelas Descem à Terra – a coluna astrológica do Los Angeles Time, São Paulo: Editora da Unesp, 2008).

Para Adorno, a astrologia de massas seria uma “supertição secundária”, pois ao inserir o misticismo da astrologia em uma sociedade de consumo altamente tecnologizada e secular, o Oculto surge institucionalizado e amplamente socializado. O Oculto perde sua tensão com a racionalidade e torna-se um discurso motivacional e neurótico onde o indivíduo mantém a esperança de sucesso negando a si mesmo.

Roland Barthes vai chegar a conclusões parecidas através do caminho da semiologia. Ao analisar o discurso do horóscopo da revista Elle, Barthes chega a uma constatação paradoxal: na verdade as supostas “previsões” astrológicas resumem-se a descrições: os astros mais prescrevem do que predizem, isto é, “raramente se arrisca o futuro, e a predição é sempre neutralizada pelo equilíbrio dos possíveis: se houver fracassos serão pouco importantes, se houver rostos sombrios, o seu bom humor alegrá-los-á; as relações maçantes serão úteis etc.” (BARTHES, Roland, Mitologias. R. de Janeiro: Difel, 1980, p. 108).

Para Barthes, os astros parecem refletir como um espelho o ritmo do nosso dia-a-dia de trabalho: os astros nunca postulam uma destruição da ordem. Parecem influir moderadamente , respeitando a ordem social, os horários patronais e os diversos departamentos da rotina: “sorte”, “amor”, “dinheiro”, “viagem” etc. São rubricas sociais que coincidem com as “casas” dos mapas astrais. Assim como Adorno, Barthes concorda que o Oculto, o Imaginário e o Onírico presentes na Astrologia são institucionalizados como discursos motivacionais que se por um lado promete o livre-arbítrio, a vontade individual e o sucesso, por outro prescreve a rígida observância à ordem diária através do bom-senso e moderação.

O “mundo” e o “pessoal” na astrologia

Os céus refletem a ordem terrestre

Cinquenta anos depois dessas análises de Adorno e Barthes, suas conclusões não só ainda se sustentam como a função simultaneamente disciplinadora e motivacional da astrologia de massas acabou se sofisticando dentro do abrangente imaginário da “New Age” do século XXI. Acabou se sofisticando num discurso onde as grandes transformações sociais e naturais (muitas vezes potencialmente catastróficas) convivem com a intacta manutenção da rotina.

Em primeiro lugar o grupo das rubricas “Sexo”, “Amor”, “Viagens”, “Trabalho” e “Saúde” é  separado da rubrica “previsões para esse ano”.

Ao tratar das previsões para o “mundo” ou o “coletivo” percebe-se um cunho emergencial e até catastrófico com “grandes mudanças”, “conturbações para o mundo”, “comoções”, “guerras” e “crises” potenciais. Aqui temos a astrologia assumindo a natureza premonitória, alinhamento de astros, conjunções estelares e de planetas que podem influir em grandes transformações e “mudanças de mentalidade”.

Por outro lado, quando entramos nas “previsões” diárias, em cada rubrica da nossa rotina diária percebe-se o tom descritivo tal qual assinalou Barthes: de repente os astros se esquecem das grandes crises prometidas no âmbito coletivo e, no dia-a-dia, passam a ter influência moderada, respeitando a rotina e até os períodos do dia – por exemplo, “não assine qualquer contrato no período da manhã”, etc.

Parece que a Natureza se historiciza e a Sociedade naturaliza-se: inversamente, a Natureza assume as emergências das transformações sociais e a sociedade adquire-se o compasso cíclico semelhante às estações do ano. Na natureza e no coletivo esperam-se transformações, caos e crise; ao contrário, no dia-a-dia pessoal imperam rotina e ordem.

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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